Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Matérias do CB arranham imagem da UnB

Trinta funcionários do Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe), instituição ligada à Universidade de Brasília (UnB) e responsável pelos principais concursos públicos do país, como os da Petrobras e Banco do Brasil, começaram a ser ouvidos no dia 2 de junho pela Polícia Civil do Distrito Federal, que ainda investiga as fraudes no concurso para agente penitenciário federal realizado no dia 22 de maio. Os docentes da UnB sentiram a imagem da instituição arranhada pela forma como foi divulgada na mídia a suspeita de que funcionários do Cespe estariam envolvidos no esquema de fraude e também pela prisão de Mauro Rabelo, diretor do Centro e professor da UnB, no dia 28 de maio, com base em uma denúncia posteriormente desmentida. O veículo que mais tem explorado este caso, ouvindo essencialmente a polícia como fonte, é o jornal Correio Braziliense, de Brasília.

Em uma operação conjunta da Polícia Civil e da Polícia Federal, intitulada ‘Galileu’, foram feitas no dia 22 de maio 48 prisões no Distrito Federal e nove em Mato Grosso, a maioria nos locais onde estava sendo realizado o concurso para agente penitenciário que o Ministério da Justiça promoveu para preencher as vagas que serão criadas com a construção de presídios federais em Mato Grosso e no Paraná. Segundo o diretor-geral da Polícia Civil, Laerte Bessa, o esquema, especializado em roubar gabaritos e passar respostas para candidatos, era comandado por 23 pessoas, sendo o técnico do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Hélio Garcia Ortiz, apontado como o líder.

A reportagem do Correio Braziliense, no dia 23 de maio, divulga a operação como sendo apenas da Polícia Civil, e começa da seguinte forma: ‘Todos os concursos públicos organizados pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe) órgão vinculado à Universidade de Brasília (UnB), nos últimos nove anos estão sob suspeita de fraude’. Tal informação tem um impacto imediato na credibilidade do Cespe – e por tabela, na imagem da UnB –, que conquistou, com trabalho sério e profissional, a liderança na organização de concursos públicos em todo o território nacional. Apenas um curto espaço no final dessa reportagem apresenta depoimentos da diretora do Cespe e do reitor da UnB: ‘Apesar das revelações feitas pela Polícia Civil, Romilda Macarini considera difícil que funcionários do Cespe, ligado à UnB, estejam envolvidos no esquema (…) Lauro Morhy, afirma que foi ‘pego de surpresa’ pela revelação do escândalo. Ele suspeita que os rumores sobre envolvimento de funcionários do Cespe tenham assumido conotação política.’

A detenção do técnico do Tribunal de Justiça, Hélio Garcia Ortiz, no dia da prova, desencadeou depoimentos que levaram à prisão de um professor da UnB e diretor do Cespe, Mauro Rabelo. Segundo Ortiz, líder do esquema, Carlimi Argenta de Oliveira, esposa do ex-funcionário da gráfica do Cespe, Fernando Leonardo Oliveira Araújo – também envolvido no esquema -, seria o elo de ligação entre os fraudadores e a instituição responsável pelo concurso. Com base no depoimento dela, a Polícia Civil interceptou na noite de sábado, dia 28 de maio, às 23h30, o carro do reitor da UnB, Lauro Morhy, e retirou Mauro Rabelo, que o acompanhava, com um mandado de prisão temporária contra ele. Carlimi voltou atrás em seu depoimento, e Rabelo foi liberado em menos de oito horas após a detenção.

O aval do silêncio

O Correio Braziliense, que explorou o assunto das fraudes em reportagens sucessivas publicadas nas edições de todos os dias daquela semana, deu o seguinte tratamento, no dia 29 de maio, ao episódio ligado à prisão do professor da UnB:

‘Mauro Rabelo, falou ao Correio sobre o envolvimento do seu nome na fraude dos concursos. Ele confirmou que recebeu voz de prisão quando saía da Universidade de Brasília na noite da última sexta-feira, mas sem saber o motivo. Ele contou que sua família está em estado de choque’. Somente em sua edição do dia 30 de maio, uma outra reportagem do Correio Braziliense menciona o depoimento de Carlimi que levou à prisão de Rabelo e foi posteriormente desmentido: ‘[Carlimi] confessou que Fernando Leonardo Oliveira Araújo, 26 anos, era seu marido e que era ele o membro da quadrilha dentro do Cespe. Fernando trabalhou na instituição de 2001 a 2003 como funcionário da gráfica. Carlimi disse que mentiu para preservar o homem que amava’.

