Anoitece em Manaus no dia 18 de setembro de 2010, um sábado, quando ainda estou no plantão do portal de notícias onde trabalho. Já havia feito algumas matérias e até me dava por satisfeito quando, pelo Twitter, observo um ou outro comentário sobre um tremor em um shopping da capital. Rapidamente seleciono os tweets e procuro saber quem são as pessoas responsáveis por eles. Logo vejo que são pessoas conhecidas (e não fakes ou personagens), com nome, sobrenome, profissão e, em alguns casos, até site pessoal. Desde a notícia da morte do ‘rei do pop’ Michael Jackson, em 2009, noticiada em primeira-mão pela mesma rede de microblog (e pelo site TMZ), passei a atentar com cuidado ao que é publicado.
Não tardou para que estivesse ao telefone tentando falar com a assessoria de imprensa do centro de compras. Minhas suspeitas em relação ao caso se davam, também, pelo fato do mesmo empreendimento ter sido alvo de ‘boatos’ similares ainda na época de sua construção. Quando finalmente consegui contato com a assessoria de imprensa – uma empresa terceirizada e que, até onde sei, não mantém um escritório no local do cliente – falei com uma pessoa um tanto desagradável que, ao ouvir o que eu procurava, deu uma risadinha sarcástica antes de responder: ‘Pelo Twitter? E vocês, jornalistas, agora dão trela a boatos?’
Sorri de volta e insisti se, de fato, o shopping confirmava se o evento havia realmente sido sentido. Ela voltou a negar a história, com o mesmo tom desagradável e nada profissional. Como sei que o papel de algumas assessorias de imprensa, em muitos casos, é justamente o de blindar o assessorado – e não repassar a informação –, ignorei a ‘informação oficial’ e fui até o local, acompanhado de um vídeo-repórter do portal. Fomos direto ao local onde as pessoas alegavam ter sentido o tremor, em uma grande livraria – mais especificamente na área do mezanino, onde acontecia uma palestra.
Os dois lados
Ao chegar ao local, fui primeiro a um atendente de um café, que funciona dentro da livraria. Já o conhecia de vista, por costumar frequentar o espaço, e me senti mais à vontade para apurar, ainda que extra-oficialmente, se mais alguém (desta vez de carne e osso) havia sentido o virtualmente citado tremor. Apesar de receoso, olhando para os lados aparentemente para ver se não havia ninguém da chefia por perto, o atendente confirmou o fato. Foi a ‘deixa’ que eu precisava. Naquele momento não encontrei a pessoa que fez o tweet e que julgava mais ‘crível’. Então, fui diretamente à sala da diretoria do centro de compras, onde falei com um tenso representante.
Repetindo as palavras da assessoria (parecidas até demais), ele negou veementemente o fato, dizendo que tudo não passava de boato. Voltei à livraria, já sob olhares da equipe de segurança do shopping, para tentar falar com mais pessoas. Muitos confirmaram o incidente, mas, por algum receio, não quiseram se identificar – talvez por medo de algum processo contra algo que não podiam provar. Mais tarde, já na redação, voltei ao Twitter e busquei, entre os followers da fonte que citou o tremor, algum conhecido dele que também fosse conhecido meu. Achei. Liguei e obtive o número do celular da ‘fonte principal’.
Liguei, conversei com ele e tudo o que fora colocado no Twitter minutos antes foi confirmado. Ele, um psicólogo, permitiu a publicação de seu nome, sobrenome, idade e todo o relato. Além disso, ainda me deu o telefone de outra pessoa que estava no local e também sentira o tremor – e que, do mesmo modo, permitiu a publicação de seus dados e relato. Era o que eu precisava para ter uma notícia, já que alguém, devidamente identificado, confirmava o incidente.
Fiz a matéria com os dois lados: as fontes que confirmavam, o shopping que negava e fui além – com ajuda de um amigo jornalista do editor do plantão, checamos um site ligado a um órgão científico dos EUA que monitora abalos sísmicos em todo o continente americano, onde observamos que o único abalo registrado havia acontecido nas últimas semanas, mas apenas na região da Cordilheira dos Andes. Consultamos ainda o escritório regional do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), mas ninguém havia atendido aquele horário (já por volta das 21h30 de sábado).
Negaram até onde puderam
Antes da publicação da matéria, exatamente às 22h21 do dia 18 de setembro de 2010, o próprio dono do grupo de comunicação a que pertence o portal de notícias onde trabalho fez questão de falar comigo ao telefone para saber se eu havia checado todas as informações. O receio dele era que o veículo perdesse credibilidade com a publicação de ‘um boato’. Expliquei, então, que não mais havia um boato, já que uma fonte identificada afirmava o acontecido – e não anônimos.
O que seguiu no Twitter após a publicação se dividiu entre ‘agora acredito’ e ‘não acredito que publicaram boatos’, o que me fez escrever o artigo ‘Sobre boatos e notícias‘, aqui publicado no dia 19 de setembro – um dia após o incidente – e repercutido no Observatório da Imprensa no dia 28 do mesmo mês.
Fora a falta de profissionalismo da jornalista da assessoria de imprensa do shopping, o que fiquei me perguntando, durante minhas reflexões sobre o episódio, foi como uma profissional de comunicação do século 21 é capaz de ignorar o poder das redes sociais e a nova postura do leitor, que também passa a assumir o papel de emissor de informações. Falta de preparo? Resistência às mudanças da comunicação? Apego aos velhos manuais? Talvez.
O que sei é que, dias depois da minha matéria, uma rádio local fez uma entrevista ao vivo com um representante do mesmo centro de compras, que já admitia um tremor no local e explicava que ele tinha sido causado por uma grande máquina (não lembro mais o nome) que fazia um trabalho na área da laje do shopping, o que fez com que as pessoas realmente sentissem um tremor. Ou seja: negaram até onde puderam, deixaram a coisa correr solta e fora de controle e depois explicaram (ou tentaram) – quando deveriam ter feito isso imediatamente quando o assunto apareceu no Twitter.
Nessa hora, quem deu a risada sarcástica fui eu.
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Jornalista, redator, escritor e fotógrafo