‘Foi falha minha – pela qual peço desculpas – não ter especificado o segundo dos dois (únicos) erros gramaticais que encontrei no perfil de Fernando Henrique Cardoso exibido no início Roda Viva de 23 de março e, usando o plural, ter permitido a interpretação de que o texto continha várias ou, pior, muitas incorreções. Não tinha.
Em relação ao fato de Fernando Henrique ter corrigido o mesmo texto durante o programa, apontando erro nas datas de criação da URV e da troca de moeda, o editor Sérgio de Castro reconheceu o equívoco de ter dito que a URV foi criada em 30 de março de 1994, mas esclareceu que, no que diz respeito à criação do real, sua opção foi usar o mês de junho, ‘pois foi em 30 de junho de 1994 que o então ministro da Fazenda, Rubens Ricúpero, anunciou a criação da nova moeda’. Sérgio acrescenta:
‘O real entrou em circulação logo em seguida, em julho. Mas pegamos pela data do anúncio. Até poderia ter sido utilizada a data em que a moeda começou a circular. Em relação à URV, também poderíamos usar ou a data de criação (28 de fevereiro de 1994) ou a data em que ela começou a valer (1º de março de 1994)’.
Falando em erros…
Na reportagem do Vitrine de dia 21 de março sobre a onda indiana provocada no país pela novela Caminho das Índias, infelizmente sobrou uma crase indigesta no título ‘Visita à uma família indiana’. No mesmo programa, houve outro momento não de português errado, mas exemplar do que acontece quando uma produção de imagens é limitada como a da matéria sobre a autobiografia do ator Jonas Bloch. Ao interminável passeio de Jonas e do apresentador pela Avenida Paulista seguiu-se uma edição tão pobre em opções de imagens que teve até slow motion (mudo) dos dois conversando para cobrir um trecho da narração.
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O útil e o agradável, 26 de março
O Repórter Eco sobre a água, além de merecer com todas as honras o adjetivo ‘especial’ com que foi apresentado, deveria, depois da exibição na íntegra para seu público cativo ( o que aconteceu na noite de 25 de março) ser ‘fatiado’, no bom sentido, e ‘exportado’ para outros programas jornalísticos (ou não) da grade da TV Cultura, para que os telespectadores menos atentos à causa ambiental pudessem desfrutar das ótimas matérias apresentadas.
A reportagem de Cláudia Tavares sobre o engenheiro paulistano Takeshi Imai, que diz estar ‘pagando os pecados’ do tempo em que trabalhava com pulverizadores e desenvolveu uma técnica para fazer chover onde é necessário, é caso típico de um encontro perfeito do que é importante com o que é interessante do ponto de vista ‘telejornalístico’.
A forma como foram contados e mostrados o trabalho e a história desse ‘semeador de nuvens’ contratado pela Sabesp e a explicação sobre como ele já conseguiu provocar mais de 400 chuvas desde 2001 – fazendo as nuvens do tipo ‘cumulus congestus’ crescerem com a ajuda de um radar e de um avião que ‘borifa’ água pura – são um exemplo de como fazer telejornalismo de tecnologia de forma atraente e eficiente em TV aberta.
Vale destacar, a propósito, a qualidade da passagem em que a repórter explicou o que são chuvas artificiais e contextualizou a condenação dessa técnica devido ao uso de substâncias tóxicas como o iodeto de prata e o cloreto de sódio, antes de mostrar o que faz a diferença na técnica desenvolvida por Takeshi: o uso de água potável. Água que o engenheiro bebeu do tanque do avião diante da câmera, conferindo mais credibilidade ainda à reportagem. Para completar, a matéria mostra que, longe de ser mais um professor Pardal, Takeshi teve seu método testado e aprovado pela Sabesp. E que foi contratado não por fazer chover muito, mas por ser capaz de fazer chover no lugar certo, onde a Sabesp quer: o Sistema da Cantareira.
Além da história do semeador de chuvas, o Repórter Eco exibiu uma outra boa reportagem, igualmente importante e interessante, sobre o aquífero Guarani, a chamada ‘amazônia subterrânea’ formada por gigantescas ‘esponjas’ sobrepostas que ocupam uma área de um milhão e 200 mil quilômetros quadrados – quase 5 vezes o estado de São Paulo – entre a região Sudeste do Brasil e a fronteira com a Argentina, abastecendo mais de 200 cidades. O programa ainda teve uma reportagem de serviço sobre uma empresa que ensina consumidores e empresas a economizarem com o uso racional da água.
Para completar, o Repórter Eco ainda chamou atenção, através de uma entrevista com o pesquisador da Embrapa Evaristo de Miranda, para o fato de a questão do saneamento estar sendo esquecida até mesmo no discurso ambientalista, quem diria, da quase totalidade das ONGs que atuam no Brasil. E teve ainda a análise de Washigton Novaes sobre o que aconteceu no 5º Congresso Mundial da Água em Istambul, no momento em que mais de um bilhão de pessoas não têm acesso à água potável.
Foi, em suma, um Repórter Eco rico, eclético, informativo e interessante cujo conteúdo tinha – e continua tendo, claro – todas as qualidades para sensibilizar aqueles públicos não engajados na causa da sustentabilidade.
