Ao contrário da cobertura na maioria das vezes preconceituosa que a grande mídia deu à recente marcha dos trabalhadores rurais sem terra pela rodovia Brasília-Goiânia – por sinal, em minha opinião, um exemplo de organização e respeito aos direitos dos transeuntes –, os jornais e tevês não mostraram o que ocorreu no bloqueio das estradas federais no dia 31 de maio, promovido pelos grandes fazendeiros contra a política agrícola e econômica do governo.
Viajava eu no ônibus internacional da linha Assunción (Paraguai)-Brasília, via Goiânia, desde as 8h30 da véspera deste acontecimento, quando, às 11h do dia 31, fomos barrados na BR-060, na altura do trevo próximo a Acreúna, por meia dúzia de fardos incandescentes de algodão prensado lançados sobre a pista, bem como dezenas de máquinas agrícolas estacionadas no meio da rodovia e uma centena de manifestantes arregimentados pelos produtores rurais.
O bloqueio da rodovia foi implacável e sobejamente anunciado de véspera para ocorrer no período das seis da manhã às 18h, e contou com o apoio explícito das autoridades governamentais; talvez por isso não havia absolutamente nenhuma autoridade pública no local, durante toda a manifestação, nem Polícia Militar nem Polícia Rodoviária para coibir tal exorbitância e assegurar-nos o direito constitucional de ir e vir, ainda mais em se tratando de importante rodovia federal.
Em conseqüência, cerca de oito mil pessoas estressadas e cansadas, entre elas muitas crianças e idosos, distribuídos por centenas de ônibus, automóveis e caminhões, ficamos presos na estrada e largados às traças. Faixas colocadas no local agradeciam a ‘colaboração’ do governador de Goiás. Consta que às 16h30 aquela autoridade passou em velocidade pelo bloqueio, vinda de Jataí, num comboio de rápidos automóveis pretos, inclusive da Polícia Federal, mas nada aconteceu. Às 17h30, como haviam prometido com antecedência, nossos ruidosos ‘carcereiros’ avisaram por alto-falantes que estavam começando a liberar a estrada. Fizeram um comício, soltaram foguetes, gritarias, queimaram uns bonecos de pano e finalmente pouco depois da hora acertada permitiram-nos a passagem.
Criminosa omissão
No ônibus em que eu viajava, da viação Expresso Nacional, duas senhoras de idade tiveram que se conformar em pernoitar na rodoviária de Goiânia, pois perderam o ônibus para o Maranhão (e o respectivo dinheiro das passagens) e não tinham nem para onde ir nem dinheiro para pagar hotel. Um outro jovem passageiro, chegando a Brasília à meia-noite, perdeu a conexão para Unaí, e teve também que dormir num banco da rodoviária, até o amanhecer, quando voltariam a circular os ônibus para aquela cidade mineira.
Houvessem estes acontecimentos sido perpretados pelos sem-terra em sua marcha pela reforma agrária teriam eles, sem dúvida, merecido a desqualificadora pecha de ‘baderneiros’ e ‘invasores’ que lhes foi pregada por parte de respeitável mídia nacional…
Estamos voltando assim à época dos barões, que mandavam e desmandavam a seu bel-prazer, e as pessoas tinham que ir às ruas para assegurar seu direito a viver decentemente e comer um pedaço de pão. A sociedade que se cuide, pois os grandes fazendeiros provaram que podem paralisar impunemente o país quando quiserem e para isto contam com criminosa omissão das autoridades públicas e da imprensa.
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Servidor público aposentado, residente em Brasília