Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

ChatbotGPT: mais marketing que ameaça ao jornalismo

(Foto: Gerd Altmann por Pixabay)

O ambiente jornalístico passou a viver uma espécie de frenesi tecnológico depois do lançamento do programa ChatbotGPT visto por muitos profissionais com uma ameaça poderosa ao exercício da atividade e o consequente aumento do desemprego entre repórteres, editores e comentaristas. A realidade é que estes temores são apenas parcialmente verídicos porque a inteligência artificial vai afetar principalmente os profissionais pouco qualificados seguidores da técnica do “copia e cola”.

A infraestrutura tecnológica do novo modismo digital não é nova e nem inédita. Ela surgiu há mais ou menos 80 anos com o nome genérico de Inteligência Artificial Generativa (IA Generativa), ou seja, um programa digital capaz de gerar textos, imagens, sons e códigos inovadores. Nesta categoria estão programas como o ChatbotGPT e outros como o Bard, produzido pela empresa Google. 

O grande diferencial de softwares como o GPT e o Bard é a capacidade de trabalharem com um volume imenso, quase incomensurável, de dados digitalizados na internet e que servem como matéria prima para sofisticados robôs/algoritmos realizarem combinações e recombinações de fatos, eventos e números. O GPT é, por enquanto, um avanço quantitativo no processo da datificação da informação digital.  As respostas dos programas de IA Generativa tendem a se tornar cada vez mais completas à medida que mais dados forem sendo digitalizados. 

É inevitável o surgimento de novas modalidades de chatbots cujo diferencial estará no tamanho da base de dados sobre a qual eles irão operar. Já existem, por exemplo, softwares, como o Dall E, que produz imagens a partir de palavras chaves fornecidas por uma pessoa. Estamos assistindo o início de uma corrida pelo mercado de chatbots incluídos no guarda-chuva da Inteligência Artificial Generativa. Por enquanto trata-se de um processo quantitativo, mais dados melhores respostas, mas é provável que com a chegada da computação quântica venhamos a ver algo qualitativamente novo em matéria de máquinas inteligentes.

A análise dos textos produzidos em diversas experiências jornalísticas com o Chatbot lançado pela empresa OpenAI, vinculada à Microsoft, mostram que ele é bom na montagem de textos conhecidos vulgarmente nas redações como “de arquivo”. Eles podem poupar tempo de repórteres e editores quando sumarizam fatos e eventos passados. Ao vasculhar a avalancha de dados publicados na internet, o GPT reúne os elementos mais mencionados segundo uma lógica parecida com a do sistema de buscas Google, procurando produzir versões finais minimamente equilibradas e diversificadas, quando o objeto é um tema controvertido. 

É evidente que a inteligência artificial afetará o desempenho dos jornalistas porque automatizará a produção de textos e imagens de apoio, dando aos profissionais experientes e qualificados mais condições de produzir e conteúdos mais criativos e de maior profundidade analítica. Isto vai exigir maior capacitação e conhecimentos de repórteres, editores, comentaristas, ilustradores e programadores, já que as tarefas menos complexas poderão ser desenvolvidas por robôs inteligentes capazes de vasculhar zilhões de dados e fatos digitalizados na internet em tempo infinitamente mais rápido do que o de um ser humano.

Psicologia dos algoritmos 

O problema é que as respostas dadas por programadas de IA Generativa precisam ser reinterpretadas pelos profissionais do jornalismo. Nossa linguagem corrente é cheia de ambiguidades, vieses, subjetividades que a máquina pode interpretar de forma incorreta e dar respostas baseadas nesta leitura equivocada. O problema não é do software, mas de quem fez a consulta ou pedido. Assim para que a resposta possa ser digna de crédito é preciso que o jornalista tenha conhecimentos básicos de programação para minimizar o descompasso entre o que o profissional quer e o que o programa acha que o repórter ou editor deseja, como explicou o professor Nicholas Diakopoulos, da universidade norte-americana Northwestern numa entrevista a Columbia Journalism Review

Fica então obvio, que o grande desafio colocado pela inteligência artificial ao exercício do jornalismo é o da qualificação profissional não só na produção de conteúdos, mas também no relacionamento com as novas tecnologias digitais. Escrever bem não é mais a principal virtude de um bom jornalista, mas sim a sua capacidade de expor dados, fatos, eventos e ideias, que usando os recursos multimidia, permitam a maior comunicabilidade e interatividade possíveis com o cidadão comum. 

Programas como o ChatbotGTP criam a necessidade de novas habilidades e competências no exercício do jornalismo, como por exemplo o relacionamento com as tecnologias digitais. É mais do que saber como funciona e como se usa. O profissional precisará entender e interpretar a máquina, numa espécie de psicologia dos algoritmos, como definiu o neurocientista Álvaro Machado Dias. É que os robôs terão que ser ensinados a coletar quais dados queremos bem como entender como eles farão a busca para que os resultados possam ser considerados adequados aos objetivos que procuramos. Um tutor de algoritmos num sistema de inteligência artificial sabe que o universo das buscas se tornou incomensurável diante do volume de dados acumulados. Portanto os resultados podem ser imprevisíveis diante do número também incalculável de correlações possíveis entre os dados arquivados. 

Colonialismo de dados

Fica também clara a importância transcendental dos bancos de dados. São eles que viabilizam a inteligência artificial. Por isto, o pesquisador britânico Nick Couldry, da London School of Economics, alerta sobre o surgimento do chamado “colonialismo de dados”, um fenômeno que pode alterar as relações entre nações e empresas. Na nova economia digital, quem tem dados tem tudo, o que pode colocar a política mundial de pernas para o ar, já que empresas como Alphabet (dona do Google e Youtube) e Meta (dona do Facebook e WhatsApp) dispõem hoje de mais informações sobre o mundo em que vivemos do que qualquer uma das superpotências mundiais como Estados Unidos, China e Rússia.

A quantidade, já inimaginável, de dados em poder de empresas como Facebook, Google e Twitter acaba por condicionar nossa maneira de viver, pensar e agir porque mudanças na programação dos algoritmos que regem a interatividade dentro de redes sociais podem alterar, inesperada e imprevisível a forma como fazemos negócios, vivemos em comunidades ou fazemos nossas escolhas políticas. Os donos de bancos de dados são cada vez mais os donos do mundo e o GPT é a mais recente arma destes colonos cibernéticos. 

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.