Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

O jornal, o humor e a ironia

O Novo Jornal, que imita o nome de um jornal de Minas Gerais, está nas bancas desde o dia 17 de novembro. Prometeu novas ideias e trouxe nova fórmula, trabalhando com reportagens (ver, neste Observatório, ‘O mais do mesmo‘). O jornal ainda compra muitas reportagens da ‘folhapress’, mas vai indo bem. Nasceu grande. Com menos de três meses já tem status de grande imprensa. Antes do lançamento do seu jornal, Cassiano Arruda, deu uma entrevista longa ao portal de Diógenes Dantas, o Nominuto. Cassiano disse algumas coisas interessantes, mas o que me chamou mais a atenção foi uma foto do proprietário do jornal.

Atrás de Cassiano, havia um quadro branco com letra preta escrita a curiosa frase: ‘Jornal não foi feito para guardar a honra de ninguém.’ Ou algo assim. Não deu para identificar o autor. Interpretei tal frase pensando na liberdade de imprensa e na escolha sensata do leitor daquilo que se quer ler ou não. Algo como uma imprensa totalmente livre, sem o receio de receber um processo por ofensa. Na qual o cidadão seria o grande julgador do conteúdo, e não a justiça. Onde o interesse do público fosse levado em consideração, e não o interesse mercantil.

Imoralidade ou malícia?

Pois bem, o Novo Jornal apresenta um bom projeto gráfico e uma impressão de qualidade. O que mata o jornal, para mim, são as charges. Tradicionalmente feitas à mão, as charges de Tulio Ratto são gráficas demais, logo bisonhas demais. Algumas ideias são boas, outras forçam a barra. Em 29 de janeiro foi uma delas. A charge que ilustra a capa do jornal é protagonizada pela prefeita de Natal, Micarla de Sousa, e o deputado federal João Maia.

Na imprensa circulava que João Maia teria convidado Micarla para um almoço, no qual discutiriam o processo eleitoral de 2010. O que tudo indica é que Micarla de Sousa não aceitara o convite ou não poderia estar presente na data marcada. Tulio Ratto, com brilhantismo, desenha a prefeita de vestido verde agarrada a um poste, tentando se segurar, acompanhada de sorriso sarcástico. Segurando e puxando as pernas da prefeita está o deputado com sorriso malicioso. João Maia diz: ‘É um só um almoço. Nada de política…’ Micarla responde: ‘Ei, cuidado com essa mão boba!’ Veja a charge aqui.

Muitas pessoas viram imoralidade na charge. Eu vi malícia. A charge é bem maliciosa e estima-se que quando eu convido sua mulher para almoçar, para tratar de assuntos profissionais, é negócio. Quando não, é pessoal. É um encontro, como costumam dizer. Se dois políticos de sexo oposto vão almoçar para não falar de política, o que eles falarão ou farão?

Processo por difamação não é solução

As charges têm o objetivo de informar com humor e ironia. Algo agridoce. Têm cunho político e utilizam as entrelinhas. A charge não serve para ridicularizar, caluniar ou difamar alguém, como a descrita acima. Quando vi essa charge lembrei, imediatamente, do quadro branco atrás de Cassiano Arruda. E observo. Até concordo que um jornal não serve para guardar a honra de alguém. Mas também não serve, ou não deveria servir, para tirar.

O Novo Jornal é mais do mesmo e luta pelo crescimento nas vendas, visando ao lucro e não à qualidade. O jornal de Cassiano não disse a que veio, porém já se começa a desenhar sua linha editorial, baseada nos interesses de algum político. A charge não tem a ver com isso. A charge é fruto de incompetência mesmo. Não se pode imaginar que um jornal diário é financiado pelo FGTS que Cassiano Arruda recebeu depois de 40 anos do jornal Diário de Natal.

Ainda não se sabe o que Micarla irá fazer, ou se irá fazer. Não vejo o processo por difamação uma solução. Os diretores do jornal, assim como seu dono, deveriam se antecipar e fazer um pedido de desculpas, reconhecendo o exagero e a brincadeira sem graça. Ou deveriam liberar suas esposas para irem almoçar com outros jornalistas. Afinal, é só um almoço.

******

Jornalista e escritor