Recorrer a trocadilhos infames é praticamente inevitável para promover uma rima semântica ao cenário fútil em que jornalistas confundem-se com celebridades e viram tema de programas de fofoca. Nos últimos dias, futriqueiros sites da internet e vespertinos televisivos de crochê especularam sobre o novo salário de Ana Paula Padrão e alfinetaram sobre os possíveis privilégios que ela teria no ‘Canal do Patrão’ – até vaga no estacionamento com a estrelinha dos famosos a jornalista ganhou no SBT!
Tergiversações à parte, a conjuntura é propícia à abertura de um debate acerca do papel do âncora no jornalismo brasileiro. O tema não é novo, diga-se de passagem. Tal figura se consolidou no país, sem dúvida, devido ao posto assumido por Boris Casoy em 1988 no incipiente jornalismo do SBT. Nascia o hoje extinto TJ Brasil, no qual os comentários do apresentador-jornalista eram constantes. Vale lembrar que a carreira de Boris não era televisiva; o profissional fora recrutado da Folha de S. Paulo, graças ao olhar de Marcos Wilson, na época encarregado do jornalismo da emissora de Silvio Santos. Marcos, aliás, também era do impresso: em seu currículo, o Estadão.
O certo é que Boris trouxe para o cotidiano brasileiro a postura típica do âncora, comum nos telejornalísticos americanos. E a idéia pegou: ao fazer um jornal com sua cara, emitindo opiniões, polemizando muitas vezes, Boris gravou seu nome e passou a cativar um público – que nem sempre simpatizava com o que ele apregoava, necessário frisar.
No dia 14 de dezembro do ano passado, o programa Observatório da Imprensa discutiu o papel do âncora no telejornalismo. O mote decorreu da recente crise nos Estados Unidos: dois dos mais importantes âncoras, Dan Rather (CBS) e Tom Brokaw (NBC), se aposentaram.
‘O’ jornalista
Na ocasião, o jornalista Alberto Dines deixou clara a função do âncora, para que não ocorra um naufrágio inesperado. ‘(Cabe a ele) amarrar o espectador, ancorá-lo em assuntos sobre os quais nunca ouviu falar, países que não sabe localizar no mapa, problemas completamente estranhos a sua experiência’, disse, no editorial de seu programa.
Mas se o telejornalismo não estivesse navegando na brava maré das informações complexas, onde os assuntos não são expostos de forma devidamente simplificadas e, muitas vezes, estão tão distantes da realidade concernente ao cidadão-comum telespectador, seria mesmo preciso um âncora?
Jornalistas que ganham nome e acabam aparecendo mais do que as próprias notícias. Jornalistas que arrebanham audiência. Jornalistas popstars. É essa a tendência que faz com que as emissoras procurem furar os olhos da ainda gigante Rede Globo.
Carlos Nascimento migrou para a Band por causa disso. E, agora, à frente do telejornal das oito, tem seu nome diretamente vinculado ao noticiário – com direito a assinatura na tela, ao fim de cada dia. É quando a pessoa do jornalista garante a credibilidade – ou quando os arroubos de showman afloram nas mangas do paletó que ancora a notícia. Se na Globo ele era apenas mais um do grupo de elite, na Band ele passou a ser ‘o’ jornalista.
Modelo autoritário?
Agora foi a vez de o SBT declarar guerra, contratando a prestigiada Ana Paula Padrão. Ainda não dá para saber qual será o padrão do noticiário que ela terá no SBT – emissora que nunca levou o jornalismo muito a sério. Mas os trocadilhos já ganharam as vinhetas popularescas da TV de Silvio Santos.
No Observatório de 14 de dezembro, a jornalista Maria Lydia Flandoli, âncora do Jornal da Gazeta, explicou como funciona essa imagem do âncora. O modelo importado aqui no Brasil é o americano, pelo qual o apresentador é transformado em estrela, mais importante que a notícia. Na Europa, por exemplo, tal figura não tem espaço. ‘A opinião dele ofende o discernimento do telespectador europeu’, afirmou.
A questão é mais cultural do que se pensa. E a ocasião é propícia para refletirmos sobre alguns pontos sempre recorrentes à imprensa: onde acaba o jornalismo e começa o entretenimento? O jornalista pode ser a estrela de seu noticiário, competindo em importância com a própria notícia? Esse modelo autoritário de ancoragem opinativa ainda agrada? Visto-me de ponto de interrogação e sou só perguntas. Alguém reponde?
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Estudante de Jornalismo, Unesp-Bauru