Conta-se que Mark Twain, um dos grandes escritores americanos, convocou uma entrevista logo depois que um grande jornal informou que ele havia morrido. Seu comentário: ‘Parece-me que as notícias sobre a minha morte são manifestamente exageradas’.
É uma de suas frases mais difundidas. E o motivo é o mesmo: falha humana. Ou a notícia é mal interpretada ou o repórter não tem a menor idéia de com quem está falando. Certa vez, uma agência noticiosa, por engano, liberou o obituário do papa Paulo 6º, bem antes de sua morte. Um excelente apresentador de uma emissora de rádio de grande audiência recebeu o telegrama e interrompeu o programa para anunciar o falecimento. Corrigido pouco depois, lançou sua frase imortal: ‘Lamentamos informar que o papa ainda não morreu’.
O mais grave, entretanto, é o erro por desconhecimento. Excetuando-se emergências, é razoável esperar que o repórter saiba com quem conversa. Uma vez, uma jornalista entrevistou o diretor Jayme Monjardim, filho de Maysa, uma das maiores cantoras do país. Ele se referiu à mãe, a repórter perguntou quem era, ele disse que era Maysa, ela perguntou quem era. Finalmente, coroando sua obra, pediu a ele que lhe desse o telefone de Maysa, porque gostaria de entrevistá-la. Teria sido uma iniciativa louvável, se Maysa não tivesse morrido num acidente de automóvel mais de dez anos antes.
A história se repete: numa entrevista com o ator Lúcio Mauro Filho, a repórter se referiu a seu pai, Lúcio Mauro, como se estivesse morto. Como no caso de Mark Twain, as notícias sobre a morte de Lúcio Mauro eram manifestamente exageradas. Pior foi a justificativa: o texto que a repórter lia, explicou, a induzia a erro. Ou seja, ela também não tinha a menor idéia do que estava tratando.
Os economistas banalizaram a expressão ‘lição de casa’ e a transformaram num chavão. Mas há casos em que a lição de casa tem de ser feita: quando se vai entrevistar alguém, por exemplo. Matar os vivos é crime, ressuscitar os mortos é milagre. E jornalismo, embora seja às vezes um crime ou um milagre, a rigor não tem nada a ver com isso.
A morbidez no ar
OK, sempre que há um acidente na rua o trânsito flui devagar, com muitos motoristas reduzindo a velocidade para ver se vê alguma cabeça quebrada, algum sangue jorrando, algum último suspiro. Mas pensar que é isso que o público dos meios de comunicação está querendo é um equívoco: os jornais do tipo que se espremer sai sangue fecharam ou migraram para áreas menos mórbidas, programas de TV que se especializaram em mostrar mortos fazem algum sucesso mas logo perdem audiência.
Pior é quando a quality media tenta virar sanguinolenta. Não funciona. Cansa. Plantões à porta de hospitais, registro minucioso de quem vai visitar doentes famosos, imagens frequentemente montadas (e logo desmentidas pelos fatos, como aquela famosa foto do presidente Tancredo Neves sorridente, no hospital), tudo isso é antijornalismo. Diferentemente do que se diz, o slogan do New York Times não é ‘todas as notícias devem ser publicadas’, mas ‘todas as notícias que devem ser publicadas’.
E, claro, a troca de favores, a promessa de holofotes, a guerra pela primazia têm como vítima o doente. Ele precisa de tranquilidade, de um ambiente livre ao máximo de germes, de prioridade absoluta para o horário dos medicamentos. E encontra multidões de políticos, fotógrafos, repórteres, cinegrafistas, todos com as roupas que usavam na rua, com equipamentos não-esterilizados. Por mais que todos se comportem, há um burburinho que incomoda não apenas o doente famoso, mas sua família; e também outros doentes na UTI e respectivas famílias.
E tudo é tão desnecessário! Uma banquinha, de preferência do lado de fora do hospital, pode receber os votos de melhora de quem tenha ido visitar o paciente. Não haverá fotos, nem filmagens do doente – mas quem disse que isso é necessário? Que o plantão e suas cenas de jornalismo explícito fiquem alertas, numa sala confortável, com ar condicionado, água, o que for necessário; e a garantia de que, se algo ocorrer, eles serão os primeiros a ser avisados.
