Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Testemunha ou protagonista?

Hoje, na era do ‘tempo real’, o jornalismo online é uma ferramenta essencial para as pessoas que precisam estar bem-informadas, assim como a internet é de extrema importância para a integração cultural, social e econômica. O advento das mídias digitais abriu um leque de possibilidades e desafios profissionais, intelectuais, estéticos e éticos.

Navegando no espaço virtual, deparei-me com uma história que despertou reflexão interessante sobre a ética no exercício do jornalismo.

Nos Estados Unidos, uma repórter investigativa que havia descoberto maus tratos a crianças enfrentou críticas ácidas por não agir rapidamente – retardando a denúncia? – na expectativa de usar as experiências de crianças para contar a história das demais e chamar a atenção para um problema nacional. A polêmica surgiu com a veiculação de ‘Órfãos do vício’, reportagem em duas partes abordando o drama de crianças e pais viciados em álcool e drogas. A série, que foi publicada no Los Angeles Times há alguns anos, levantou preocupações éticas em todo o país, com sua descrição perturbadora da vida das crianças.

Mídia-cidadã

A discussão girava em torno da preocupação de saber se as crianças teriam sido deixadas em situação vulnerável por muito mais tempo que o necessário. Sonia Nazario, repórter de assuntos urbanos do Times, passou cinco meses acompanhando o drama das crianças e dois meses escrevendo a reportagem. Será que, durante todo este tempo, algo não poderia ter sido feito para amenizar o sofrimento das crianças? Ou a construção de uma reportagem merece esperar o tempo que for necessário para uma melhor abordagem do assunto?

Diante desta polemica, é lúcido afirmar que as relações entre mídia e sociedade precisam ter como base os princípios éticos universais. Por outro lado, se os jornalistas investigativos têm o propósito de despertar comoção social a partir de uma ótica realista, não há motivos para serem acusados de insensíveis, desumanos ou negligentes. A sociedade, por sua vez, tem mecanismos de controle mais adequados para a intervenção direta no curso de situações ilegais, como a das crianças da reportagem. Aliás, essa tarefa não é só da polícia. Qualquer manual de direito penal ou de criminologia diz: as instâncias formais de controle social – a polícia, o Ministério Público, o Poder Judiciário – atuarão quando as informais – a família, a escola, a igreja, o clube, a comunidade de bairro – falharem.

Particularmente, acredito que a repórter deveria ter feito a denúncia, mesmo que isso viesse a prejudicar a elaboração da reportagem, uma vez que compartilho da idéia (utópica?) de que é possível construirmos uma mídia-cidadã. Contudo, é preciso fazer algumas ressalvas: não cabe a repórteres o papel de protagonista da notícia, personificando uma espécie de agente direto da transformação social. O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos e seu trabalho se pauta na precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação, como bem determina o nosso Código de Ética. E para sermos precisos, por vezes, precisamos de tempo.

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Jornalista em Natal