Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa e o mea culpa do FMI

Os jornais trazem nas edições de quinta-feira (10/2) reportagens sobre o mea culpa do Fundo Monetário Internacional, divulgado no relatório de um escritório independente encarregado de avaliar as ações da instituição antes da eclosão da crise financeira global ocorrida em 2008.


No documento, o FMI admite ter subestimado os sinais da crise por causa de sua ‘governança débil’, de sua ojeriza a divergências e sua excessiva confiança na solidez e no tirocínio das grandes instituições financeiras.


O atual diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn, e outros dirigentes já haviam declarado que houve falhas na observação do cenário econômico entre 2004 e 2007, quando o cargo era ocupado pelo espanhol Rodrigo Rato. A principal falha, segundo o relatório, foi minimizar os riscos associados ao auge do setor imobiliário nos Estados Unidos, assim como negligenciar a necessidade de regulação mais robusta para enfrentar esses riscos.


Tudo isso num ambiente de gestão autoritária, que não admitia críticas ou dissidências.


Aide-mémoire


O documento não se estende na análise das raízes dessas distorções que dominaram o período de Rodrigo Rato à frente da instituição, mas traz informações suficientes para revelar que, sob seu comando centralizador, funcionários do FMI ‘ficavam desconfortáveis em desafiar visões de autoridades de economias avançadas em temas regulatórios e monetários’. Da mesma forma como eram vulneráveis a pressões dos países mais poderosos, manifestavam grande preferência por vigiar e punir as economias menos desenvolvidas.


O que os jornais não apresentam é uma explicação sobre a matriz, a causa central dessas distorções, assim como não reconhecem que a imprensa brasileira também foi subserviente aos ditames do FMI, mesmo quando havia sinais de que suas avaliações sobre a economia do país apontavam para medidas que consistiam em aumentar os sacrifícios dos mais pobres.


Quem não se lembra da arrogância das intervenções nos assuntos internos do Brasil durante o final dos anos 1990 e começo dos anos 2000? E quem esquece que os jornais brasileiros não apenas apoiavam essas intervenções como também ignoraram os sinais da crise que se aproximava?


Tinha um rato na despensa?


Não se trata apenas de erros de avaliação. O que a imprensa brasileira está omitindo a respeito do período em que Rodrigo Rato foi diretor-gerente do FMI é que ele era apresentado como o ideal do executivo financeiro: extremamente técnico, avesso a influências ideológicas e adepto sem restrições do credo liberal.


Acontece que Rato nunca teve esse perfil. Trata-se de um ex-executivo do Banco Santander criado sob o manto obscuro da ditadura de Francisco Franco na Espanha, ligado à Opus Dei. Militante da extrema-direita espanhola, ele foi o ministro da Economia durante o governo Aznar, quando desmantelou o sistema de defesa social e previdência pública, criando as fragilidades que hoje agravam os efeitos do desemprego naquele país.


Além disso, enquanto fez parte do governo espanhol, ele apoiou as políticas de submissão do Estado à igreja católica, com a obrigatoriedade das aulas de religião nas escolas secundárias, com uma carga horária superior às de matemática.


Com esse perfil, ao assumir a direção do FMI tornou-se o herói intocável da imprensa brasileira e latino-americana, que, de maneira geral, tem uma irresistível vocação para a vassalagem.


Só espuma


Mas não é nesse ponto que se encontra a principal omissão do noticiário sobre o mea culpa do Fundo Monetário Internacional. Os jornais também esquecem que o Banco Santander esteve envolvido na fraude gigantesca conhecida como ‘esquema Maddoff’.


Para refrescar a memória dos editores, basta lembrar que o Santander expôs aos riscos da pirâmide financeira de Bernard Maddoff nada menos do que 2,3 bilhões de euros de seus clientes. Basta isso para imaginar que a omissão do FMI rendeu grandes lucros a alguns especuladores.


E o que tem Rodrigo Rato a ver com isso?


Rodrigo Rato tem sua carreira como executivo e político umbilicalmente ligada à do controlador do maior banco espanhol. Deveria bastar isso para suscitar a curiosidade jornalística.


Ao dar repercussão às análises sobre a suposta incompetência do FMI, a imprensa deveria ir além: deveria suspeitar de tamanha desqualificação, porque ninguém chega a diretor-gerente do FMI sem as qualidades para isso.


O que os jornais publicam na quinta-feira (10) é apenas a espuma.