Não, não é difícil. É tecnicamente correto. E é, principalmente, humano.
Imprensa boazinha 1
Os meios de comunicação publicaram como boa notícia a compra de novos equipamentos para a Polícia Científica de São Paulo. É realmente uma boa notícia. Mas a imprensa deixou de fora algo que poderia enriquecer muito o noticiário: há mais de dez anos, havia um computador na polícia capaz de identificar e classificar impressões digitais. Hoje não há mais. Por quê?
Imprensa boazinha 2
Aparentemente, ninguém notou que, nos cortes de despesas anunciados pelo governo, as mastodônticas verbas de publicidade continuaram intactas.
A grande baixa
Certa vez, num artigo, ele perguntou por que os suíços que visitavam o Rio jogavam maços vazios de cigarros no chão e os cariocas que visitavam a Suíça não jogavam nada no chão. Resposta óbvia (e chocante): porque lá tem polícia. Se não houver força que leve ao cumprimento da lei, a lei não será cumprida.
Outra vez, em outro artigo histórico, soltou uma informação-bomba: a de que o governo americano ia trocar o dólar tradicional, de desenho duas vezes centenário, por notas azuis. Ninguém perderia nada: bastaria apresentar no banco suas notas antigas para que o banco as substituísse por novas. Pânico no Brasil: como é que o pessoal faria para desentocar seus dólares ilegais e trocá-los?
A notícia, esclareceu ele logo no artigo seguinte, era falsa: visava apenas demonstrar que muita gente acima de qualquer suspeita não estava tão acima assim das suspeitas. E demonstrou.
Bela figura, Mauro Chaves. Elegante, educadíssimo, de texto primoroso, foi sempre um dos suportes de O Estado de S.Paulo. O jornalismo brasileiro perde muito com sua morte.
Mais uma baixa
Rocco Buonfiglio, o grande colega de tantas redações, um dos fundadores da Ajoesp, Associação dos Jornalistas de Economia de São Paulo, também se foi. Ótimo jornalista, Rocco foi também um grande boêmio – boêmio de classe, que levava os colegas para o João Sebastião Bar (onde havia uma cantora maravilhosa, baixinha, sensual, Claudette Soares), para o Jogral, de Luís Carlos Paraná, onde era fácil encontrar Chico Buarque, Adoniran Barbosa, Nara, Caetano, Gil, Tom Zé, o monumental Paulinho Vanzolini; e onde um mineiro tímido demais, levado pelo Luciano Ornelas, começa a se enturmar em São Paulo. Era Milton Nascimento.
E, com boêmia e tudo, Rocco ainda tinha fôlego para escrever sobre economia. Quantos jornalistas da área devem seu início de carreira a ele?
Torcida a favor
E há ainda o caso de Marcos de Sá Correa, o magnífico editor, repórter e articulista que conseguiu projetar-se numa área difícil, em que era sempre comparado a um dos grandes jornalistas políticos do país, seu pai, Villas-Boas Correa
Marcos levou um tombo em casa, bateu a cabeça e seu estado é grave. É torcer para que ele se recupere o mais rapidamente possível.
Deixa o homem descansar
Lula é uma estrela; sua presença na reunião do PT, em Brasília, foi o ponto alto do 31º aniversário do partido. Antes, sua visita ao Senegal foi um sucesso. Mas é preciso tomar um pouco de cuidado com os excessos de cobertura. Mandar a informação de que Lula, a bordo daqueles apertadíssimos aviões da Gol, numa viagem de aproximadamente uma hora e meia, estava lendo jornal, é meio muito. Pode até ser verdade, mas daqui a pouco vão noticiar cada piscada do ex-presidente.
Livro para não perder
Luís Carlos Cardoso foi um dos excelentes revisores que trabalhavam com o mestre Ruy Onaga na Visão. Era pouco para ele: talento múltiplo, foi crítico teatral de Visão – posto que já tinha sido do lendário Sábato Magaldi – e escreveu magníficas peças de teatro, editadas no livro Chefes e Poetas – o teatro de Luís Carlos Cardoso. Juca de Oliveira estrelou sua ‘Viva Olegário’, que ganhou o Prêmio Governador do Estado.
