A Agência Pública está entre os órgãos de imprensa que pediram acesso às imagens externas e internas produzidas durante a invasão de golpistas ao Palácio do Planalto. Primeiro, para a Secom, que falava pelo GSI, depois, diretamente ao STF via Lei de Acesso à Informação (LAI) que negou o pedido com base em uma resolução administrativa, contrariando a legislação.
O governo, que já havia garantido acesso privilegiado à Rede Globo de parte das gravações da tentativa de golpe de 8 de janeiro, divulgou uma versão editada das imagens no dia 15 de janeiro – mais uma vez primeiro para a Globo, antes que toda a imprensa tivesse acesso. No caso da Pública, fizemos questão de colocar essas imagens na íntegra no YouTube – infelizmente sem as gravações obtidas pela CNN que já não constavam da edição do governo e, em fevereiro, foram colocadas em sigilo pelo GSI.
Não sabemos até o momento se o presidente Lula havia visto ou não essas imagens. Reportagens em off – muitas – chegaram a dizer que o presidente pediu as gravações do terceiro andar do Planalto e não foi atendido pelo GSI, o que Gonçalves Dias nega. Uma afirmação grave demais para ser sustentada apenas por declarações sem identificação da fonte.
O fato é que a falta de transparência do governo acabou se voltando contra o próprio Planalto – por uma manobra bolsonarista (infelizmente com apoio de parte da imprensa) alimentam-se narrativas que pretendem responsabilizar o governo – que sofria o golpe – de ter contribuído para a depredação. Uma história que ainda está nos primeiros capítulos a se confirmar a abertura da CPMI – a princípio favorável ao governo, que não investiu na investigação do Congresso após os atos golpistas e agora se vê arrastado pela oposição. Ou seja, errou mais uma vez.
Não há como promover o debate público negando acesso à informação com a intenção de fazer prevalecer uma narrativa conveniente dos fatos. Uma política de comunicação realmente democrática ainda está por ser implementada – não se consolidou nem mesmo nos governos anteriores do PT em que pese a gigantesca diferença de tratamento à imprensa em comparação ao governo Bolsonaro.
Da parte da imprensa, também se espera transparência. Versões editadas com minutos de duração não são confiáveis quando se tem 160 horas de gravação (segundo o que divulgou a CNN) e os interesses políticos são tão agudos. Não por outro motivo, os vazamentos do Wikileaks sempre se destinavam a mais de um veículo em cada um dos países que tinham acesso aos documentos; é mais difícil selecionar o que se vai publicar quando concorrentes têm acesso ao mesmo material. A exclusividade pode ser uma vantagem comercial ou política, mas não rima com informação pública de qualidade.
Fica o convite: que tal seguir o exemplo da Agência Pública e colocar esse material na íntegra online depois das reportagens publicadas?
Responsabilidade, colegas. Historinhas tiradas da cartola (bolsonarista) – como faz a Folha ao ressuscitar o caso Adélio -, revelações definitivas em off e resumos apressados de um capítulo fundamental para a democracia não contribuem para a credibilidade da imprensa nem para a transparência pública, direito primordial dos cidadãos que governos e imprensa têm que respeitar.
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Marina Amaral é jornalista e diretora executiva da Agência Pública; o artigo acima foi distribuído em newsletter da Agência