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Transcrições reveladoras, 25 de março
Transcrevo, agradecendo e pedindo atenção para os conceitos e informações nele incluídos – o email que recebi do diretor Gilson Gaspodini sobre a crítica que fiz ao programa Noites Clássicas em 3 de março:
‘Nós ficamos muito satisfeitos em saber que o objeto de nosso trabalho, a música clássica, desperta cada vez mais interesse nos telespectadores. Gostaríamos de registrar também nossa atenção às críticas feitas sempre com fundamentos. Quanto a falta de uma apresentação mais formal sentida na série Noites Clássicas, concordamos. Esta ausência foi detectada no momento em que organizávamos a série e percebemos que somente os programas da Osesp tinham apresentação.
Imediatamente solicitamos a criação de um cenário para que todos os nossos programas sejam beneficiados, não só com apresentação da bela jornalista Estela Ribeiro, mas também, com eventuais entrevistas e depoimentos de especialistas no assunto.Em nosso entendimento, o estímulo à iniciação pelo gosto à música clássica passa por adequações quanto ao conteúdo e à programação. Nossos programas ganham espaço na madrugada por serem longos. Então raciocinamos no sentido de diminuir esse tempo com programas em torno de 50 minutos. Assim podemos ‘brigar’ por melhores horários, sem rejeitar o horário já conquistado.
O horário das 22h, uma vez por semana, soa como um sonho. Vamos averiguar concretamente essa possibilidade para o segundo semestre. Quanto ao conteúdo ficar mais acessível telespectador que nutre admiração pelo gênero clássico mas que precisa ser seduzido, concordamos que temos muito a melhorar. Nossos esforços são no sentido de um enfoque mais didático e explicativo para ‘fisgar’ o telespectador. Temos a firme convicção que este é o caminho mais curto para a ‘popularização’ do gênero.
Neste sentido não poupamos esforços, um exemplo são as Óperas. Acabamos de editar a Ópera Colombo de Carlos Gomes, na verdade um poema lírico em quatro tempos. Abrimos quatro blocos, aumentamos sua dinâmica, ao mesmo tempo que trouxemos para estúdio, em cenário a lembrar a proa de um galeão espanhol, maestro, diretor e especialista. O resultado poderá ser conferido dia 09/04, quinta-feira, à 00:30 com reprise dia 14/04, terça-feira à 00:10. Portanto, cada ‘produto’ sugere uma linha de edição, uns facilitam mais, outros são imensos.
Outro dia nos chegou à redação uma matéria com um título bastante instigante, ‘É Clássico mas é Chato’ e ai nos olhamos e perguntamos: e como fazer para não ficar chato ? Esta é uma boa pergunta cuja resposta não depende só de nosso entusiasmo mas sim de estrutura, investimentos, confiança e visão Estamos prontos.
(Ass) Gilson Gaspodini, Diretor de programas Clássicos’
Por água abaixo
Transcrevo, por considerá-lo pertinente e revelador de certos cuidados que devem acompanhar as boas intenções de certas campanhas, o compreensível desabafo de um cidadão que recorreu ao Serviço de Atendimento ao Telespectador. O email:
‘Bom dia. Quero fazer reclamação a respeito do conteúdo da propaganda vinculada no Dia Mundial da Água, exibido por esta emissora. Nela a mensagem dizia que ‘cada vez que uma pessoa usa privada lá se vão 3 litros de agua pura e tratada pelo vaso’ e que era para eu ‘pensar nisto’. Pergunto: o que faço com esta informação? Deixo de dar descarga na privada? Nao urino mais? Dou descarga uma vez ao dia e transformo meu banheiro numa rodoviária?’
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Uma vez presidente, 24 de março
‘Não gosto de ser construtor de obra feita’. Com frases como esta, o Fernando Henrique conciliador e compreensivo entrevistado pelo Roda Viva deve ter decepcionado os que esperavam um incêndio nas relações entre o PSDB e o PT nesse início de pré-campanha presidencial.
Os entrevistadores convidados – Pedro Cafardo (Valor Econômico), Eliane Cantanhede (Folha de S. Paulo) Cida Damasco (Estadão), Stephen Kanitz (Veja), o senador Eduardo Suplicy e a repórter Carmen Amorim, além de Heródoto Barbeiro – aproveitaram bem a oportunidade da entrevista para repassar com o ex-presidente os temas importantes da atualidade, da crise econômica a Hugo Chavez, passando pelo caso do ex-presidente do BC, Francisco Lopes, e pela demissão do maestro John Neschling da OSESP. FHC encarou, sem irritação, todas as perguntas e não perdeu o humor nem quando Kanitz, o mais contundente nas perguntas, disse que o ex-presidente, no Plano Real, ‘destruiu o sistema gerencial do país’.
O perfil de FHC exibido no início do programa tinha erros gramaticais – como o de dizer que o Plano Real era ‘um conjunto de medidas para a estabilização econômica que Fernando Henrique deu início’ – e, infelizmente, mereceu uma correção do próprio entrevistado, nas datas de criação da URV e da troca de moeda. O ex-presidente, por sua vez, também deu sua escorregada, ao confundir o portal G1 – citado por Heródoto Barbeiro como fonte de uma declaração – com um suposto erro cometido pelo presidente Lula em reunião do G8.
O clima de temperado para frio do programa esfriou um pouco mais, quando o senador Eduardo Suplicy, como muitos poderiam prever, levou quase quatro minutos para uma explanação sobre seu projeto de renda mínima, antes de uma pergunta sobre o compromisso de FHC e do PSDB com a idéia.
No final, mesmo se considerarmos o fato de que o clima no estúdio pode ter sido fraternal demais pelo menos para uma parcela dos telespectadores, nada poderia invalidar o indiscutível valor jornalístico de uma longa entrevista com um ex-presidente da República ainda muito influente nos destinos do país.’