Luís Carlos Cardoso lança agora o romance Crime Improvável – uma delícia de livro, com toques de policial, muito humor, texto impecável. Comentário da crítica de teatro e escritora Regina Helena Paiva Ramos sobre Crime Improvável: ‘É um livro supimpa!’ Lançamento no dia 22/2, terça-feira, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, SP, a partir das 19h30.
Livro para acompanhar
O Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul prepara um livro com documentos sobre a luta para salvar a vida de mais de mil pessoas perseguidas pelas ditaduras do sul da América Latina. O livro está sendo elaborado por um grupo de professores e alunos de História e Arquivologia, sob orientação dos Arquivistas sem Fronteiras, de Barcelona, Espanha.
A História do MJDH – onde a esperança se refugiou promete histórias inéditas: a proteção da CIA americana a Leonel Brizola, quando teve de deixar o Uruguai; ou o nome dos professores universitários que denunciavam seus colegas à repressão. Tem tudo para ser bom. Vamos acompanhar.
Como…
De um grande jornal:
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‘Explosão após vazamento de gás deixa dois feridos em SP’A matéria continua com a informação de que não houve mortos. Em seguida, informa que uma pessoa morreu na frente do bar que explodiu, mas a morte não tinha relação com a explosão.
Se não tinha relação, por que entrou na notícia?
…é…
De um grande jornal regional:
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‘Ajudante morre após se afogar em lagoa’Este colunista é do tempo em que as pessoas morriam afogadas. Morrer depois de se afogar deve ser alguma coisa bem moderna.
…mesmo?
Do portal eletrônico de um grande jornal:
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‘MP investiga o que pode ter fortalecido as chuvas na serra’Chegou a hora da guerra comercial: terão as chuvas se fortalecido ao tomar Emulsão de Scott ou Biotônico Fontoura?
Mundo, mundo
Traficantes sem ideologia, normalmente militares que trocaram a farda pelo pó, e narcotraficantes ligados às Farc – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, estão disputando uma área importante para a produção e venda de cocaína. Na luta, em poucos dias morreram 13 pessoas.
Este pessoal deveria consultar o governo fluminense: aqui, os traficantes preferem deixar seus redutos sem combater – ou pelo menos é isso que sugerem os meios de comunicação.
Deve ser horrível viver num país em que as quadrilhas rivais de traficantes e a polícia se matam por causa das drogas, não é mesmo?
E eu com isso?
Com Tiririca na Câmara, com José Sarney no comando do Senado, está cada vez mais difícil selecionar noticiário frufru. As ‘notícias sérias’ dominam até mesmo essa área! Mas a gente se esforça:
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‘Hugh Jackman quase pisa no próprio cachorro’**
‘Gracyanne Barbosa volta a sambar com microvestido’**
‘Após um ano, Courtney Love paga dívida de que tinha com florista’**
‘Camelo é flagrado fazendo carinho em operário no Paquistão’**
‘Michelle esclarece se Obama está pintando ou não o cabelo’**
‘Após passar mal, Luan Santana vai parar no topo do Twitter’**
‘Nicole Bahls toma sol na praia com biquíni fluorescente’**
‘Cientistas desvendam segredo do salto da pulga’**
‘Rapper dá carro de R$ 676 mil a filho por melhorar na escola’Detalhe: o jovem não tem carta e não tem a idade mínima para obtê-la.
O grande título
Coisas boas nesta semana. Comecemos com um daqueles títulos que não couberam direito no espaço e acabaram socados lá, o que coube coube, o que não coube ficou fora:
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‘Do Peru: ‘pitbulls’ da Seleção Sub-20 impressiona nos desarmes’Mas há melhores. Como este:
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‘Indicada ao Oscar diz que se sente atraída pelo irmão’E pensar que, não faz muito tempo, irmã não queria nem dançar com o irmão!
E este:
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‘Lady Gaga diz que só gosta de ser chamada pelo nome de batismo na cama’Caso algum leitor desta coluna tenha a oportunidade de se aventurar, o nome de batismo da moça é Stefani Joanne Angelina Germanotta.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados