Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Os novos desafios do fotojornalismo diante dos avanços da inteligência artificial

(Foto: PublicDomainPictures / 17901 images/ Pixabay)

Ao se estudar o desenvolvimento da fotografia analógica e digital, desde seus estágios iniciais até sua forma atual, e também observando o impacto da fotografia digital no fotojornalismo, que nos permitiu uma transmissão mais rápida e eficiente na utilização das imagens, nos possibilitando enfatizar a importância da fotografia na comunicação visual e na reportagem noticiosa, chegamos à conclusão que a crise instaurada nesse segmento é muito grande.

A fotografia, por possuir uma linguagem universal, pode ser subdividida em categorias que, dependendo da forma que for usada, poderá atender diversos grupos distintos de fotógrafos, desde uma imagem do cotidiano, sem pretensões artísticas ou jornalísticas, até as fotografias mais técnicas, voltadas aos meios industrial, empresarial, religioso ou de documentação, entre outras variáveis. Todas possuem significado importante para quem as faz e para quem as recebe, sempre cumprindo sua missão que é de se aproximar ao máximo do registro real. Portanto, “a fotografia encanta por suas diversas possibilidades de comunicação e reinvenções e, ao mesmo tempo, por sua modernidade” (OLIVEIRA, 2014, p.3), acolhendo e se reinventando a cada dia. 

Com a evolução dos dispositivos digitais, desde a primeira câmera digital desenvolvida por Steve Sasson, engenheiro da Eastman Kodak e a imagem tinha apenas 10.000 pixels. Embora a Kodak tenha se antecipado no desenvolvimento da fotografia digital, a empresa jamais apostou suas fichas nesse mercado, concentrando-se no modelo de negócios conhecido e de total domínio, que era a fotografia analógica, o que acabou por comprometer todos os negócios da empresa, com fechamento de fabricas por todo o mundo.

Os concorrentes da empresa estadunidense agradeceram a falha na visão empresarial da Kodak e não perderam tempo, “no ano seguinte foi alcançado um outro marco na história da fotografia digital quando Bryce Bayer inventou o Bayer Color Filter Array (Padrão Bayer), que permitiu que um sensor registrasse imagens a cor” (IPF, 2017, online). O padrão Bayer é utilizado até hoje nas principais câmeras fotográficas digitais e baseia-se nas cores primárias (vermelho, verde e azul), que são distribuídos por uma malha de minúsculos filtros por cima de um sensor.

Os esforços das indústrias para o desenvolvimento de uma máquina fotográfica digital para atender o mercado fotográfico e, principalmente, o mercado profissional exigente como o publicitário e o jornalístico, só começam a ganhar forma a partir do desenvolvimento de uma câmera em 1981, por uma equipe de cientistas da University of Calgary Canada. Foi designada All Sky e desenvolvida para fotografar auroras boreais e recorria a um sensor CCD da Fairchild de 100 x 100 pixels.” (IPF, 2017, Online).

No mesmo ano, a Sony desenvolveu a primeira versão da Mavica (abreviatura de Magnetic Video Camera), mas nenhuma dessas câmeras atendiam o mercado jornalístico, por registrar imagens com 0.72 megapixels e armazenava até 50 imagens em um disquete, especificação muita baixa para uma fotografia jornalística.

Em 1984, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, a Canon em parceria com o jornal japonês Yomiuri Shimbun, apresentou um processo de transmissão de fotografias via telefone dos Estados Unidos para o Japão, mas as fotografias só tinham cerca de 0,4 megapixels.

A Kodak, por sua vez, em 1986, desenvolveu um sensor com mais de 1 megapixel, o que possibilitou armazenar imagens com 1,4 megapixeis. Em 1988, a Fujifilm conseguiu desenvolver uma câmera que guardava informação num cartão de memória e essa revolução possibilitou o armazenamento de informações correspondente a entre cinco e dez fotografias.

