Na quarta-feira (2/2), os egípcios voltaram a ter acesso à internet. Foram cinco dias praticamente sem acesso à rede. A falta de Facebook, Twitter e outras redes sociais, no entanto, não impediu a população de ir às ruas. O uso dos meios digitais, portanto, foi supervalorizado?
Não.
É justamente o contrário: nenhum movimento político popular foi tão dependente da internet quanto a tentativa de revolução que corre no Egito.
(Até o fechamento desta coluna, na noite de sexta-feira dia 4, Hosni Mubarak seguia na presidência e o povo não arredava das ruas.)
Construção dos planos
Revoluções populares são complexas. Ainda mais quando surgem num repente sem líder determinado e objetivo claro por seguir. São também contagiosas. Quanto mais gente sai à rua num dia, maior será o número no dia seguinte. Todos comungam da impressão de que agora vai. O ditador pode descer com as forças de repressão – o Exército, a polícia secreta. Mas Mubarak não tem pleno controle destes. Tudo vira um teste de quem pisca primeiro.
Quando o movimento já estava nas ruas, não era preciso mais ter internet. O contágio social se dava pela televisão ou pela janela com vista para a multidão lá fora. Aí é fácil. O difícil, numa ditadura, é encontrar uma brecha para falar da insatisfação quando ainda não está claro se é seguro ou não conversar sobre o assunto.
É aí que entrou o Facebook.
Em 6 de abril de 2008, os trabalhadores egípcios ensaiaram uma greve geral reclamando dos aumentos excessivos dos preços dos alimentos. Greves são ilegais por lá. O movimento teve sucesso apenas parcial e a polícia foi em peso para as ruas. Os protestos foram parcos. Mas, provocados pelo tema, um grupo de jovens começou a debatê-lo no Facebook. É ali que tudo começou.
O diplomata Mohamed ElBaradei foi um dos primeiros a descobrir esse movimento incipiente. Gastou tempo para dominar as mídias sociais e ouvir o que seus jovens compatriotas diziam. E é por isso que terminou apontado como um dos líderes de consenso possíveis para a revolução.
Líderes mesmo, no entanto, são pessoas como a blogueira Nawara Negm, 37 anos. No dia a dia, ela trabalha como tradutora na TV estatal egípcia. Mas, na internet, onde é mais conhecida, o seu é um dos blogs mais lidos do país. E ela é uma das que mais se empenhou na revolta em curso.
Se parece improvisada, não foi. A jornalista Sawsan Al-Abtah, que escreve na imprensa árabe britânica, acompanhou o processo. Ela descreve como, na rede, a turma planejou. Traçaram cenários, discutiram mapas e caminhos pelas ruas, debateram abordagens, exigências. Havia um plano.
Acordo político
Os responsáveis pelo levante conheceram-se no Facebook, inspiraram-se por blogs, mas usaram meios mais discretos para seu projeto. E-mail, até encontros pessoais. A internet serviu para que as pessoas se encontrassem, mas não está escrito em nenhum lugar que, depois do encontro, o movimento precise continuar virtual.
Foi mais importante do que apenas o lugar do encontro. A rede inspirou. Conversando livremente, uma geração que jamais soube o que é liberdade plena criou na web um Egito paralelo, virtual. E encantou-se com essa ideia.
Nos primeiros dias da revolta, enquanto políticos e comentaristas debatiam o assunto na TV árabe, a blogueira Negm postou: ‘Eles não estão entendendo a gente.’
Não estavam mesmo.
A revolução egípcia começou na internet. Deve terminar com um acordo político, seja entre os grupos de oposição, seja com Mubarak encabeçando. Mas este tem dono. É o levante do Facebook.