São Paulo comemora 457 anos de fundação na terça-feira (25/1). Se é que se pode celebrar alguma coisa na cidade impossível, transformada num monstro urbano por décadas de incúria e falta de planejamento.
Sim, é feita de décadas e não de séculos a história da decadência da chamada cidade global, aquela onde deveriam caber todas as nacionalidades. A decrepitude começou exatamente na década que sucedeu o primeiro grande plano de obras viárias, e tem no trambolho arquitetônico chamado ‘Minhocão’ o símbolo das escolhas equivocadas que deixaram o ser humano em segundo plano.
Como todos os janeiros, a cidade completa mais um aniversário sob o domínio do medo das chuvas. Do núcleo original onde foram erguidas a capela e a escola para evangelização de indígenas, ela se estendeu por todo o planalto, avançando pelas várzeas dos rios, ultrapassando o desfiladeiro do Carombé e corroendo o pé da Serra da Cantareira.
Deixou brotar, por toda a parte, núcleos habitacionais inabitáveis, espalhou amontoados de barracos e, mesmo onde a vida se fez privilegiada, deixou que se entupissem suas galerias, impermeabilizou-se e transformou suas artérias em canais de água poluída sempre que vem o tempo das nuvens escuras. Então, todos, pobres e ricos, são imobilizados.
Rotina das águas
Mas não é apenas em janeiro que a cidade sofre com as enchentes. No ano passado, tivemos decretado o estado de atenção pelo menos duas vezes no mês de novembro.
As obras anunciadas não dão conta das enxurradas. Galerias, bocas-de-lobo, piscinões, são expressões que voam das bocas dos administradores e alcançam os olhos e ouvidos dos cidadãos, por intermédio da imprensa, mas a sensação geral é de que nada vai resolver o problema e fazer com que os cidadãos simplesmente virem de lado e continuem a dormir, quando ronca a trovoada.
A imprevidência é tão parte da rotina que existe até mesmo um bairro chamado Jardim Pantanal, que surgiu numa depressão de terreno de onde a água que entra não tem como sair. Os moradores, ali, passam o verão imersos em água infectada.
Os jornais trazem nas edições de terça-feira a programação dos festejos. Mas a festa, como sempre, é para alguns. Os outros vão passar o dia lidando com balde, rodo e pano de chão.
Mais chuvas, velhas desculpas
A previsão do tempo para a terça-feira (25/1) é de chuvas à tarde e à noite em São Paulo. A previsão do noticiário é de mais dramas, de mais fotografias de carros boiando e gente desesperada. Pode-se prever também que haverá declarações de autoridades, referendadas pela imprensa, sobre a má educação da população, que joga todo tipo de detritos nas ruas, e sobre a intensidade das chuvas, que terá caído em um dia o que deveria cair durante todo o mês.
Não há previsão de reportagens profundas sobre as causas históricas dos problemas da cidade. Também não se deve aguardar comentários sobre o fato de a indústria da construção civil ter sido a maior doadora de fundos para campanhas eleitorais de vereadores e prefeitos da região metropolitana de São Paulo, de quase todos os partidos. Tampouco haverá comentaristas dispostos a relacionar essas doações às políticas urbanas que liberam novos edifícios onde não cabe mais nada.
Da mesma forma, tampouco haverá cobranças sobre a falta de uma instituição encarregada de coordenar as políticas urbanas para as megacidades que integram muitos municípios.
Ainda assim, como todos os anos, milhares de paulistanos vão sair de suas casas para aproveitar o feriado nas promoções culturais, que celebram a diversidade da quarta maior cidade do mundo.
Observatório na TV
Na terça-feira (25), o Observatório da Imprensa na TV vai reprisar o programa comemorativo da independência do Brasil. Alberto Dines recebeu no estúdio duas especialistas para explicar como o dia do ‘grito do Ipiranga’ foi gravado no calendário brasileiro.
Às 22h na TV Brasil, em rede nacional. Em São Paulo, pelo canal 4 da Net e 181 da TVA.