Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Próxima cúpula da União Europeia e América Latina: presidência espanhola, preparação alemã?

(Foto: Reprodução)

Bruxelas e “os 27” se preparam para receber os representantes dos 33 países membros da CELAC, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, nos dias 17 e 18 de julho. Esta cúpula, a terceira do gênero, vem reavivar um fórum diplomático há muito adormecido. O último do gênero foi organizado em 2015, nos dias 10 e 11 de junho, na cidade de Bruxelas.

A Espanha, considerada por Bruxelas a mais competente em assuntos latino-americanos, tomou a iniciativa. Josep Borrell, ex-ministro das Relações Exteriores da Espanha e atual principal representante da União para os Negócios Estrangeiros e para a Política de Segurança, soou o alarme em novembro de 2021. “A União Europeia”, disse ainda antes de viajar ao Peru e ao Brasil, “deveria dar mais consistência a sua relação com a América Latina”. A sirene se fez escutar em Madrid. José Manuel Albares, Ministro das Relações Exteriores da Espanha, deu o tom em 12 de setembro de 2022. A presidência espanhola do Conselho Europeu, no segundo semestre de 2023, terá por pontapé inicial uma cúpula Europa / América Latina. 

Inesperadamente, a cúpula mobilizou, na reta final, a diplomacia alemã. No último encontro do G7 em Elmau, em 26 de junho de 2022 na Alemanha, o presidente argentino, Alberto Fernandez, pro-tempore da CELAC, foi convidado a participar. O vice-chanceler Tobias Lindner esteve na Argentina no dia 24 de agosto de 2022. O presidente Franz-Walter Steinmeyer fez uma visita ao México entre os dias 19 e 21 de setembro de 2022. Ele também representou a Alemanha na posse presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro de 2023. O chanceler Olaf Scholz visitou os chanceleres argentino, brasileiro e chileno entre os dias 28 e 31 de janeiro de 2023. No entanto, esse ativismo não tem nada de improviso. Ele consolida interesses e ambições que adquiriram novo ritmo desde 2019. Berlim, por exemplo, organizou, no dia 28 de maio de 2019, a primeira cúpula bilateral Alemanha e América Latina. Este evento resultou diversas visitas de trabalho entre o país europeu e diversos países latino-americanos e uma carta de intenções e planos futuros. Tudo vem sendo acertado, progressivamente, até janeiro de 2023. 

A Espanha, país ponta de lança da relação Europa / América Latina, não ficou indiferente a toda essa movimentação alemã. O rei Filipe VI representou Madri na posse dos presidentes chileno, Gabriel Boric Font, no dia 11 de março de 2022, do colombiano Gustavo Petro, no dia 7 de agosto de 2022, do brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva em 1º de janeiro de 2023. O ministro espanhol da Inclusão e da Segurança Social, José Luis Escrivá, participou de um debate no dia 12 de janeiro de 2022 com o ainda candidato e depois eleito presidente, Lula. O presidente espanhol, Pedro Sanchez, recebeu seu homólogo argentino, Alberto Fernández, em 10 de maio de 2021. Ele visitou a Argentina no dia 8 de junho de 2022, e fez uma visita de trabalho à Colômbia, Equador e Honduras entre os dias 24 e 27 de agosto de 2022. O espanhol também recebeu o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, em 4 de novembro de 2022. Finalmente, no dia 27 de novembro de 2022, foi eleito presidente da Internacional Socialista na presença de 20 delegações latino-americanas. A 28ª Cúpula Ibero-Americana está agendada para os dias 24 e 25 de março de 2023 na República Dominicana.

No entanto, a relação hispano-latino-americana não tem dado a impressão de uma particular aceleração nos últimos tempos. A Espanha foi obrigada a recuperar várias vias de acesso. De fato, as novas gerações de líderes latino-americanos demonstraram repetidamente seu incômodo com a antiga potência colonial. O presidente mexicano, Andrés Manuel Lopez Obrador, pediu por escrito um pedido público de desculpas ao rei

da Espanha, convidado a se arrepender pela colonização do México entre os séculos XVI e XIX. Seu homólogo chileno, Gabriel Boric, também alfinetou publicamente Filipe VI, criticando-o pelo atraso no ato de sua investidura no dia 11 de março de 2022. Em comentários semelhantes, algumas semanas mais tarde, no dia 7 de agosto, em Bogotá, falava-se que o Rei da Espanha parecia ter desrespeitado a relíquia do líder latino-americano, Simón Bolívar.

Estas iniciativas espanholas e alemãs são uma espécie de árvore que esconde a floresta. A América Latina encontra-se na oficina europeia há vários anos. As estatísticas econômicas são enganosas. A União Europeia certamente está numa posição muito confortável na América Latina, com suas empresas e seu comércio. Mas será que os fluxos econômicos e comerciais, os investimentos, provenientes de seus diversos países constituem um todo coerente comparável àqueles provenientes da China ou dos Estados Unidos? A competição é a regra entre os vizinhos europeus assim como entre os jogadores de outros continentes.

