Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estatal será reguladora do mercado

Principal responsável pela condução do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), o assessor especial da Presidência da República Cezar Alvarez defendeu um papel mais ativo do Estado na oferta de internet em alta velocidade, atuando como um ‘regulador de mercado’ no equilíbrio dos preços dos produtos ofertados pelas empresas privadas. ‘Esse modelo será um instrumento regulatório no atacado e, eventualmente, no varejo’, afirmou Alvarez durante o seminário Políticas de (Tele)comunicações, realizado pela revista Teletime e pelo CECOM/UnB na quinta-feira (4/2), em Brasília.


Três eixos compõem a proposta em gestação no governo, segundo o assessor especial da Presidência. O primeiro caminho, mais tradicional, envolve políticas de financiamento do serviço e de desoneração tributária, focando não só na prestação, mas também em uma política industrial para o setor. O governo estuda, inclusive, a possibilidade de subsídios diretos à população, caso seja necessário, e também a volta do subsídio cruzado como forma de baratear os serviços de acesso à Internet.


Outro caminho, classificado pelo assessor como ‘menos comum’, é o da separação estrutural entre as redes de telecomunicações e as prestadoras de serviço, onde o maior exemplo no mundo é o modelo usado pela British Telecom. Por fim, há o eixo que visa a gestão das redes de fibra ótica criadas a partir dos investimentos feitos pelas estatais do setor energético, como Eletrobrás e Petrobras. ‘Elas têm um belíssimo backbone‘, afirmou Alvarez sobre a rede elétrica que atinge mais de 4 mil municípios. ‘E é esse o ponto que temos que discutir: como isso (a rede das elétricas) será comercializado.’


Segundo o responsável pelo PNBL, o caminho que o governo seguirá é um ‘misto’ dessas três alternativas. O alvo da política de banda larga é atingir as classes C e D, que hoje estão fora do acesso à Internet em alta velocidade. O principal motivo desse hiato digital ainda seria o preço, segundo Alvarez. E, pelas análises feitas pelo governo, há uma diferença perceptível de preço quando há baixa concorrência na região. Se há dois competidores, o preço cai para 70% do valor cobrado em uma área onde há monopólio na oferta de banda larga. Com um terceiro competidor, os valores médios caem para 50%. ‘É preciso que o nosso jovem brasileiro não precise depender do lugar onde nasceu para ter acesso ao desenvolvimento tecnológico’, afirmou Alvarez.


Sem fazer concorrência


Alvarez diz que a intenção do governo não é fazer concorrência com as teles, mas apenas usar uma estrutura pública para equilibrar a oferta de serviço, focando especialmente em áreas onde as empresas não chegam. ‘O fato é que existem 934 municípios em que ninguém chega. Nós não teremos e nem queremos obter lucro. Mas eu também não posso ser ineficiente, incapaz nem, quiçá, burro. Nós vamos fazer uma boa banda larga também nos centros urbanos, vamos levar às favelas dos grandes centros onde ninguém chega’, afirmou Alvarez. ‘Eu não assino embaixo de que não vou (oferecer banda larga) onde o Valente não vai. Nós temos ativos que vamos jogar na mesa’, provocou o assessor, referindo-se ao presidente da Telefônica, Antônio Carlos Valente, que também compunha a mesa de debates.


O responsável pelo PNBL disse ainda que o plano não visa duplicar redes já existentes e refutou as críticas de que seria um desperdício de dinheiro público o Estado investir na banda larga. ‘Temos 31 mil km em infraestrutura e será um desperdício de dinheiro público se não usarmos’, afirmou o assessor. ‘Se privatizou as telecomunicações, mas o conceito de responsabilidade (sobre a oferta de telecomunicações) continua sendo do Estado. Não estamos falando de um modelo de responsabilidade das empresas privadas e irresponsabilidade o Estado’, comentou mais à frente. ‘Eu tenho o dever público, como Estado social, de levar o serviço aonde ele não chega.’


Diálogo


Cezar Alvarez aproveitou o debate com as teles para assegurar que o projeto do governo será implementado levando em consideração o diálogo com todos os segmentos. ‘Um dos objetivos é impulsionar e estruturar um grande sistema de banda larga sob bases colaborativas’, afirmou. Esse grande sistema inclui várias frentes de atuação que vão além da criação de uma infraestrutura pública de oferta de banda larga, atingindo também a política industrial, estímulo ao uso de aplicativos, políticas educacionais, entre outros.


Um fato importante é que o governo pretende abrir uma mesa permanente de discussão sobre a implementação do plano com os diversos setores interessados no projeto. Essa mesa, no entanto, só deve ser composta após a divulgação do decreto presidencial com os parâmetros para a instituição do PNBL. ‘O governo não abrirá a mesa com zero de pensamento, sem diretrizes, sem estratégias’, afirmou. ‘O governo chega à mesa com parâmetros, idéias e diretrizes. Ele não chega perguntando: `E ai? Tudo bem?´’, disse.


Timing


Alvarez, nesse caso, respondia a uma provocação do pesquisador e coordenador do Centro de Estudos de Políticas de Comunicação, professor Murilo Ramos, da Universidade de Brasília. ‘Haverá margem para negociação desse decreto ou ele será publicado e depois é que as conversas começam?’, provocou Murilo Ramos, para quem outro risco do projeto é ele estar sendo colocado em um ano eleitoral, o que limita as possibilidades de debate, sobretudo com o Congresso. ‘O governo acerta em colocar a discussão sobre a banda larga, mas talvez o timing não seja o ideal.’ Para Cezar Alvarez, de fato o ideal teria sido colocar essa discussão há três anos, mas como só agora isso foi possível, assim terá que ser feito.


Telebrás


Apesar das informações que circularam nesta semana de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já teria confirmado a escolha da Telebrás como gestora das redes do PNBL, Alvarez optou pela discrição sobre esse assunto. O assessor disse apenas que o projeto não vai recriar uma ‘Telebrás com 27 subsidiárias de operação’, descartando somente a retomada da existência da estatal tal qual funcionava até 1997, quando o setor foi privatizado.


Ele explicou que o governo trabalhou em um levantamento das opções de gestão da rede pública e, em princípio, pareceu mais conveniente usar uma empresa que já exista ao invés de criar uma nova. ‘Alguém tem que gerir isso tudo. Quem vai gerir? Viu-se o que já existia, morto ou não, gostando ou não. O que acontece é que há uma certa má vontade e até má fé nessa discussão. Porque não se vai constituir um novo papel para a Telebrás’, argumentou. Segundo Alvarez, a decisão sobre a empresa gestora também ainda precisa ser tomada pelo presidente Lula.


Instabilidade


Os debates foram realizados no 9º Seminário de Políticas de (Tele)Comunicações, realizado pela Teletime e pelo Centro de Estudos de Políticas de Comunicação da UnB. Em diversos momentos, participantes se manifestaram da platéia em relação ao risco de instabilidade regulatória que estaria sendo criado com a nova formulação. O secretário de telecomunicações do Ministério das Comunicações Roberto Pinto Martins buscou responder a essa apreensão latente entre os participantes da seguinte forma: ‘Para a solução dessa questão (da banda larga), não acredito que veremos um filme do passado em que o governo transformará a estabilidade regulatória em uma montanha russa’.


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PNBL pode custar até R$ 14 bilhões pelos cálculos do governo


No fim do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encomendou à sua equipe técnica cálculos sobre quanto custaria ao governo massificar a oferta de banda larga no Brasil. Os cálculos, finalizados no início deste ano, revelaram valores bem abaixo das projeções conhecidas até o momento, calculadas pelo Ministério das Comunicações com base nos investimentos projetados pelas concessionárias de telecom. Após participação no Seminário Políticas de (Tele)Comunicações, o assessor espacial da Presidência da República Cezar Alvarez – coordenador dos trabalhos de elaboração do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) – apresentou pela primeira vez a nova margem de custos estimada para o projeto.


Segundo Cezar Alvarez, o PNBL custará de R$ 3 bilhões a R$ 14 bilhões nos mesmos quatro anos em que as concessionárias dizem ser necessário investir R$ 75 bilhões para a expansão do serviço. Com R$ 14 bilhões, o governo garantiria não só a oferta da rede das elétricas no atacado como também a prestação de serviços diretamente ao consumidor, segundo Alvarez.


Cenários


Qual faixa de valor será de fato correspondente aos custos do PNBL ainda é uma incógnita que só deve ser respondida em reunião agendada para a próxima semana. No encontro pré-agendado para o dia 10, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá decidir se o projeto incluirá de fato uma oferta direta ao consumidor. Em caso de resposta afirmativa, Lula poderá escolher entre vários cenários criados pela equipe técnica do governo para a prestação do serviço.


Basicamente, os cenários variam de uma oferta de Internet com velocidade de 512 kbps com custo entre R$ 15 e R$ 35. Segundo apurou este noticiário, o cenário de R$ 15 incluiria subsídios diretos do governo para reduzir o custo final para o consumidor. Por conta disso, essa simulação não goza da simpatia da equipe técnica, que não vê necessidade de uma oferta tão amplamente ancorada em investimentos públicos.


O cenário de R$ 35, obviamente, necessitaria do menor aporte simulado, de R$ 4 bilhões. Um fato intrigante desta simulação é que a equipe técnica, segundo apurou este noticiário, assegura que a oferta de 512 kbps a este preço é rentável ao governo a médio prazo nos níveis das taxas de retorno obtidas pelas grandes teles.


