Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As telenovelas e seus ‘políticos maravilhosos’

A telenovela é um produto de ficção presente no cotidiano dos brasileiros. Ao longo dos anos, esse produto passou a fazer parte da cultura do nosso país. Não há como negar. Os folhetins criam polêmicos personagens e trazem à tona temas para discussão, tanto no âmbito acadêmico como em qualquer outro cenário da sociedade.

Conforme bem definiu Artur da Távola, ‘[…] a telenovela tomou emprestada a verossimilhança […] resgatou a busca da `verdade´ por meio do retrato fiel dos personagens e representou o real da sociedade brasileira […]’. Essa afirmação revela a íntima relação da novela com a vida e, sem dúvida alguma, a mistura dos dois planos: o da representação e o da realidade.

Alguns parlamentares marcaram nossa dramaturgia. A intenção dos personagens não era fazer legado, mas entreter as famílias brasileiras para que estas soubessem que, ao menos na ficção, era e ainda é possível sorrir, emocionar-se, sem ser lesado em suas contribuições com os cofres públicos. Não se trata de uma alienação, e sim, o que disse a novelista Janete Clair: ‘É pecado você dar uma distração ao povo brasileiro? A vida já é tão dura, a gente já luta tanto. Com exceção da novela, o resto é tudo ruim. Então, vamos alegrar o povo.’

É quase impossível mencionar os políticos sem citar os casos de corrupção em nosso país, nos últimos tempos. Voltamos a viver mais um daqueles escândalos de mensalão, dinheiro na cueca, na meia etc. Estamos, novamente, ‘nadando em marés de lama’. O triste disso tudo é que tais situações tendem a piorar, quer pelo cinismo, quer pelos mais criativos métodos possíveis de roubalheiras, falcatruas e discursos de inocência. Infelizmente, essas coisas também fazem parte do nosso cotidiano. Recordar é viver. Vamos relembrar os personagens parlamentares que as novelas já criaram.

Retomada de discussões saídas de pauta

As tramas retrataram vários perfis políticos. Alguns bem caricatos e inofensivos, outros decididos e ainda aqueles que faziam o estilo ‘espertinho’. Um dos cenários bem explorados pelos novelistas ainda é o político porque a política, enquanto ciência que dirige, organiza e administra a nação, está presente no dia-a-dia de todos nós. Alguns desses personagens criados pela dramaturgia deixaram saudade. Quem não se lembra de Odorico Paraguaçu, interpretado pelo genial Paulo Gracindo? Odorico era o prefeito de Sucupira na novela O Bem Amado, exibida em 1973 pela Rede Globo. Ele era um malandro que, com muito jeitinho e um discurso de ser igual a eles, o famoso ‘meus conterrâneos de Sucupira, […]’, convencia as pessoas. Era também um conquistador que seduzia as irmãs cajazeiras, Dorotéia, Dulcinéia e Judicéia. Dizendo que tomaria ‘um licor de jenipapo’, levava as solteironas ao delírio.

Outro destaque ficou por conta do ator Francisco Cuoco ao interpretar o deputado Lucas Cantomaia, em Eu Prometo (1983/84), trama de Janete Clair, que morreu sem concluí-la, deixando esse difícil papel para Dias Gomes. Lucas era um homem íntegro e cumpridor de suas atribuições com muita honestidade e competência. Apaixonou-se pela fotógrafa Kelly Romani (René de Vielmond), mas, por compromissos políticos e respeito à família, mesmo vivendo um casamento envolto em mentiras com Darlene (Dina Sfat), o deputado só se decidiu pelo seu verdadeiro amor fora do casamento muito tempo depois.

Carlos Vereza deu vida ao personagem do senador Roberto Caxias, nome bem sugestivo para o personagem. Era um homem público corretíssimo que chegava a ser, às vezes, cansativo por seu excesso de zelo no Congresso. Quem não se recorda de sua atuação na trama novelesca exibida em 1996/97, O Rei do Gado? A novela, por intermédio da figura do senador, fez com que o Congresso retomasse discussões que há muito tempo haviam saído de pauta: reforma agrária e movimento sem terra (MST). Na época da exibição da trama, o presidente do MST declarou à imprensa que a novela retratou fatos tão compatíveis com a realidade vivida por eles que a sociedade passou a olhá-los com outros olhos.

A galeria das malvadas imortais

Há ainda aqueles que não sabem nem o que estão fazendo ali, como se tivessem ‘caído de pára-quedas’. Refiro-me ao personagem de José Mayer, o Martinho, um cara do bem que queria ajudar os moradores da fictícia cidade São Tomás de Trás na novela Meu Bem Querer (1998/99). Com isso, torna-se seu representante político, com a ajuda do amigo Inácio (Nuno Leal Maia) e a influência dos moradores.

Havia outros mais espertos, que não tinham intenção nenhuma de disfarçar suas verdadeiras intenções, como o prefeito Félix Guerrero (Antônio Fagundes) no folhetim Porto dos Milagres (2001), que unido a sua mulher Adma (Cássia Kiss), aprontava horrores contra os moradores da litorânea Porto dos Milagres, habitada por pessoas simples, em sua maioria pescadores, que eram liderados por Guma (Marcos Palmeira), um homem de bom caráter que lutava contra a tirania e desmandos do prefeito. Vale aqui um breve comentário: Cássia Kiss com uma atuação espetacular, fez de Adma uma das vilãs mais clássicas de nossas tramas entrando para a galeria das malvadas imortais.

Uma lição para refletir

Por muito tempo, os moradores da região, mesmo conhecendo o caráter político do parlamentar, não tinham outra opção; continuavam elegendo Félix Guerrero como seu representante. Guma começa a enfrentá-lo, tornando-se um forte candidato ao posto. Nem sempre os vilões políticos se dão bem nas telenovelas. Félix e Adma experimentam de seu próprio veneno. Ele morre depois de receber um tiro de sua amante, Rosa Palmeirão (Luiza Tomé). Já Adma, depois de tanto envenenar as pessoas com seu pozinho misterioso que trazia guardado no anel, prova do seu próprio mal e morre.

Sem querer ‘agourar’ nenhum político, vale relembrar outro personagem mau caráter, que não terminou seus dias no auge do mandato. Refiro-me ao vereador Reginaldo da Silva, o Naldo (Eduardo Moscovis), da novela Senhora do Destino (2004/05). O vereador era filho de Maria do Carmo (Susana Vieira), uma nordestina que sofreu horrores pelo abandono do marido e que chega ao Rio de Janeiro em 1968, período de grande tumulto na cidade provocado por manifestantes e policiais por conta da decretação do AI 5. Por causa desse alvoroço, Maria do Carmo tem sua filha roubada ainda bebê. Anos depois, essa retirante vai morar na Baixada Fluminense ganhando o respeito dos moradores. Naldo se vale do populismo da mãe, porém não do seu apoio e nem de seu voto, já que ela, em vários momentos, deixa claro não confiar no filho para o cargo parlamentar. Mesmo assim, Naldo consegue chegar à prefeitura da cidade. Entretanto, seus dias no poder executivo não são longos. Ele morre depois de receber uma pedrada na testa, em uma espécie de releitura da história bíblica de Davi versus Golias. Nesse caso, é possível entender que o povo elege, mas também tira. Claro que tudo sem violência, porém pelo poder do voto.

Eis aí uma galeria de personagens marcantes que nos deixam uma lição para refletirmos: como estamos escolhendo nossos representantes parlamentares?

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Jornalista, Vitória, ES