Esse avanço foi significativo para o fotojornalismo, e a partir de anos 1990, a fotografia digital se desenvolvia com mais rapidez, visando atender o mercado jornalístico. A primeira câmera lançada pela Kodak (1991) esse sistema usava uma câmera analógica Nikon F-3 adaptada com um sensor CCD de 1.3 megapixels, na sequência é lançada a “Nikon D1, uma câmera fotográfica reflex digital (DSLR), com sensor de 2.7 megapixels e permitia a utilização de toda a linha de objetivos F-mount da Nikon” (IPF,2017, Online). Essa máquina teve uma ótima aceitação pelos fotojornalistas, porque o corpo da câmera era semelhante ao da câmera analógica modelo F5, que já estava no mercado a alguns anos, o que proporcionava a familiarização pelos profissionais, mas ainda era uma resolução muito baixa para ser usada no dia a dia do fotojornalismo.

A partir dos anos 2000, veio o golpe de misericórdia no processo analógico, quando a japonesa Canon lançou a EOSD30, com um sensor de 8.2 megapixels; com um corpo pequeno, ela veio para fisgar de vez o mercado amador. Ainda dispunha do modo automático para fotografar e o fotojornalismo acabou ganhando uma câmera digna para as grandes reportagens, capaz de exibir toda a sua capacidade de transmitir informações. Essas informações podem ser passadas, com beleza, pelo simples enquadramento que o fotógrafo tem a possibilidade de fazer. E na verdade, o que o fotógrafo muitas vezes faz é transformar uma notícia visualmente agradável ou importante num grande acontecimento. Nada acontece hoje nas comunicações impressas sem o endosso da fotografia. (LIMA, 1989, p. 11)

Com a consolidação da fotografia digital a partir dos anos 2000, começaram a surgir softwares que facilitaram a utilização de tratamento de imagens, transmissão e postagem de fotografias direto dos smartphones para as redes sociais.

Toda essa revolução tecnológica passou a ser absorvida em tempo muito curto por todos que necessitam trabalhar com o fotojornalismo, desde uma pauta simples até uma pauta mais complexa e trabalhada o profissional necessita de conhecimentos tecnológicos e não só jornalístico, já que essa habilidade deve fazer parte do mercado transmidiático.

A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros.

A cada dia que passa, essa tendência ocupa as redações e o mercado de comunicação, desde a produção de uma fotografia, um vídeo jornalístico ou institucional.

Portanto, fazer uso das tecnologias nos possibilita a produção de produtos interativos e transmidiáticos, que são essenciais nos programas multidisciplinares dos cursos de jornalismo e nos cursos de comunicação, já que os estudantes são consumidores ávidos dessas ferramentas, que agilizam a produção de conteúdo para os meios de comunicação.

Possibilitar software livre e principalmente aqueles que façam parte de algum pacote instalado que acompanhe o computador de fábrica, são facilitadores que agilizam essa disseminação de conteúdos importantes para a comunicação jornalística.

Para pensar no documentário transmídia é necessário antes resgatar o documentário interativo, suas limitações e possibilidades, assim como os métodos existentes para sua produção. Esse resgate se justifica pela familiaridade existente entre os dois modelos de documentários.

O primeiro, interativo, propõe a oferta de conteúdos expansíveis e navegáveis, assim como uma participação – ainda que limitada – na reconstrução narrativa. O segundo, transmídia, tem as mesmas propostas, mas também apresenta a multiplicidade de plataformas de linguagem e uma diversidade de mensagens independentes entre si, mas relacionadas uma com a outra. Nesse aspecto, também entram estruturas narrativas que proporcionam uma melhor circulação da obra por redes sociais. 

A cada dia que se passa, o jornalismo tende a ser mais colaborativo e participativo, “aceitar suas transformações como processo de aprendizagem e suas práticas sociais, seus efeitos políticos, culturais e tecnológicos são fatores importantes que merecem ser analisados e compartilhados” (OLIVEIRA, 2014, p.97), com toda sua essência, cabendo ao profissional do jornalismo a zeladoria, organização e o respeito aos preceitos éticos da informação.

