A internet comercial brasileira completa 10 anos neste 2005. Faz cinco que me lancei nesta aventura, atraído pelo fascínio da mídia do futuro, pelo medo de ficar profissionalmente defasado diante das novas tecnologias, pela tentação de ganhos altos. Lembro-me de, àquela época, conversar com um experiente colega de redação do Estado de S.Paulo, grande entusiasta da então chamada ‘nova economia’, que me incentivou a aceitar um salário menor no projeto de internet que eu iria coordenar, e preferir uma parcela maior de stock options.
Semanas atrás reencontrei esse amigo, e brinquei com ele: a internet ainda vai demorar um bom tempo para deixar de ser uma promessa do ponto de vista comercial – e que as tais stock options eram um dinheiro virtual que muito pouca gente conseguiu materializar (ou ‘exercer’, na linguagem das bolsas).
À exceção de alguns setores da economia, como o de comércio eletrônico e o bancário, a web ainda segue sendo um estorvo para a maioria das indústrias. As empresas sentem-se obrigadas a ter uma presença digital, mas daí a transformá-la em unidade de negócio é um longo e tortuoso caminho (que elas muitas vezes nem sabem onde começa). As equipes que cuidam dos sites da maior parte das corporações são vistas ainda como um centro de custos, não como geradoras de receitas.
Conteúdo acessório
Jornalista de formação, há uns seis ou sete anos via a internet como a salvação do nosso mercado de trabalho, já que as redações aprofundavam o processo de afunilamento de suas estruturas. Fazia-me a seguinte comparação: quantos cargos de gerente (administradores, engenheiros, pessoal de marketing) há numa indústria de bens de consumo? E quantos editores há numa redação? Quantas são as empresas dos diversos setores da economia se comparadas com as redações de jornais, revistas, rádios e TVs?
Diante disso, a internet parecia ter chegado para redimir o profissional de jornalismo, gerando tantas novas oportunidades quantas há nas indústrias dos demais setores. Claro que receávamos trocar o certo pelo duvidoso: tudo acontecia muito rapidamente, uma conversa informal virava um convite, e os salários podiam até dobrar ou triplicar da noite para o dia, conforme surgiam novos convites.
Perguntava-me quem pagava por tudo aquilo. A resposta só apareceu depois do estouro da bolha: ninguém pagava, e aquela esperada redenção dos jornalistas mostrou-se um sonho de uma noite de verão.
Passada aquela fase, depois de muitas empresas fecharem e vários amigos ficarem desempregados, tinha para mim que os players sobreviventes neste mercado tinham solidez em seus negócios. Tanto que persisti em trabalhar no mundo online, acreditando que, depois da tempestade, viria a bonança; que o mercado estava amadurecendo, as empresas estavam buscando seus pontos de equilíbrio e finalmente havia um novo mercado para nós, jornalistas. Não tão farto como se supunha anos antes, mas em contrapartida, mais sólido.
Parecia por que as empresas de internet (os provedores, especificamente) não são empresas de mídia. São empresas de tecnologia. O core business delas é prover acesso à internet, disponibilizar a tecnologia para que as pessoas se conectarem à rede mundial. O conteúdo feito pelos jornalistas nessas empresas nada mais é do que um acessório, um adereço que o provedor oferece aos clientes que pagam mensalmente pela tecnologia de acesso.
Mídia não é sabonete
Não é uma diferença apenas semântica ser uma empresa de tecnologia e não de mídia. O que faz uma empresa de mídia manter um produto há 50, 100 anos é justamente a credibilidade que ele detém junto a seu público. Por mais que ela se torne uma ‘empresa’ no sentido de ter uma administração profissional, de objetivar bons resultados a seus acionistas, o conteúdo continua sendo ‘a alma do seu negócio’.
Um provedor de internet que abre mão de uma equipe de bons profissionais em nome de uma melhor eficiência operacional é prova de que o conteúdo não é a ‘alma’ de seu negócio. A empresa não liga se a decisão pode comprometer a qualidade do seu produto editorial.
Se essa regra valesse para as empresas de mídia, um jornal poderia abrir mão do noticiário em várias de suas páginas visando atender mais anunciantes. Mas isso não ocorre por uma simples razão: uma empresa de mídia sabe que só tem anunciantes se tiver credibilidade; essa credibilidade é reconhecida pelo público, que compra o jornal, que aumenta a tiragem, que atrai mais anunciantes etc. É verdade que na TV aberta vêem-se muitos horários de televendas ao longo da programação. Mas as emissoras de maior credibilidade mantêm-se fiéis à produção de conteúdo próprio e de um bom jornalismo.
Nas empresas exclusivamente de internet, quando há necessidade de ajuste de custos, a área de conteúdo é tratada como um call center. Esquecem-se esses empresários do mundo online (ou nem sequer sabem) que a revista Veja operou durante anos no vermelho antes de se tornar a maior publicação semanal do país. Não é só a visão empresarial que distingue os Civita dos acionistas das empresas de internet: é principalmente a consciência de que aquele produto tem uma função social, seja combatendo políticos corruptos, seja defendendo os contribuintes, seja colaborando para fortalecer as instituições democráticas do país. E por isso vale a pena apostar nele, mesmo que se mostre deficitário no início.
As empresas de internet vêem a mídia como mais um negócio, que deve ser avaliado segundo os mesmos indicadores de performance das outras áreas (ou seja, na equação custo/faturamento). Mas a mídia não pode ser tratada assim. Ela deve ter como missão levar o público à reflexão. Se estiver cada vez mais treinado a pensar ao ler as notícias, o público desconfiará quando ler que um portal ou provedor tratou seu conteúdo como um simples adereço, e descontinuou-o sumariamente. Esse leitor sabe que a mídia não é como sabonete. Para as empresas de internet que agem assim, o tiro pode acabar saindo pela culatra e o que restava de credibilidade desaparece junto com os jornalistas que dispensou.
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Em tempo: Na edição de 3/5/2005 deste Observatório assinei artigo em que questionava por que os portais de internet haviam sido preteridos na seleção dos jornalistas que entrevistaram o presidente Lula [remissão abaixo]. Nesta nova reflexão, creio que a postura de alguns executivos e acionistas de empresas de internet acabam por justificar aquela ‘segregação’ patrocinada pelo Planalto – embora alguns poucos portais sigam merecedores de um tratamento igual ao dado à mídia tradicional na relação com as fontes.
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Jornalista, professor da Faculdade Cásper Líbero, São Paulo/SP