Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Governo Lula tem plano de emergência contra o desmatamento e o garimpo na Amazônia?

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da ministra do Meio Ambiente, Mariana Silva, tem trabalhado arduamente na construção de um plano para encaminhar a solução dos grandes e inúmeros problemas que estão destruindo a Floresta Amazônica. Cito os dois principais: os madeireiros clandestinos e o garimpo ilegal nas terras indígenas. Mas não haverá um futuro para a floresta se não houver um plano de emergência para parar a destruição. Vou explicar a situação. Imaginem que a ministra Marina seja uma médica na emergência de um hospital atendendo um paciente com hemorragia. Se ela não parar o sangramento, o paciente morre. A hemorragia é o caos que o imenso avanço dos madeireiros clandestinos e dos garimpeiros ilegais espalhou pela Amazônia e pelos seus povos originais nos últimos quatro anos, resultado da política de desmonte dos órgãos de fiscalização do meio ambiente, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), levada a cabo pelo governo do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL). Não é a primeira vez que os ilegais avançam sobre a floresta. Têm feito isso desde a construção da Rodovia Transamazônica (1969 a 1974). Mas as autoridades federais nunca tinham perdido o controle da situação.

Agora perderam. E com o avanço que tiveram nas suas atividades ilegais nos últimos quatro anos, os madeireiros e os garimpeiros estão em condições de enfrentar as tropas de militares, técnicos e fiscais do governo federal que atuam na região. Os ilegais estão tão fortalecidos que os seus aliados nem precisam mais agir escondidos nas sobras. Como é o caso do governador de Roraima (RR), Antonio Denarium, que articulou com os senadores e deputados federais do estado a favor dos garimpos e, com isso, conseguiu diminuir sensivelmente a velocidade da ação do governo federal que busca a expulsão de 30 mil garimpeiros que invadiram a terra dos índios yanomami, uma área de 9,2 milhões de hectares na fronteira com a Venezuela. Basta dar uma olhada nos números. Em fevereiro, eles desmataram uma área de 322 quilômetros quadrados, segundo o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), bem superior ao recorde anterior, registrado em 2015. Lembro que em 28 de fevereiro escrevi o post Ataques a base do Ibama é a reação dos garimpeiros à presença das tropas federais? O que vou escrever não é opinião. São fatos que publicamos e que apurei conversando com fontes que tenho na região. Em janeiro, quando o governo federal tornou pública as imagens dos homens, mulheres e crianças yanomami reduzidos a pele e osso pela fome causada pela invasão de seus terras por garimpeiros, a ideia geral entre os financiadores dos madeireiros ilegais e dos donos dos garimpos era de que a mão pesada das autoridades tinha chegado. Porém, a grandiosidade da situação montada pelos ilegais desaconselhou as autoridades federais a procurarem um enfrentamento direto.

Aopção das autoridades foi a de sufocar economicamente as operações dos ilegais, atacando o fluxo de dinheiro ganho com as madeiras ilegais e os minérios (ouro e cassiterita). Essa estratégia é eficiente, na opinião de quatro delegados federais com quem conversei. Mas precisa de tempo para dar resultado, porque rastrear o caminho do dinheiro não é fácil, já que envolve financiadores nacionais, estrangeiros e gente ligada às facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, que aliado com outras organizações na região opera no tráfico da cocaína vinda da Colômbia, usando os rios da região para escoar a droga. Os ilegais interpretaram essa estratégia oficial como uma oportunidade de se manterem nos seus negócios e, principalmente, de retirarem um imenso tesouro de madeiras nobres, ouro e cassiterita que esconderam na mata, esperando as coisas se acalmarem. Tratei desse assunto no post Ouro e toras da Amazônia foram escondidos até que as coisas esfriem (24/02). Há outro problema. Os ilegais estão aproveitando a situação e intensificando as suas atividades em outras áreas indígenas, como no garimpo de diamantes da reserva dos índios cinta-larga, na divisa de Rondônia com Mato Grosso. O garimpo é descrito pelos agentes federais como “barra pesada” devido os interesses de compradores de diamantes de vários países que têm seus representantes por lá. Em 2004, 23 indígenas mataram 29 garimpeiros em uma disputa por uma “grota”, como chamam o garimpo.

Oproblema das autoridades federais na Floresta Amazônica não são só os ilegais. Mas também o grande prestígio que o ex-presidente Bolsonaro tem entre as autoridades locais e também nos organismos de Estado na região. Existem tropas do Exército, da Marinha e da Força Aérea estacionadas na Amazôniaque poderiam ajudar na operação de sufocar as atividades ilegais, porque os seus contingentes, especialmente soldados e graduados (cabos e sargentos), são filhos de índios e de ribeirinhos da região. Portanto, conhecem os caminhos existentes por lá. Por que estão sendo usados de maneira discreta pelas autoridades federais? É uma pergunta que temos que responder aos nossos leitores. Conheci a ministra Marina no final da década de 80, quando mataram o seringueiro, ecologista e sindicalista Chico Mendes, tocaiado em sua casa, em Xapuri, pequena cidade no meio da floresta, no interior do Acre. Entre todos os ministros de Lula, ela é a mais preparada para o cargo que ocupa, até a oposição concorda com isso. Tem conhecimento de cada vírgula da situação que descrevi. A rede de informações que possui entre lideranças indígenas e organizações não governamentais e religiosas na região a mantém constantemente atualizada da situação. O governo Lula costurou importantes apoios internacionais, como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (democrata), e de líderes europeus, para lidar com a herança deixada por Bolsonaro na Amazônia. Todos sabem que se não for feito um plano de emergência para parar os ilegais pode não restar uma floresta para preservar. Quem duvida da situação, basta que olhe os noticiários.

Texto publicado originalmente por Histórias Mal Contadas

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.