Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Primeira Página

A PÁSCOA E A CRISE
Deonísio da Silva

A crise é a Quaresma depois da Páscoa

‘A primeira Páscoa foi celebrada há 3500 anos. Depois das dez pragas que desabaram sobre o povo egípcio, os hebreus, liderados por Moisés, deixaram enfim o Egito, onde viviam escravizados.

A Páscoa é uma efeméride mais antiga do que o Natal, mas as duas datas são muito importantes, não apenas para os cristãos, mas para o mundo inteiro.

O cronista enfrenta uma saia justa nas efemérides, palavra do mesmo étimo de efêmero, que significa transitório, de vida curta. Tudo passa, o efêmero e a efeméride também. Mas todos os anos o cronista tem que escrever sobre as efemérides. Não posso escrever sobre o Acordo Ortográfico, por exemplo, exatamente na Páscoa.

Ainda que seja óbvio, não custa lembrar mais uma: a Páscoa chegou porque já passou a Quaresma, que recebeu este nome por designar o período de quarenta dias, que começa na Quarta-Feira de Cinzas e termina no Domingo de Páscoa. Veio da expressão latina quadragesima pars, quadragésima parte, como os antigos romanos denominavam qualquer coisa que chegasse a 40%, como os impostos, juros, taxas, perdas numa batalha, num naufrágio, numa colheita etc. Padre Antônio Vieira gostava mais da Sexagésima, como é denominado o penúltimo domingo antes do primeiro dia da quaresma, o que resulta em sessenta dias antes da Páscoa.

Páscoa veio do hebraico Pessach, passagem, foi ao grego pashka e ao latim pascha, de onde chegou ao português. Bem antes de Moisés liderar a saída dos hebreus do Egito, pastores nômades já faziam a festa da páscoa, que celebrava a chegada da Primavera.

Um pouco de etimologia não faz mal a ninguém. Então, me permitam lembrar que Moisés provavelmente não era hebreu. Aquela história de que a filha do faraó o recolheu das águas é um tanto fantasiosa, principalmente pelo seguinte: que mãe jogaria o berço de vime no rio Nilo para salvar o recém-nascido? Parece Chapeuzinho Vermelho: a mãe manda a filha levar doce para a vovó que foi abandonada no asilo florestal, mas sabe que vive no mato um lobo feroz, que poderá atacar a menina!

O étimo de ‘Moi-sés’ é parecido com o de Ram-sés, o faraó que ele enfrentou. Moisés pode ter sido um faraó dissidente, um herdeiro afastado do trono, um bastardo, algo semelhante.

Liderando o Êxodo, do grego éksodos, pelo latim exodus, que em ambas as línguas quer dizer passagem, saída, ele saiu do Egito, atravessou o Mar Vermelho e veio instaurar o povo hebreu na Terra de Canaã, onde corriam leite e mel, nos atuais territórios pertencentes a palestinos e judeus.

Mas os ovos da Páscoa? O costume veio de uma esperteza dos cristãos quando o cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano, que se estendia por uma vasta porção do globo, penetrando regiões e culturas muito diferentes.. Havia uma deusa pagã chamada Ostera, cultuada em terras nórdicas e germânicas, em cuja festa eram trocados ovos de aves, principalmente de galinhas, porque ela era a deusa da fertilidade. Muito antes do cristianismo, na Ucrânia, os ovos eram pintados com motivos da Natureza e trocados nessas festas. O nome desse ovo pintado em ucraniano é pêssanka.

Prudentópolis (PR), município de apenas 46 mil habitantes, a 207 km de Curitiba, é famoso, não apenas por suas grandes quedas d´água, mas também por cultivar costumes ucranianos, entre os quais o de pintar esses ovos que chamam pêssanka, do mesmo étimo de Pessach, que deram origem aos ovos de páscoa.

E o coelho? Para simbolizar a deusa Ostera, os antigos germânicos usavam a imagem de uma mulher segurando um ovo numa das mãos e olhando para um coelho que saltita alegremente a seus pés. Era uma dupla significação da deusa da fertilidade, já que o ovo lembra o início da vida, e o coelho é uma dos bichos mais férteis.

Mas por que os ovos de chocolate se tornaram preferenciais? Bem, aí entramos nós, a América. Os franceses substituíram os ovos de aves por ovos de chocolate, palavra que veio do náuatle cacáutl. Foram povos que habitaram os territórios hoje pertencentes ao México que beberam e comeram chocolate antes que a bebida e a pasta fossem espalhadas pelo mundo, mas é provável que o cacau tenha sido cultivado há milhares de anos antes de Cristo.

Como em todas as festas, cristãs ou não, o comércio aproveita os motivos, os ritos, os cultos, as cerimônias e, principalmente, a fé do povo para vender! O comércio, ao contrário do que possamos pensar também tem fé. Tanto quem vende como quem compra precisa acreditar em alguma coisa. Qual é o nome do plástico que mais compra hoje no mundo, já quase substituindo a moeda, o dinheiro? Cartão de crédito!

Seria demais designá-lo cartão de fé, mas o sentido é muito parecido. Tanto que se todos acreditarem que a crise vai piorar as coisas, e provável que piore mesmo. Ter fé na vitória é uma das condições de sucesso em qualquer empreendimento. O pessimista sofre mais, pois sofre também por antecipação.

A crise é uma quaresma. Depois dela virá a páscoa. O que é necessário é que os bancos parem de crucificar os brasileiros, na Quaresma, na Páscoa, no Natal, o ano inteiro, pois usam de conhecidos subterfúgios para praticar taxas astronômicas de juro.

Podem criticar o presidente Lula por outros motivos, mas ele, conquanto esteja tropeçando nas habituais contradições, está levando o povo a acreditar que a crise vai passar, que o pior já passou etc.’

 

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