O governo vai abandonar o debate sobre a proibição da propriedade cruzada nos meios de comunicação por estar convencido de que o desenvolvimento tecnológico tornou a discussão obsoleta. O conceito de convergência das mídias, que consolidou o tráfego simultâneo de dados e noticiários em todas as plataformas – da impressa à digital –, pôs na mesa do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, um projeto de concessão única. Propriedade cruzada é o domínio, pelo mesmo grupo de comunicação, de concessões para operar diferentes plataformas (TV, rádio, jornal e portais).
A inversão do processo, que estudava a proibição da propriedade cruzada e agora a consolida, partiu da constatação de que os veículos de comunicação hoje têm num só portal seus noticiários de jornal, rádio e televisão, na maioria dos casos funcionando num mesmo ambiente físico e virtual, com aproveitamento de toda produção de conteúdos.
O conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Resende, considera a concessão única ‘inevitável’ para ser discutida e implementada num prazo de cinco anos. Isso imporia na sua avaliação uma reforma na própria Anatel, que hoje trata os meios de comunicação de forma isolada.
O ministério das Comunicações ainda defende a extensão aos meios de comunicação digital (portais) do limite de 30% de capital estrangeiro que hoje vigora para jornais, rádio e televisão.
A orientação da presidente Dilma Rousseff é priorizar as questões objetivas que pressionam o mercado e trabalhar o projeto de regulamentação da mídia em ritmo que privilegie sua qualidade e consistência. ‘O projeto vai andar sem pressa e sem contaminação ideológica’, disse ao Estado uma fonte do governo.
A mudança de estratégia corresponde à avaliação de que o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi tumultuado por sucessivas tentativas de tornar concretas propostas polêmicas, como o Conselho Federal de Jornalismo, com a pretensão de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão do jornalista’. Trazia ainda a proposta de um novo marco regulatório das comunicações que viabilizasse sanções aos veículos que infringissem as regras do Conselho.
Sutilezas
Também sem açodamento que possa causar danos políticos ao governo, as mudanças incluirão gradativamente o cumprimento da norma constitucional que veda a concessão de emissoras de rádio e TV a parlamentares. Sutilezas na interpretação dessas regras flexibilizaram-nas de tal forma que se tornou comum a figura do parlamentar empresário de comunicação.
O ministro Paulo Bernardo já expôs publicamente sua posição contrária à detenção de outorgas de rádio e TV por parlamentares, mesmo consciente de que as dificuldades são grandes nessa direção. ‘É mais fácil fazer um impeachment do presidente do que cassar uma concessão’, disse o ministro em entrevista ao Estado no último dia 3.
Grande parcela de parlamentares usa ‘laranjas’ como titulares de emissoras de sua propriedade. Bernardo já teria admitido essa fragilidade, mas a alegação do governo é que o ministério se baseia em documentos públicos para conceder a outorga. A visão hoje, no ministério, é que a Polícia Federal e o Ministério Público são instâncias preparadas para investigar se houve má fé no processo de concessão.
Administradas à parte essas questões, o governo abre caminho para ações mais objetivas como deseja a presidente. É nesse contexto que o ministro assinou convênio ontem [quarta, 26/1] transferindo à Anatel a tarefa de exercer a fiscalização no campo das telecomunicações no território nacional.
Objeto histórico de disputa entre a agência e o ministério, a fiscalização foi sempre uma ficção porque este último, com só 270 técnicos, não dispõe de quadros suficientes para a demanda. Já a Anatel tem 1,3 mil funcionários especializados. A legislação estabelece que a fiscalização é do ministério, mas pode ser delegada.
Para entender
O marco regulatório das comunicações, em gestação no governo, tratará não só da convergência de mídias mas também da regulamentação dos artigos da Constituição que tratam de produção nacional, regional e independente (220, 221 e 222). A participação de capital estrangeiro nas empresas, previsto no art. 222, é outra vertente – que até já provocou audiências públicas no Congresso, após denúncias de descumprimento do limite de 30% de capital estrangeiro em empresas de comunicação. No cerne da questão, a tarefa de definir se sites e portais se enquadram nessa limitação, já que veiculam conteúdo jornalístico e muitos de seus donos são reconhecidamente estrangeiros.
O governo também prevê a criação de uma agência reguladora para cuidar, a posteriori, do conteúdo veiculado pela mídia, mas ainda não decidiu se dará mais poderes à Anatel ou se criará para isso nova agência, como ocorre em outros países. O governo alega que um novo marco é necessário porque o atual, de 1962, é incompatível com a nova realidade do País. (Cida Damasco, João Bosco Rabello e Ricardo Gandour, colaborou Karla Mendes)
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Anatel volta a fiscalizar áreas da radiodifusão
Karla Mendes
O Ministério das Comunicações vai devolver à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) poderes para fiscalizar aspectos técnicos da radiodifusão, como o uso do espectro de frequência. ‘Estão terceirizando toda a fiscalização que estava com o ministério para a Anatel’, afirmou ontem [26/1] uma fonte do governo federal ao Estado.
Até então, toda a fiscalização da radiodifusão ficava a cargo do Ministério das Comunicações, que era a instância responsável por instruir os processos e quem tomava as medidas necessárias em caso de eventuais irregularidades. A partir de agora, porém, ao ministério caberá a missão de aplicar as sanções. ‘A Anatel fará todo o processo e o enviará para o ministério tomar as providências’, revelou ao Estado outra fonte do governo federal.
A atuação forte da Anatel na radiodifusão era prática comum no passado, até 2006. No entanto, uma decisão do conselho diretor da agência naquele ano entendeu que todos os processos relativos a esse assunto deveriam ficar a cargo do Ministério das Comunicações.
Risco de prescrição
Havia, contudo, uma gama de processos remanescentes, com data anterior a 2006, que continuaram sob a análise da agência, com risco de prescrição, e a superintendência encarregada dessa função teve dúvidas se a Anatel poderia ou não atuar nesses processos. Levou então o assunto ao conselho diretor no ano passado.
Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assinada pela ministra Denise Arruda, em 2009, já havia entendido que a Anatel é responsável pela fiscalização das faixas de radiofrequência, independentemente do uso. Por essa razão, o conselho diretor da agência resolveu suspender a determinação anterior enquanto o Ministério das Comunicações não se pronunciasse.
Convênio
Por meio da assinatura do convênio, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, dá sinais de que vai lançar mão da Anatel para atuar de forma conjunta com o ministério e aprimorar os processos envolvendo a radiodifusão.
‘Estamos definindo os termos desse convênio’, confirmou o ministro Paulo Bernardo ao Estado.
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Licença única de mídia terá debate, diz ministro
João Bosco Rabello # O Estado de S.Paulo, 28/1/2011
O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, confirmou ontem [quinta, 27/1] que há estudos do governo para a criação de licença única para as diversas mídias, como revelou o Estado. Bernardo considerou que a informação do jornal, pela síntese da manchete, sugeriu a muitos que o assunto está decidido pelo governo, o que criou um impacto desproporcional ao estágio do debate.
‘Tudo isso ainda será objeto de consulta pública e terá de passar pelo crivo do Congresso Nacional’, disse. E acrescentou: ‘Conforme ficou claro na matéria, a regulamentação vai ser debatida em ritmo seguro’.
O tema desde cedo ocupou o ministro, surpreendido por cobranças que interpretaram a notícia como um recuo do governo em relação ao marco regulatório do setor. ‘Basta ler a matéria que você verá que nada está decidido’, respondeu a um jornalista que procurava confirmação pelo twitter.
Marco regulatório
O assunto está na pauta do governo, como confirma o deputado Walter Pinheiro (PT-BA), que atuará como um dos principais representantes do governo na discussão do novo marco regulatório no Congresso. Ele afirma que seja qual for o novo modelo de concessão, ‘terá de partir da realidade da convergência digital’.
Autor de projeto de lei sobre convergência tecnológica que tramita no Senado, Pinheiro lembra que o marco regulatório da radiodifusão data de 1962 e, portanto, deve ser atualizado. E defende a linha de trabalho proposta pelo ministro Paulo Bernardo.
‘Fazer a discussão do ajuste aos poucos, sem parar tudo para fazer um novo Tratado de Tordesilhas’, ponderou. Ele defende a adequação sistemática de todo o modelo a partir do cenário de convergência de mídias, mas uma parte de cada vez. ‘A começar pela banda larga.’
Em entrevista coletiva à tarde, Bernardo confirmou que a linha proposta por Pinheiro é a seguida pela Anatel.
‘É uma discussão que está sendo feita na agência sobre a possibilidade da licença única para a área de telecomunicações, com a possibilidade, nesse processo de convergência de mídias, que as empresas licenciadas possam fazer outras mídias’, afirmou Paulo Bernardo.
O ministro esclareceu que as concessões de radiodifusão não estão sendo contempladas nessa proposta da Anatel e sim no marco regulatório das comunicações, em análise pelo ministério.
O conselheiro da Anatel, João Rezende, já havia declarado ao Estado que considera a concessão única ‘inevitável’ e prevê sua implementação num prazo de cinco a 10 anos para se adequar à realidade da oferta de serviços convergentes do setor.
Isso imporia na sua avaliação uma reforma na própria Anatel, que hoje trata os meios de comunicação de forma isolada.
Paulo Bernardo, que admite ainda estudar o projeto de regulamentação que herdou do ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência Franklin Martins, lembra que o prazo estimado pelo conselheiro João Rezende dá a medida de como os estudos estão em fase inicial. (Colaborou Karla Mendes)
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Novo modelo de concessão divide parlamentares
João Bosco Rabello e Karla Mendes # O Estado de S.Paulo, 28/1/2011
Parlamentares reagiram ontem [27/1] de forma distinta à notícia de que o governo estuda a criação de licença única para empresas de comunicação operaram diversas mídias. O ex-presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara Eduardo Gomes (PSDB-TO) achou ‘estranha’ a possibilidade de se adotar a concessão única. Ele ressalta que uma discussão sobre mudanças nessa legislação deve ser ampla e transparente.
O ex-ministro das Comunicações e deputado reeleito Miro Teixeira (PDT-RJ) acha que falta clareza do governo em relação ao marco regulatório da mídia. ‘É uma discussão que tem título, mas não tem lead (jargão jornalístico para o primeiro parágrafo de uma matéria, que reúne as principais informações)’, afirmou. ‘Fala-se genericamente da nova regulamentação, mas não existe um anteprojeto nem a formulação de uma ideia. Existe a exibição genérica de uma preocupação que acaba preocupando todo mundo.’
O ex-ministro das Comunicações e senador eleito, Eunício Oliveira (PMDB-CE), não vê necessidade de modificação das normas que regulam o setor de comunicações.