A mediana dos cenários é uma oferta a R$ 29, onde seriam necessários investimentos na faixa dos R$ 6 bilhões. Esses recursos podem vir de uma combinação de dotações orçamentárias, uso de fundos setoriais – especialmente se a alteração legal que flexibiliza o uso do Fust for aprovada pelo Congresso Nacional ainda neste ano – e financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).


Esse financiamento do BNDES seria nas mesmas condições dos empréstimos concedidos a qualquer empresa de telecomunicações atualmente como forma de evitar críticas futuras de um ‘tratamento privilegiado’ à estatal que prestará o serviço. Basicamente, o banco teria garantido o acesso da Telebrás – ou outra estatal que venha a coordenar a rede do PNBL – às linhas já existentes no banco, descartando, por ora, um regime especial de empréstimo para a massificação da banda larga pelo governo.


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Empresas questionam reativação da Telebrás


Mesmo com a constante circulação de informações sobre a revitalização da Telebrás como empresa gestora da infraestrutura do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), os empresários das grandes teles continuam tentando emplacar alternativas à recomposição da estatal. Na quinta-feira (4/2), durante o seminário Políticas de (Tele)comunicações, realizado pela TELETIME e pelo CCOM/UnB, algumas opção foram colocadas em discussão e os executivos não pouparam críticas à ideia do governo de entrar no mercado de banda larga. A base da argumentação das teles é que elas teriam muito mais fôlego para ampliar ainda mais o serviço no Brasil se o Poder Público desse os estímulos certos.


Um exemplo foi apresentado pelo presidente da TIM, Luca Luciani, que defendeu uma iniciativa em gestação na Anatel para permitir que as empresas móveis construam em parceria novas infraestruturas como forma de promover a expansão do serviço barateando os custos finais. ‘Há uma frustração porque ninguém sozinho pode resolver o problema do acesso, porque custa muito caro’, afirmou Luciani. ‘A fórmula de gerar competição no varejo com compartilhamento de infraestrutura é boa porque para a transmissão custa muito dinheiro’, complementou. A fórmula da TIM, resumiu Luciani, é ‘competição no varejo e compartilhamento de infraestrutura’. Nessas condições, disse, nem mesmo a competição com uma estatal seria o problema. ‘Estamos acostumados a competir’, afirmou o presidente da TIM.


O presidente da Telefônica e da Telebrasil, Antônio Carlos Valente, também vê na flexibilização da regulamentação uma saída para estimular as próprias concessionárias a expandir a banda larga no país. Valente ressaltou que as empresas já conseguiram uma expansão de 30% entre 2008 e 2009 no número de acessos de internet rápida, mesmo com limitações regulatórias como a falta de licitações de mais faixas de radiofrequência para as operadoras móveis e a ampliação do mercado de TV a cabo, plataforma que pode ser usada também para a banda larga. ‘A gente poderia ter feito muito mais do que fizemos até agora se tivéssemos estímulo’, avaliou.


Legalidade


A principal crítica direta à reconstituição da Telebrás partiu do vice-presidente de Regulamentação da Oi, Paulo Mattos. O executivo questionou a legalidade de o governo promover uma eventual mudança no regime de atuação da Telebrás, para que ela venha a ser gestora do PNBL, por meio de um decreto presidencial. ‘Para alterar (o regime da Telebrás), acho que seria o caso de uma mudança legislativa e não por meio de um decreto’, defendeu Mattos, que logo depois questionou até que ponto um ato do presidente poderia abalar a estabilidade das regras do setor.


‘O problema central é criar um modelo que respeite a estabilidade regulatória, os contratos e os compromissos assumidos. Acho que esse governo tem outros instrumentos que não a reativação de uma empresa estatal para atuar diretamente no mercado’, declarou. A proposta do executivo é que o governo faça uma Parceira Público-Privada (PPP) para deslanchar o PNBL.


Timing


Mesmo declarando-se favorável à criação de uma política pública de massificação da banda larga no país, o professor Murilo César Ramos, coordenador do Centro de Estudos de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (CCOM/UnB, coorganizador do evento), mostrou-se preocupado com a curta agenda de debate e execução de um projeto com essa magnitude. ‘Ao investir em um plano, o governo parece ter começado a ver as telecomunicações como uma política social e não apenas de infraestrutura. Acho que o governo está correto em pensar nessa possibilidade porque ele também é responsável por isso. Onde a questão pode se complicar é no timing desse projeto’, declarou. ‘Em um ano eleitoral, acho que pode ser um problema.’


Ramos também se preocupa com a reativação em si da Telebrás que, em sua opinião, não é algo tão simples quanto possa parecer. Este é um dos pontos que o pouco tempo para discussão e consolidação do projeto pode acabar prejudicando a política pública de banda larga. ‘Um erro de timing pode fazer com que uma boa ideia seja perdida’, alertou, ressalvando que a ideia do PNBL, mesmo com o cronograma curto de discussão, introduzirá uma inflexão substancial no modelo atual.