Na política e na diplomacia, o interesse varia de país a país. O da Espanha em relação a América Latina é, sem dúvida, o mais ativo. Mas ela sente vergonha de seu passado colonial. A França está fascinada pelas grandes potências (norte-americana e asiáticas). A Itália, com aspirações de ocupar o segundo lugar, está distante da América Latina. A Itália já estabeleceu uma relevante política latino-americana, mas está permanentemente atolada em suas brigas internas e em situação delicada dadas as amizades extremistas de seu atual presidente do Conselho, signatário, em 2019, de uma declaração feita pelas direitas radicais espanholas e latino-americanas. A guinada à direita da Suécia, o prisma anti-russo dos europeus orientais, não facilita um eventual retorno europeu à parte meridional das Américas.

No entanto, será que a Alemanha tem representado, nesse jogo, um papel mais coletivo? As várias viagens de seus mais altos funcionários pela América Latina, respondem a um objetivo europeu ou nacional? A cúpula europeia de 17 de julho não foi esquecida por Olaf Scholz e Franz-Walter Steinmeyer. Ambos disseram a seus interlocutores que Berlim atribuía grande importância à conclusão da longa negociação do tratado UE/Mercosul. A guerra russa na Ucrânia foi destacada. Tanto o Presidente quanto o Chanceler, perante seus vários homólogos, confirmaram a condenação alemã à invasão russa, assim como ratificaram as dotações financeiras e militares concedidas à Ucrânia. Mas a essência de sua manifestação estaria, sem dúvida, em outro lugar. Olaf Scholz foi ouvido pelos interlocutores sul-americanos que se recusaram a prestar ajuda militar à Ucrânia e a aderir às sanções aplicadas contra Moscou. Lula, por sua vez, afirmou em respeito às relações Mercosul/UE que pretende combater o desmatamento na Amazônia, condição imposta por Bruxelas para ratificar o acordo bilateral, mas destacou, tal como o fizera o argentino Alberto Fernandez, seu interesse de renegociar alguns pontos do acordo UE/Mercosul, visando reequilibrá-lo. Olaf Scholz tomou nota. Para mostrar sua boa-vontade junto às posições desses países sobre a guerra russo-ucraniana, ele disse que, apesar de tudo, era conveniente dialogar “o quanto fosse necessário” com presidente russo.

Principal parceiro econômico europeu da América Latina, sem passado colonial, a Alemanha busca há vários anos diversificar suas relações internacionais. A redução definitiva de seus avanços na Rússia e as incertezas chinesas e taiwanesas aceleraram uma reorientação já bastante avançada. Em poucos meses, os três países latino-americanos integrantes do G-20 foram visitados, dando legitimidade, ainda que informal, mas sobretudo concreta, à liderança europeia alemã, pelo menos em relação ao cone sul. O Brasil tem sido aclamado como o líder natural da América Latina e com quem um diálogo político deve ser aprofundado. Ele deverá abarcar, dentre outras coisas, a reativação do grupo “G4” (Alemanha, Brasil, Índia, Japão), visando reformar a composição do Conselho de Segurança da ONU.

A diplomacia econômica legada pela chanceler Angela Merkel foi aprimorada. Com essa abertura, vimos uma série de gestos simbólicos marcantes. A Alemanha abasteceu o fundo Amazônia com 200 milhões de euros e lembrou de seu apego que tem pelas leis e de seu respeito à justiça. Seu passado ditatorial, comum também ao Chile, foi rememorado em uma visita ao Museu da Memória, em Santiago. Também apelou à vocação democrática de um Brasil chamado a assumir a liderança da América Latina. Tendo ensaiado a introdução, tais esforços garantiram as compras de gás de xisto argentino, lítio argentino e chileno e hidrogênio verde chileno. Um memorando sobre o lítio foi assinado com a Argentina. Foi assinado um acordo bilateral Alemanha/Chile sobre minerais para formalizar a cooperação entre as empresas chilena Codelco e a alemã (de Hamburgo) Aurubis.

A conclusão, tirada por Olaf Scholz para justificar o interesse da Alemanha pela América Latina, é óbvia, mas não para a maioria dos europeus que se reunirão em Bruxelas com os homólogos do outro lado do Atlântico: “A América Latina tem um potencial incrível”.

Texto publicado originalmente em francês, no dia 13 de Fevereiro de 2023, no site IRIS-France.org, seção Analyses, Paris/França, com o título original, “Prochain sommet UE/Amérique latine: présidence espagnole, préparation allemande?”. Disponível aqui Tradução de Thiago Augusto Carlos Pereira e Luzmara Curcino.

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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.