Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa e o estopim aceso pelo vandalismo em Brasília

(Foto: Valter Campanato / Agência Brasil)

O ataque de bolsonaristas às sedes dos três poderes constitucionais na tarde do domingo, 8 de janeiro, abre um novo capítulo na política brasileira no qual a imprensa passa a ocupar um papel chave. Os jornais, revistas, emissoras de televisão e rádio, bem como os sites noticiosos e os informadores independentes em redes sociais passam agora a ser protagonistas da campanha para desarmar a bomba política armada pela extrema direita e que ameaça todos nós, se explodir.

A relevância do papel da imprensa está no fato de que ela é a principal responsável pela transmissão das notícias consumidas pelo público, que pode ser condicionado a adotar posicionamentos influenciados pela apresentação de dados, fatos e eventos noticiados em jornais, revistas, emissoras de rádio e TV ou ainda pelas redes sociais na internet.

A conjuntura política atual no país é extremamente delicada e fluida porque o que está em jogo são percepções dos acontecimentos em destaque na imprensa. É o processo que os norte-americanos chamam de conquista de “corações e mentes”, e que na era da internet passou a ser a mais importante ferramenta nos processos de mudança social, política e econômica. O caso da “lava jato” é uma prova cabal de como o uso da informação para controlar as percepções da população pode gerar mudanças dramáticas no contexto político, social e econômico de um país.

As reações contra o vandalismo promovido pela escória bolsonarista no domingo em Brasília mostraram que a maioria dos agentes políticos e a opinião pública brasileira estão contra o uso de meios ilegais para promover o radicalismo de extrema direita. Mas isto não garante um retorno à estabilidade política porque há um considerável segmento social que se considera marginalizado no jogo institucional e já mostrou que não respeita as regras do jogo.

Apesar de minoritário, este segmento foi capaz de acender um estopim político comparável a uma guerrilha urbana, formada por acampamentos ilegais, bloqueios de estradas e queima de ônibus. São ações que procuram espalhar a insegurança e o medo no conjunto da população. Este tipo de estratégia dificilmente é neutralizável da noite para o dia porque envolve percepções distorcidas da realidade. Vai exigir um cuidadoso trabalho de inteligência e principalmente uma adequada estratégia de informação por parte dos veículos de comunicação jornalística.

A imprensa é talvez o melhor instrumento para desconstruir o discurso da direita radical sobre temas como a liberdade de expressão, uma questão complexa e abstrata, que foi popularizada pela própria imprensa, mas que agora está sendo usada contra ela. Esta desconstrução do discurso extremista de direita é um objetivo central do combate à desinformação e uma forma de preservar um valor essencial ao convívio democrático.

Desinformação e investigação

É evidente que a imprensa precisa manter a cobrança de ações governamentais e sociais destinadas a reduzir o efeito das ações terroristas da extrema direita, mas só isto não basta. Há duas áreas da informação pública nas quais a imprensa pode exercer uma influência que vai além da propaganda e do marketing oficial no combate à fascistização do país: o combate à desinformação e o jornalismo investigativo.

A desinformação é um processo vinculado diretamente à distorção das percepções desenvolvidas pelas pessoas a respeito de temas da agenda jornalística. A extrema direita usa a desinformação como uma de suas principais armas, focando especialmente em indivíduos que consomem informação sem qualquer preocupação crítica em relação à veracidade e confiabilidade das notícias. É o caso da maioria absoluta dos seguidores do extremismo bolsonarista que aceitam facilmente qualquer tipo de fake news e de convites para participar em atos terroristas.

Combater a desinformação é um processo longo e complexo, mas existe uma maneira fácil dele ser posto em prática pelo jornalismo: na hora de publicar uma notícia dar mais importância às suas prováveis consequências e desdobramentos do que à perfeição do título, à fluidez do lead ou se a pirâmide invertida foi corretamente desenvolvida. O jornalista não pode ficar indiferente diante de uma declaração mentirosa ou distorcida de um político, empresário ou agente público se estiver preocupado com o tipo de consequência que a afirmação terá entre os leitores, ouvintes, telespectadores ou usuários de redes sociais. A regra da isenção assume ares de cumplicidade e, portanto, deve ser abandonada em favor do interesse público.

Já o jornalismo investigativo pode dar à imprensa a capacidade de publicar dados, fatos e eventos mantidos em sigilo pelos extremistas de direita. O arsenal de sigilos montado pelos bolsonaristas radicais oferece um amplo campo para a prática das técnicas de investigação jornalística que, noutros contextos, deflagraram mudanças que alteraram a vida de muita gente.

Se a imprensa estiver realmente preocupada com a sobrevivência da democracia no país, poderá criar uma espécie de consórcio investigativo para identificar, por exemplo, a origem dos recursos usados na mobilização de simpatizantes da extrema direita, como no caso dos acampamentos em quarteis militares. É um tipo de jornalismo investigativo com uma grande utilidade cívica na medida em que ajuda as pessoas a perceberem o que está por trás do discurso bolsonarista.

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Carlos Castilho 
é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.