Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um projeto de secretário

A construção da imagem pública de um político, de um artista, de um empresário, de um esportista… depende do que ele fez, faz e diz, mas também, em boa medida, do que a mídia faz com o que ele disse e fará. As informações e o modo como essas informações são apresentadas constroem, destroem, projetam imagens públicas, tendem a criar uma espécie de segunda natureza para aquela pessoa. E a pessoa se torna personagem, personagem mais real do que o ser de carne e osso.

Mas há também a recepção. A recepção ativa desse personagem pode corroborar traços, ou contestar virtudes, ou reinventar características, ou interpretar atitudes. O texto põe e predispõe e a subjetividade dos leitores dispõe e recompõe. O que aparece torna-se mais verdadeiro do que a verdade que ficou fora da cena, contanto que leitores, espectadores e ouvintes participem dessa construção.

No cenário da educação paulista, uma imagem está em processo de aparecimento, delineamento e configuração. Trata-se de Herman Jacobus Cornelis Voorwald, atual secretário de Educação em São Paulo, escolhido pelo governador Geraldo Alckmin. Convém avisar que Voorwald, nome de origem holandesa, pronuncia-se ‘Vuervald’. Nasceu no interior de São Paulo (em Rio Claro). Seu currículo na Plataforma Lattes retrata um pesquisador dedicado (orientou vários mestrandos e doutorandos), com longa experiência na área de Engenharia de Materiais e Metalúrgica, dando especial atenção a temas como ‘fadiga dos materiais’, ‘materiais aeronáuticos’ e ‘revestimentos anticorrosão’.

Apetite para o cargo

Desde 1990, o professor Voorwald assumiu cargos de progressiva importância no âmbito acadêmico: coordenador de programa de pós-graduação, diretor de faculdade, vice-reitor e finalmente reitor da Unesp. Sua chegada à Secretaria de Educação surpreendeu. Insinuou-se que Voorwald teria sido indicação silenciosa do ex-secretário de Educação Gabriel Chalita (PSB), informação que Alckmin desmentiu mais tarde. No Estado de S.Paulo, em 17/12/2010, comunicou-se a versão oficial:

‘Voorwald não fazia parte da bolsa de cotações. Alckmin conheceu-o recentemente, em meio às inúmeras indicações, e gostou do perfil. […] Alckmin buscava aliviar as tensões com as entidades de classe de professores da rede estadual e manter Paulo Renato seria um sinal ruim para os sindicatos. O impasse culminou com o pedido de demissão do tucano. Segundo integrantes da equipe de transição, Voorwald apresentou-se `com apetite´ para o cargo.’

E a que se deve semelhante ‘apetite’? Talvez o novo secretário tenha analisado o impasse em que Alckmin se encontrava. Nem era conveniente dar continuidade ao estilo ‘tolerância zero’, de Paulo Renato Souza, nem era possível reeditar o estilo ‘cançãonovista’ de Chalita, hoje persona non grata aos olhos do PSDB. Chegara a hora, portanto, de um perfil técnico, ‘neutro’. Sem marcas ideológicas claras. Sem estigmas. À prova de corrosões. Seria a ocasião de ‘zerar’ tudo e iniciar um novo projeto. Seria a chance de transformar a educação paulista em ponto positivo, para além do falacioso discurso das ‘duas professoras em sala’ e da meritocracia bonificadora que José Serra adotou na sua campanha presidencial. E não convenceu.

Pedagogia do amor

Em suas primeiras manifestações à imprensa, o professor Voorwald prometeu rever o plano de carreira dos professores estaduais, admitindo que os salários são baixos, prometeu reavaliar o modo como se aplica a progressão continuada dos alunos, prometeu ampliar a interação entre USP, Unicamp e Unesp. Referindo-se à necessidade de motivar os professores, o novo secretário, nessa primeira entrevista, permite pensar que seu antecessor na pasta tratou mal os docentes paulistas.

A imagem de Voorwald começa a desenhar-se. Saberá praticar, em alguma medida, a pedagogia do amor? Vencerá a tentação de atuar como um gestor do cassetete?

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br