Apoiado em teorias que debatem a globalização em suas mais diversas faces, procurou-se compreender em que medida os avanços tecnológicos contribuíram para uma perda da noção de espaço. Por meio de programas como Google Earth, Photosynthe as imagens em 360 graus, RA – Realidade Aumentada, o conceito de desterritorialização do espaço-tempo é passível de percepção através das imagens fotográficas, assim como no passado vivemos a grande transformação de valores imagéticos e comunicacionais, principalmente no campo do jornalismo, onde procuramos formas e meios para sobreviver à avalanche tecnológica de nossos tempos. (OLIVEIRA, 2014, p. 95-107)

Aqueles que não compreenderem os novos compromissos que o fotojornalismo têm nesse momento de transição e desenvolverem habilidades, para gerir a nova forma de informar por meio de imagens, acabarão nas trevas da informação.

Não há mais espaço para profissionais que ficam a choramingar os avanços da fotografia digital e suas transformações no mercado editorial e tecnológico, “a capacidade de auto-organização é espontânea e praticamente imediata” (OLIVEIRA, 2014, p. 97).

O fotojornalismo moderno necessita de profissionais que entendam os “conflitos entre as formas emancipadas que surgiram na sociedade e puderam proliferar nas redes digitais, em uma economia crescentemente baseada em bens imateriais e intangíveis.” (SILVEIRA,PRETTO, 2008, p. 08), e participem de forma empreendedora e criativa para o bem comum da fotografia e do fotojornalismo.

O poder, a cultura, a educação e as formas de distribuição de riqueza foram atentamente observadas por ativistas e pesquisadores dos fenômenos contemporâneos, deixando claro, como pode ser visto nos textos, a impossibilidade do poder existir longe das tecnologias, demandando de todos uma mudança no olhar sobre as novas dependências, sobre o que está em jogo nas redes de informação. Por isso, as tecnologias da informação e da comunicação foram avaliadas em suas dimensões mais importantes. As explicações nascidas da matriz do pensamento único, a qual procura esconder suas determinações histórico-sociais sob o discurso de uma racionalidade neutra, foram confrontadas com aquelas que pretendem dar transparência aos processos e politizar o debate sobre tais dimensões tecnológicas e sobre as históricas relações entre a ciência, o capital e o poder. (SILVEIRA, PRETTO, 2008, p. 8)

O mundo mudou e o fotojornalismo, como ferramenta de consumo e de informação, está sempre na vanguarda da comunicação, pronto para acompanhar todos os seguimentos da sociedade, capturando, denunciando e se reinventando, “como na mitologia, a fotografia analógica pode ser comparada a uma fênix que renasce das cinzas em busca da eternidade, obrigando-nos a traçar uma releitura sobre fatos históricos” (OLIVEIRA, 2014, p. 96), e esse, também, é o caminho da fotografia digital.

A fotografia, mais uma vez, nos ensina um código visual transformado e ampliado, de acordo com nossos conceitos culturais e de observação, construindo-se, dessa forma, uma cultura visual embasada na ética e na estética. O registro fotográfico sinaliza a existência de determinados cenários socioculturais, econômicos e políticos, podendo refletir essa ou aquela ideologia. (OLIVEIRA, 2014, p. 105)

O fotojornalismo avança na busca de uma sociedade convergente e igualitária, livre das amarras retrógradas e arcaicas daqueles que tentam calar o jornalismo e os jornalistas, pois somos verdadeiros pelo direito de informar e amantes da liberdade de expressão.

Com todos esses argumentos, percebemos que a fotografia e, principalmente, o fotojornalismo mais uma vez enfrentam novos desafios dentro os quais não podemos deixar passar a preocupação com as fotografias gerada por inteligência artificial (IA). Recentemente uma foto foi vencedora do concurso fotográfico da empresa de eletrônicos DigiDirect, no início de 2023, e representou um marco significativo no avanço da tecnologia de IA. A capacidade da IA de criar imagens realistas e artisticamente agradáveis pode ter um impacto profundo na indústria da fotografia, especialmente em áreas como publicidade e marketing.

