Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Temos um grande e complicado problema a resolver

(Foto: Pixabay)

Não é nenhum exagero dizer que o crescimento vertiginoso das redes sociais na internet é talvez o maior desafio colocado diante da sociedade contemporânea. Alguns dirão que ele não supera a questão da desigualdade econômica, da nova guerra fria entre EUA e China, da tragédia ambiental ou da polarização ideológica. Mas a realidade é que todos estes problemas acabam incorporados à agenda dos usuários das redes sociais, espaço sem leis, pelo menos até agora.

Regular ou não regular, eis o dilema. Não é uma questão simples, que pode ser resolvida na base da canetada, porque envolve um grande número de variáveis, desde tecnologia, comunicação e economia até psicologia e ciências da cognição. Mas, ao que tudo indica, a solução pode começar pelo lado financeiro, ou seja, o lucro auferido pelas grandes redes sociais não pode ficar só com quem as administra.

Empresas como Facebook e Google se tornaram verdadeiras minas de ouro porque não pagam pela matéria prima usada nos seus respectivos negócios (os dados deixados por seus usuários), cobram fortunas pela venda de informações processadas a partir destes mesmos dados, e se negam a pagar taxas ou impostos alegando que apenas distribuem o que é deixado gratuitamente por quem as acessa. Mas a questão financeira é talvez a menor entre todos os desafios que as redes sociais colocam para a nossa sociedade.

Temos um problema econômico grave gerado pela concentração de poder financeiro nas mãos de um reduzido grupo de plataformas digitais que passaram a faturar bilhões de dólares com publicidade e venda de informações. Está surgindo um monstro empresarial com várias cabeças. Uma delas, a Meta, dona do Facebook, faturou bruto no terceiro trimestre de nada menos que 29 bilhões de dólares com um lucro líquido de US $ 9,1 bilhões, 35% a mais do que no ano anterior. O conglomerado Alphabet, dono da empresa Google, faturou no ano passado, 76 bilhões de dólares, 88% a mais do que em 2021. Trata-se de uma concentração de poder econômico cujo crescimento não tem paralelo na história da humanidade.

A “guerra da cognição” nas redes

A força econômica das big techs tem prolongamentos políticos porque as redes ocupam hoje um papel decisivo no condicionamento das tomadas de decisões por parte dos seus usuários. Elas formam hoje uma mega arena político/ideológica fundamental na definição de eleições e grandes movimentos sociais. Não é por acaso que a extrema direita mundial transformou as redes sociais na sua ferramenta preferencial ao explorar novos comportamentos sociais surgidos a partir da interatividade virtual. O sensacionalismo noticioso, as fake news, a desinformação e o discurso do ódio passaram a fazer parte do ambiente político com consequências trágicas para o sistema democrático.

A estratégia comunicacional da extrema direita na internet aumentou a importância da chamada “guerra da cognição” cujo principal objetivo é o controle do processo mental de tomada decisões de todos os tipos. É um processo que poderia ser definido como maquiavélico porque procura definir eventuais conflitos antes que eles aconteçam e sem que os envolvidos se deem conta. O front da “guerra cognitiva” é a internet porque o resultado da “guerra das notícias” depende de fluxos amazônicos de dados, fatos, eventos e ideias, capazes de inibir a capacidade das pessoas de refletir sobre o que está acontecendo.

E como se tudo isto não bastasse para convencer a todos da necessidade de frear este processo caótico de crescimento das redes sociais virtuais ainda temos o fenômeno do chamado “colonialismo de dados”. As grandes redes sociais, junto com grandes bancos de dados, acumulam um volume incomensurável de informações que obviamente são usadas segundo os interesses dos grandes players da economia planetária. É a versão eletrônica do velho colonialismo comercial e político que vigorou no Brasil até a nossa independência em 1822, por meio do qual uma nação mais poderosa extrai de outra mais fraca uma matéria prima que depois rende lucros enormes apenas para o país dominante.

O caso TikTok

As redes sociais virtuais se tornaram tão importantes que a própria guerra ideológica entre capitalismo e socialismo se deslocou para dentro do espaço cibernético, como mostra a batalha jurídico/político/econômica nos Estados Unidos em torno da rede chinesa TikTok, hoje com mais de um bilhão de usuários. O governo dos Estados Unidos teme que a TikTok possa transmitir dados de usuários norte-americanos para os serviços chineses de inteligência, algo que ainda não se comprovou. Mas é um medo suficiente para realimentar o fantasma do comunismo, agora em versão cibernética.

O conjunto destes fatores mostra que o laissez faire no espaço digital ocupado pelas redes sociais de todos os tipos e nacionalidades deve ser regulado para evitar o descontrole, abusos e caos. Não pode ser uma normatização tipo camisa de força porque ela não conseguiria parar o dinamismo da inovação tecnológica digital. A questão chave, que nem as empresas e nem os governos tocam a fundo, é a da redistribuição dos lucros das redes para os seus usuários. Esta redistribuição é mais do que justa porque afinal, os dados que alimentam a riqueza bilionária do Facebook e Google foram cedidos de graça por quem fez buscas na Web ou trocou mensagens com amigos ou empresas.

Os jornalistas e produtores artísticos estão entre os que são levados a ceder seu trabalho às redes sociais sem qualquer pagamento, ou mediante uma remuneração mínima comparada ao faturamento de Google, Facebook, Instagram, Youtube e TikTok com anúncios publicados ao lado de notícias, vídeo, fotos e textos. Não será fácil resolver o problema da regulamentação do funcionamento das redes sociais virtuais. Os milhões de interessados diretos, os usuários, estão fragmentados e espalhados pelo mundo, enquanto as redes são menos de 20 e dispõem de um enorme poder tanto financeiro como político.

***

Carlos Castilho é é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.