Este ano a nossa jovem democracia faz vinte anos. Com a eleição (mesmo que indireta) de um civil para a presidência da República, o país reajustou seu rumo político, instituindo uma nova ordem política e social. Voltamos às urnas, restabelecemos direitos, modernizamos nossa legislação, reacendemos uma nova cultura de participação popular, de liberdade civil e de cidadania. É evidente que, passadas duas décadas, não fizemos do Brasil uma democracia radical, mas percorremos – é preciso reconhecer – um caminho fundamental para a história nacional e para a consolidação do que chamamos de Estado Democrático de Direito.
Mas a democracia é uma jornada. E como qualquer jornada, precisa ser feita com cuidado, com atenção, todos os dias, sempre. A mera vigência de leis que asseguram os direitos do cidadão e a inalienável possibilidade de eleger representantes políticos não garantem tão-somente a nossa democracia. É preciso reafirmá-la a cada momento, nominá-la. E uma democracia se constrói apoiada em valores comuns, em princípios que atendem aos interesses de camadas sociais, de coletividades que aspiram viver com qualidade, com justiça social e com equilíbrio.
Um desses valores fundamentais da democracia é a liberdade de imprensa, apontada por muitos como o mais estratégico direito universal. Afinal, a vigência efetiva da liberdade de imprensa permite e assegura que os cidadãos possam reclamar outros direitos humanos.
Truculência e mandonismo
O dia 1º de junho é o Dia da Imprensa Brasileira. E nesta data, o Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, junto a outros sindicatos do país filiados à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), lançou a Campanha de Defesa da Liberdade de Imprensa no Brasil, um conjunto de esforços para denunciar as violências a que estão sujeitos os profissionais da comunicação e as empresas que exploram o setor.
O objetivo é levar à sociedade um pouco da realidade que cerca o jornalismo nacional, ator tão importante no processo de redemocratização. E os ataques não têm sido menores, mesmo apesar da vigência da democracia no país. Muito recentemente, decisões judiciais recolheram exemplares do livro Na Toca dos Leões, do jornalista Fernando Morais, e impediram a veiculação de reportagem-denúncia do Fantástico no estado de Rondônia.
Os episódios evidenciam um claro propósito de retomada da censura prévia no país, do amordaçamento das vozes e das consciências nacionais. Não bastasse isso, há poucas semanas jornalistas foram agredidos em Tocantins, em São Paulo e em Santa Catarina por contrariarem interesses, colocando em risco ganhos e benesses alheias.
Os ataques à imprensa, na verdade, são ataques ao jornalismo e – em última instância – à sociedade na medida em que tais atitudes tentam impedir o pleno conhecimento e informação dos cidadãos de realidades até então ocultas.
Quando jornalistas são agredidos ou meios de comunicação são censurados, é o consumidor, o contribuinte, o cidadão quem novamente é prejudicado. O direito à informação – tão repetido em documentos e protocolos internacionais – é simplesmente descartado em nome do mandonismo, da truculência e do autoritarismo que ainda percorrem a alma nacional. Se, nos tempos da ditadura, a mordaça à imprensa era atada pelo Estado, nos dias atuais os censores habitam os mercados econômicos, os meios políticos, diferentes instâncias da sociedade.
Sempre alerta
Para além da censura aos meios de comunicação, há o perigo iminente do exercício profissional. Para se ter uma idéia, nos últimos cinco anos (2000-2004), 175 jornalistas foram mortos em todo o mundo no cumprimento de suas funções. Os números são da organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras. No mesmo período, 5.252 profissionais foram vítimas de ameaças ou agressões, 3.183 foram encarcerados e 2.175 veículos de comunicação passaram por algum tipo de censura.
As ocorrências são crescentes e em alguns momentos, como em 2004, duas mortes também foram registradas no Brasil – mais do que na Colômbia, no Paquistão e no Haiti, países marcados pela violência institucionalizada.
Não é preciso estar num país em guerra para observar os ataques à liberdade de imprensa; não é necessário viver numa zona de conflito civil para que tais ameaças abalem esse direito fundamental. Os perigos são mais sutis em países como o nosso. O que jornalistas e a sociedade precisam fazer é ficar em alerta, denunciar essas agressões e não transigir em seus direitos.
******
Jornalista, doutor em Ciências da Comunicação e vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina