A equipe do filme “As Miçangas”, filme curta-metragem feito em Brasília, selecionado entre milhares para a Competição de curtas do Festival Internacional de Cinema de Berlim, está pedindo contribuições para pagar as passagens e hospedagens na cidade.
Esse é o resultado da política de Bolsonaro no Ministério da Cultura, que retirou toda ajuda ao cinema nacional. É hora de a ministra Margareth Menezes intervir e ajudar a equipe e mostrar terem mudado as orientações dentro do Ministério da Cultura. Esses jovens conseguiram vencer as barreiras políticas e econômicas erguidas por Bolsonaro contra o cinema nacional. Durante seus quatro anos de governo, ele tudo fez para destruir o cinema brasileiro.
Como tínhamos previsto, este ano não haverá filme longa-metragem brasileiro na competição principal. Felizmente haverá uma curta-metragem, “As Miçangas”, na competição internacional da categoria.
A participação brasileira estará restrita ao filme “Propriedade” na mostra Panorama, ao filme “O Estranho”, na mostra Fórum, na qual haverá a projeção de uma cópia restaurada de “A Rainha Diaba”, de 1973. Haverá também o curta-metragem “Infantaria”, na mostra Geração 14Plus e, em coprodução com a Espanha, uma curta experimental, “A Árvore”, na mostra Fórum Expanded.
A equipe brasileira de “As Miçangas”, filme selecionado pelo Festival, entre milhares, não conta com nenhum apoio financeiro para pagar a viagem a Berlim e criou um site na Internet, pedindo contribuições:
“O filme curta-metragem “As Miçangas”, dirigido por Emanuel Lavor e Rafaela Camelo, e estrelado por Tícia Ferraz e Pâmela Germano foi selecionado para o 73º Festival de Berlim em 2023, na Berlinale Shorts Competition, sendo selecionado entre cerca de 10.000 filmes enviados. O Festival de Berlim é um dos mais importantes e maiores festivais do mundo. É um momento muito especial para todos nós.
Infelizmente o governo brasileiro (de Jair Bolsonaro) acabou com todos os programas de fomento que existiam para auxiliar a participação de artistas brasileiros em mostras, festivais e laboratórios no exterior. Não conseguimos apoio com as diversas instituições públicas e privadas que contatamos e também não tenho condições de bancar toda essa viagem por conta própria. Estamos tentando a nossa participação em Berlim com facas e dentes, e precisamos muito da ajuda de vocês!”
Essa situação lembra o grupo de teatro TUCA, quando apresentou a peça “Morte e Vida Severina”, baseado num texto poético de João Cabral de Melo Neto. O grupo precisou abrir uma subscrição pública para bancar a viagem até Nancy, na França, onde ganhou o primeiro prêmio de Teatro Estudantil. Mas, é bom lembrar, isso aconteceu na época da ditadura militar. Alguém pode avisar a ministra Margareth Menezes?
Filme francês com fantoches na Competição Internacional
Selecionado para a Competição internacional entre 18 filmes, que concorrem ao Urso de Ouro do Festival Internacional de Cinema de Berlim, Berlinale, o filme francês “Le Grand Charriot” é também um teatro, com participação infantil, contando em preto e branco, o destino trágico e romanesco de uma irmandade de artistas do teatro de fantoches. “Le Grand Chariot” é um filme de Philippe Garrel, estrelado pelos três filhos do diretor, Louis, Esther Léna.
Três irmãos, um pai e uma avó dirigem um teatro de fantoches móvel. Quando o pai morre durante uma apresentação, os membros restantes da família tentam manter seu legado vivo.
Vida de família num hotel português
“Mal Viver”, também selecionado é um longa-metragem português produzido com a França, dirigido pelo cineasta português João Canijo. O drama retrata, durante um fim-de-semana, as mulheres de uma família proprietária de um hotel. Paralelamente, o diretor finalizou outro longa-metragem, “Viver Mal”, cujo foco são os hóspedes do mesmo hotel, também na Berlinale, mas na mostra Encontros, dedicada a novas visões cinematográficas.
Cinco mulheres de três gerações de uma família herdaram um hotel na costa norte de Portugal e lutam para mantê-lo funcionando. O filme aborda um velho conflito de difícil solução, mas que ressurge no fim de semana; até ali, muitas dessas conversas tinham sido adiadas, porém ainda havia muita coisa para ser dita. Do que tratam essas coisas? São sobre filhas e mães, sobre o amor que se transformou em amargura. Quando uma neta chega inesperadamente, a antipatia adiada e o ódio oculto são expostos.
O filme foi rodado no início de 2021 durante um período de 12 semanas no Hotel Parque do Rio, junto à praia portuguesa de Ofir, durante a segunda onda da pandemia de covid-19. Paralelamente, foi rodado “Viver Mal”, que se concentra em três grupos de hóspedes em visita ao hotel administrado pelas mulheres. Segundo um produtor do filme, o som e o conteúdo são considerados de “dois filmes completamente diferentes”. “Um filme se torna mais interessante quando você vê o outro”, explicou o produtor.
E se sua filha tivesse pênis?
O filme espanhol selecionado para a competição internacional vai, sem dúvida, provocar muito debate. Isso porque utiliza uma história simples para introduzir a discussão da mudança de sexo ou da redesignação sexual.
Uma frase provocativa será utilizada no lançamento do filme: o que você faria se seu filho lhe dissesse que é uma menina? Nada a ver com homossexualismo, mas com hermafroditismo. Pode se tratar de uma ocorrência da natureza, isso acontece, ou de um erro médico como aconteceu num outro filme, um documentário científico da BBC, mostrando um menino canadense transformado em menina, depois de um acidente numa simples operação de circuncisão.
Na história a ser mostrada no filme na Berlinale, Lucía tem 5 anos e é uma menina com um pequeno pênis que, em meio à separação de seus pais, espera ansiosamente a chegada do verão. Para Lucía, os dois longos meses de verão que vai passar com os irmãos na cidade natal materna são a oportunidade perfeita para mostrar a todos a menina que é. Para toda a família, estas serão as férias em que começarão a ver como realmente são.
O filme é ainda inédito; será exibido só depois do dia 16 de fevereiro, e isso é o máximo que se consegue recolher sobre o tema a ser exibido nas telas. O título é bem anódino, “20.00 Espécies de Abelhas”. A direção é cineasta Estibaliz Urresola Solaguren.
Quando o filho reencontra o pai
O filme “Torre sem Sombra” é um longa-metragem chinês dirigido por Zhang Lu, cuja estreia mundial será no Berlinale, concorrendo ao Urso de Ouro. Conta a história de Gu Wentong, um homem solteiro e solitário de meia-idade. Ele conhece o jovem fotógrafo Ouyang Wenhui no trabalho. Por acaso, Gu descobre o paradeiro de seu pai, de quem havia perdido o contato há mais de quarenta anos. Ouyang, que se tornou seu amigo, encoraja Gu a ir ao encontro do pai e retomar o relacionamento filho-pai há muito tempo perdido.
Zhang Lu, um cineasta chinês de 60 anos, coreano étnico de terceira geração, era originalmente um conhecido romancista e contista antes de se dedicar a uma carreira no cinema. Seus filmes se concentram principalmente nos desprivilegiados, especialmente os coreanos étnicos que vivem na China, como o filme “Desert Dream”, também apresentado na Competição no Festival de Berlim em 2007.
Por Rui Martins, antecipando as estreias mundiais desses filmes no Festival Internacional de Cinema de Berlim. no qual estará do 16 ao 26 deste mês.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.