Em função do episódio da prisão do diretor do Cespe, seus colegas e alunos da universidade passaram a clamar por uma retratação pública e fizeram um desagravo em seu nome. Na edição do dia 31 de maio, o Correio Braziliense repercute isso da seguinte forma:

‘Na Universidade de Brasília, colegas e alunos de Mauro Rabelo fizeram ato de desagravo ao professor. Diretor do Cespe, ele foi apontado por integrante da máfia dos concursos como um dos participantes da fraude. Na acareação, a acusadora se retratou e Rabelo foi liberado depois de seis horas de detenção.’

Sylvio Quezado, Decano de Extensão da UnB, em busca de um espaço equivalente no noticiário para a indignação dos docentes da UnB em relação à prisão de seu colega, afirma em artigo que circulou pela internet:

‘O ato de agressão não foi contra o professor Mauro Rabelo, nem contra o reitor Lauro Morhy. A grandeza destes dois colegas é superior a este ato! A agressão foi contra a Instituição e o Estado de Direito’.

A preocupação de Quezado, além de recair sobre a imagem da UnB enquanto principal instituição de ensino superior e pesquisa do Distrito Federal – e talvez até de toda a região Centro-Oeste –, também está voltada para a fato de que a imprensa pode denegrir a imagem de um cidadão, divulgando suspeitas sem comprovação.

‘Como é que se acolhe uma acusação que parte de uma pessoa confessadamente envolvida com fraudes contra um docente de uma instituição como a UnB, com mais de 10 anos de casa e que possui endereço permanente, filhos regularmente matriculados em escolas da cidade?’, questiona o Decano. ‘Como podem ser divulgados para a imprensa supostos fatos que difamam e caluniam a vida pessoal de um cidadão como nosso colega preso, sem que se tenha absoluta certeza de que são verdadeiros? Onde está a ética deste procedimento?’, continua. Quezado espera que a desaprovação a este ato não se restrinja aos docentes da UnB, mas ganhe a adesão do governador e do secretário de Segurança do DF e das bancadas distritais e federais de deputados e senadores de Brasília. ‘A UnB não pode ficar maculada por este ato de agressão. O silêncio de autoridades será o aval à ausência de ética, ao abuso de poder e à desmoralização de um ente de Estado’, completa.

Onde a ética?

Nos primeiros dias de junho, o jornal Correio Braziliense ainda continua divulgando notícias diárias ligadas às fraudes em concursos, ora tratando de instituições que interromperam negociações com o Cespe, como a Secretaria de Educação da Bahia (em matéria do dia 3/6), ora apresentando depoimento de alunos preocupados com possíveis fraudes no vestibular da UnB (em matéria do dia 6/6), que também é realizado pelo Cespe.

De acordo com Romilda Macarini, diretora geral do Cespe, 45 dias antes das primeiras prisões ligadas à seleção para agente penitenciário, a instituição, em conjunto com autoridades da Polícia Federal, tomou conhecimento de possibilidade de fraude no concurso do dia 22 e, juntas, adotaram providências para coibi-las. ‘O órgão [Cespe] mantém convênio permanente com a Polícia Federal, para dar maior segurança ao processo de aplicação das provas e eliminar as possibilidades de fraudes’, afirma. O concurso para agente penitenciário, previsto, a princípio, para ser realizado em abril, foi adiado, para que fossem feitas as investigações e a Polícia Civil pudesse montar a ação de aprisionamentos.

‘Tentativas de fraudes em concursos públicos são freqüentes em todo o país. A venda de supostos gabaritos e de falsas promessas de vagas garantidas é prática recorrente de pessoas inescrupulosas, que tentam, a qualquer preço, obter vantagens de forma ilícita’, diz Macarini. Segundo a diretora geral, desde a sua criação, o Cespe adota medidas de segurança para coibir qualquer tipo de tentativa de fraude nos concursos que realiza. ‘A operação, que culminou com a prisão de vários candidatos no dia 22 de maio é, também, resultado desse esforço. No passado, essa mesma quadrilha já foi detectada e presa, enganando pessoas e tentando fraudar concurso, sem êxito’, conta.

Independentemente dos depoimentos de Quezado (que ainda não encontrou o devido espaço na mídia, a não ser o dado pela revista eletrônica ComCiência) ou de Macarini (este último apenas parcialmente reproduzido no Correio Braziliense), será que a exploração diária desse tema pelo jornal tem sido um ‘bom serviço’ para os seus leitores? E a imagem do Cespe, da UnB e do professor Mauro Rabelo, como fica diante da população do Distrito Federal, onde circula a maior parte dos exemplares do Correio, e diante do restante do país, que de uma forma ou de outra, acaba ecoando pelo menos parte do que esse jornal local divulga todos os dias? Parafraseando Quezado, há ética nessa mídia? Caso a se pensar…

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Repórter da Revista ComCiência