O repórter Fred Melo Paiva passou uma semana na favela Funchal, conjunto de barracos vizinhos à nova sede da loja Daslu, o mais reluzente templo do consumo de luxo na América Latina. Com imagens dos fotógrafos Vidal Cavalcanti e Evelson de Freitas, ele produziu no domingo (12/6), para o caderno ‘Aliás,’ do Estado de S.Paulo, um retrato magistral do Brasil que a imprensa não costuma enxergar.
Com criatividade e o corajoso respaldo de seu editor, Fred dá voz a moradores da favela e coloca o dedo na hipocrisia e na babação que a mídia até então vinha devotando ao imenso caixote de concreto erguido junto à Marginal do Rio Pinheiros, onde um casaco pode valer mais do que um barraco de dois andares na comunidade vizinha.
‘Caríssima Eliana, se a senhora subir no heliporto da Daslu, vai ver a gente aí de cima. Ó nóis aqui, ó!’, rasga a manchete, diluída em linha-fina e seguindo, como numa carta, na qual os favelados entrevistados pelo jornalista convidam a empresária a conhecer um pouco da vida que se passa ali, entre barracos e vielas enlameadas.
Fred não tem complacência. O dono do boteco, o vigia de carros, a jovem traficante, ex-miss Penitenciária cuja libertação recente é festejada com churrasco de capa de filé, todos desfilam seus depoimentos na linguagem coloquial que ele registrou e reproduz, cuja leitura remete imediatamente a um país que não se lê nos jornais.
‘Se precisar…’
O que se havia dito da Daslu, até então, era pouco mais do que o provinciano desfile de admirações sobre o valor do empreendimento, a relação das grifes, a influência da proprietária, Eliana Tranchesi, no mercado internacional da alta moda. Vista da favela, a loja de luxo parece exatamente o que é: um acinte diante das desigualdades sociais do país, que a imprensa tem preferido ver pelas lentes frias das estatísticas.
Ao dar voz aos favelados, Fred Paiva de certa forma resgata uma qualidade perdida do jornalismo que Gabriel García Márquez tenta resgatar junto a seus pupilos da Fundação para o Novo Jornalismo Ibero-americano – a capacidade de contar histórias pela palavra dos seus protagonistas, e não pelo viés do jornalista.
O que vaza do texto é o olhar dos moradores, sua visão quase ofendida de um luxo que quase explica a miséria em que vivem. Um a um desfilam, como nas passarelas da moda, os dramas dos excluídos.
Pelo menos quarenta deles trabalharam na construção daquele palácio do consumismo. Terminou a obra, acabou trabalho. Mas o texto não revela ressentimentos. Refere-se de passagem ao fato de a filha do governador de São Paulo ter um emprego na loja e faz pensar em relações incestuosas com o poder. E transcorre até o fim como principiou: o repórter passeia pelas vielas, mostra a faixa na qual se conta que a renda mensal de toda a comunidade não dá para comprar um vestido na Daslu e encerra renovando o convite dos favelados à empresária: ‘Se precisar de alguma coisa, tamo aqui embaixo’.
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Jornalista