Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Demissão de André Borges, economia ou censura?

(Foto: Freedonmz)

Há algumas semanas, tanto a Globo como o jornal O Estado de S. Paulo anunciaram diversas demissões de profissionais. As empresas, como sempre, explicaram ter sido consequência de remanejamentos dentro das redações.

No chamado Estadão, de acordo com o Portal dos Jornalistas, haverá reorganização de editorias, criação de novas áreas e verticalização de funções.

Alertado pelo jornalista e escritor, Adelton Gonçalves, do grupo eXtadão dos que já trabalharam no jornal paulistano, fui ao editorial do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, onde além das demissões, havia uma preocupação adicional como mostra o título do texto ali publicado: “Estadão demite jornalistas e cria comitê para “supervisionar” conteúdo editorial”.

Realmente, há com o que se preocupar. Será uma espécie de censura dentro das redações do jornal, para acordar ou unificar os textos das diversas editorias com a linha de oposição ao governo Lula, um pouco além da direita, como se lê nas Notas e Informações? As reportagens terão de seguir ou ser adaptadas à linha política do jornal. Não acredito, seria absurdo, mas valeria uma explicação da direção do jornal.

Essa preocupação não é só minha! Transcrevo a inquietação do Sindicato diante da criação da chamada Governança de Conteúdo e Qualidade:  

“Causa estranheza que essas demissões sejam acompanhadas por uma reestruturação editorial do jornal, que passará a contar com um comitê responsável por supervisionar o conteúdo produzido pelo(a)s profissionais da empresa: a Governança de Conteúdo e Qualidade.

Sob a justificativa de que tal comitê prezará pela qualidade dos materiais produzidos, tal projeto da cúpula do Estadão mais parece uma tentativa de cercear a livre apuração de informações e o exercício do trabalho jornalístico, sob a justificativa de “adequação editorial”.

Nossas entidades defendem o direito de consciência, a liberdade de expressão e o exercício da cidadania para todas e todos os jornalistas. Pelo respeito à ética jornalística, à consciência profissional e à liberdade de expressão e de imprensa, reivindicamos o direito das e dos jornalistas de recusar a realização de reportagens e de outros conteúdos que firam o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, violem a sua consciência e contrariem a sua apuração dos fatos.”

Essa desconfiança decorre de haver entre os jornalistas demitidos justamente aquele que mereceria um prêmio pelo “furo” e melhor reportagem do ano.

Foi André Borges quem levantou o caso das joias recebidas pelo ex-presidente Bolsonaro da Arábia Saudita, sem serem declaradas na alfândega, configurando um dos mais graves delitos cometidos pela equipe bolsonarista, capaz mesmo de tornar Bolsonaro inelegível e alvo de um processo penal.

Teria André Borges pecado pelo excesso ao publicar sua reportagem, verdadeira pá de cal no ex-presidente e comprometido a candidatura da sua esposa Michelle?

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de LisboaCorreio do Brasil e RFI.