Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Viver para sempre não é nada interessante

A matéria de capa deste mês da revista Superinteressante, ‘Ele pode ser Imortal’, me deixou acabrunhado com mais um texto sobre vidências futurísticas baseado em fragmentos de ciência. A receita é conhecida: pegue um pouco de opiniões de pesquisadores daqui, outras de lá, misture tudo, cole num grande painel de hipóteses infundadas e lance ao público. Quem pegar, pegou. O problema é um só: as pessoas acreditam naquilo que vai ao encontro de seus interesses, sem qualquer reflexão.

Felizmente, ainda temos cientistas sérios que buscam compreender o processo de envelhecimento, a prevenção e o tratamento de doenças que assolam a humanidade. Contudo, são pesquisas que buscam alternativas para se viver melhor, e não com finalidades outras, como estamos acostumados a ver por aí na mídia.

Antever o futuro com promessas – e até com data marcada –, como escrito na matéria, me parece inadvertido. No primeiro quadro está escrito: ‘As pílulas, injeções e medicamentos que impedirão o envelhecimento das células do corpo’. Daí, temos um cardápio variado de poções para imortalidade: injeções de telomerase (previsto para uso em 2025), injeções de células-tronco (previsto para 2025), remédios que simulem a falta de alimentos (previsto para 2015), água com deutério (previsto para 2020).

Os mercadores da juventude

Para quem não sabe, vários pesquisadores têm tentado, em vão, conhecer o intrincado processo de envelhecimento do organismo humano como um todo. Conhece-se a dinâmica de envelhecimento de algumas células, de maneira isolada, e somente dentro dos laboratórios de pesquisa. Contudo, cada um envelhece de maneira totalmente diferente de outros. As mudanças associadas ao envelhecimento são altamente específicas, não só para cada um de nós, como para cada um de nossos órgãos. Como também o envelhecimento resulta da interação de fatores genéticos, ambientais e estilo de vida. Por mais que já se tenha tentado, ainda não foi possível chegar a qualquer comprovação irrefutável. Baseado nisso, uma pergunta que não quer calar: se ainda não sabemos como e por que envelhecemos, como podemos pensar em uma receita antienvelhecimento infalível num futuro próximo? Não seria lógico primeiro conhecer o processo para depois saber se podemos impedi-lo?

O maior problema dos artigos sobre ciência em revistas populares é o ‘como’ se escreve. Levar ao público leigo um tema pouco conhecido pela ciência (ventilado com muitas especulações) não é tarefa fácil. Como escreveu Einstein: ‘Toda a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil – e, no entanto, é a coisa mais preciosa que temos.’ Portanto, é importante cuidar dela.

Compreendo o apelo da mídia no que diz respeito às questões do envelhecimento e da morte. Desde que o mundo é mundo algumas pessoas persistem na ilusão de encontrar a fonte da juventude eterna e o poder da imortalidade. Tanto é que a primeira história escrita da humanidade, em blocos de argila, foi A epopeia de Gilgamesh, cerca de 3.000 anos a.C. Nela já se buscava o conhecimento como meio de escapar ao destino do ser humano comum. As pessoas têm medo da morte e qualquer notícia de um novo meio de impedi-la é suficiente para trazer algum alívio. Por isso, desde tempos imemoriais, temos os mercadores da juventude.

Os vira-latas e as bicicletas

Fiquemos tranquilos porque mesmo no momento da morte ninguém pensa sobre ela. Já tive contato com muitas pessoas no processo de morrer e elas se esquecem do fato derradeiro para se voltar para aquilo que é mais importante: o valor da própria história e o que ela representa para os outros que vão permanecer vivos. Portanto, o melhor caminho não é se preocupar com a morte, e sim, pensar sobre a vida, aquilo que fazemos de melhor para nós mesmos e também para os outros à nossa volta.

O que me chateia é ver que a ilusão se alastra cada vez mais no cenário do real. O que precisamos compreender é somente uma coisa: não poderemos viver para sempre. Ainda bem. O que uma pessoa pode esperar de seu futuro quando acredita em sua imortalidade? Muito pouco, ou nada. Pois é a morte a nos dar sentido de vida. Vivemos esse paradoxo. Heráclito de Éfeso (século 7 a.C) estava certo ao dizer: ‘Vive-se da morte, morre-se da vida.’ O que ainda não aprendemos é que morremos aos poucos até terminar de morrer de vez. Estamos morrendo gradativamente pela toxicidade do oxigênio que respiramos. Ao mesmo tempo em que ele nos permite viver, também retira a nossa vida aos poucos.

Esse tipo de matéria em revistas populares só traz duas coisas às pessoas. Primeiro, uma falsa esperança. É como acreditar em urubus travestidos de verde. Isso só reforça o mundo ficcional no qual elas podem se sentir infalíveis, fazendo-as confundir cada vez mais o virtual com o real. Segundo, corrobora a crença de que elas devem correr atrás da roda da ilusão. É como os vira-latas de rua que latem correndo atrás da bicicleta. Quando ela pára, eles não sabem o que fazer. Então param de latir, abaixam a cabeça, põem o rabo entre as pernas e saem em busca da próxima bicicleta.

‘Eu estou vivo’

Não somos high-tech, como muitos querem que sejamos. Os profetas da tecnologia nos incutem a ideia de que, num futuro próximo, seremos seres híbridos cibernéticos prontos a vencer quaisquer vicissitudes da vida. Aqueles que duvidam não estão sendo otimistas. Então, eu pergunto: como encontrar a receita para ser otimista neste mundo tão caótico?

Agora, me dê licença porque depois de tudo isso eu quero mais é ouvir Stay Alive, dos Bee Gees. Quem sabe eu me anime um pouco e dance ao ritmo da letra da música que diz assim: ‘A vida não dá em nenhum lugar, alguém me ajude. Eu estou vivo.’

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Mestre em Gerontologia pela PUC-SP, autor de Envelhecer ou Morrer, eis a questão; A beleza do corpo na dinâmica do envelhecer; O Tempo: Reflexões sobre o Viver e Envelhecer; professor da disciplina Saúde do Idoso na Universidade Católica de Petrópolis, RJ