No entanto, é importante lembrar que a criação de arte por inteligência artificial ainda é um tópico controverso. Algumas pessoas argumentam que a arte é um produto exclusivo da criatividade humana e que a IA não pode replicar a profundidade emocional e o contexto cultural que muitas vezes estão envolvidos na criação artística “Cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do fluxo midiático e transformados em recursos através dos quais compreendemos nossa vida cotidiana.” (JENKINS,2008, p. 30)

Por outro lado, defensores da criação de arte por IA afirmam que a tecnologia pode ser uma ferramenta poderosa para a expressão artística e que os algoritmos de IA podem ser treinados para incorporar os valores humanos e culturais.

Independentemente das opiniões pessoais sobre a criação de arte por IA, é inegável que a tecnologia está evoluindo rapidamente e pode continuar a desempenhar um papel cada vez mais importante na indústria da fotografia e na arte em geral.

[…] quem precisa dos fotojornalistas e dos filtros a que estão submetidos? Será que estamos frente ao desaparecimento da neutralidade objetiva da fotografia outorgada pelos meios de comunicação? Ou estamos enfrentando algo novo que vai além do real fotográfico, estamos diante da contestação incontestável da subjetividade, que somado ao conjunto é a realidade em si mesma. (MARZO, 2006, p. 8).

Portanto, “questionar a neutralidade e a objetividade do fotojornalismo, para justificar e amarrar um pensamento, sem conhecermos detalhes das coberturas, ou mesmo, em qual contexto” (OLIVEIRA, 2020, p.02) é no mínimo inconsistente e errôneo, podendo se criar falsas análises do pensamento original.

Referências

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph,2012.

INSTITUTO Português de Fotografia. História da Fotografia Digital: uma Introdução. Lisboa: IPF- Instituto Português de Fotografia, 2017. Disponível em aqui. Acesso em: 20/07/2020.

KUDEKEN, Victoria Sayuri Freire dos Santos., Os Princípios da Narrativa Transmídia nas Produções de Batman. São Paulo: Revista Anagrama, Ano 8 – Edição 2 – Jul.-Dez. 2014.

LIMA, Ivan. Fotojornalismo brasileiro: realidade e linguagem. Rio de Janeiro: Fotografia Brasileira, 1989.

MARZO, Jorge Luis (Org.). Fotografia y activismo. Barcelona: Gustavo Gili, 2006.

OLIVEIRA, Erivam Morais de. Da fotografia analógica à ascensão da fotografia digital. Covilhã –Portugal, BOCC-BibliotecaOnline de Ciências da Comunicação da Universidade da Beira Interior, 2006. Disponível em: www.bocc.ubi.pt. Acesso em: 29 de março de 2023.

OLIVEIRA, Erivam Morais de. As Tecnologias como Suporte de (In) Formação: o Compartilhamento de Imagens como Ferramenta de Comunicação. In: ORMANEZE, Fabiano; RODRIGUES, Rogério Eduardo. Reflexões para o ensino de jornalismo no Brasil: algumas abordagens. Fórum Nacional de Professores de Jornalismo. Campinas: 2014.

RENNÓ, Rosângela. Rosângela Rennó. Série artistas da USP n.15. SãoPaulo: Edusp, 1997.

PRETTO, NL., and SILVEIRA, SA., orgs. Além das redes de colaboração: internet, diversidade cultural e tecnologias do poder. (online). Salvador: EDUFBA, 2008.

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Erivam Morais de Oliveira é mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, com especialização em Teoria da Comunicação Social pela Cásper Líbero, graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela FIAM. É professor do Curso de jornalismo da ESPM-SP, ex-membro da Comissão de Ética da ARFOC – Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos no Estado de São Paulo; vice-secretário geral e ex-Presidente da ABEJ – Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo; e ex-Membro do Conselho Deliberativo da SOCICOM – Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação, autor de vários artigos e do livro “Fotojornalismo – uma viagem entre o analógico e o digital”, São Paulo, Cengage, 2009