Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Bancada ruralista deu na bandeja a cabeça do agronegócio aos concorrentes estrangeiros

(Foto: Joédson Alves/Agência Brasil)

Foi notícia de capa nos jornais brasileiros e de vários países ao redor do mundo. A bancada ruralista da Câmara dos Deputados conseguiu aprovar, por 283 votos contra 155, o Projeto de Lei 490/07 (PL do Marco Regulatório das Terras Indígenas). A aprovação foi na terça-feira (30/05) e agora a matéria segue para o Senado, onde ainda não tem data para a votação. Mas seja lá qual for o destino da medida no Senado, o fato dos deputados terem aprovado o projeto facilitou o trabalho para os concorrentes estrangeiros colocarem no agronegócio brasileiro o carimbo de genocida. É sobre esse fato que vamos conversar. Os maiores concorrentes dos agropecuaristas brasileiros são os produtores de grãos e carnes dos Estados Unidos e de países da Europa. Lembro que, nos anos 90, os americanos e europeus acusaram os produtores brasileiros de concorrência desleal porque recebiam subsídios governamentais. Eles esqueceram a história do subsídio porque também recebem. E o motivo dos produtores rurais ao redor do mundo ganharem algum tipo de subsídio dos seus governos é porque a agropecuária é uma atividade econômica de alto risco, por depender do clima.

E, por sua vez, a estabilidade do clima depende da preservação de regiões como a Floresta Amazônica e os seus povos originais. E a aprovação do marco regulatório coloca em risco a sobrevivência da floresta e dos seus povos. Esse é motivo pelo qual produtores estrangeiros investiram em associar o agronegócio brasileiro à destruição do Cerrado e da Floresta Amazônica, dois biomas fundamentais para o futuro da qualidade climática do planeta. Eles têm razão em fazer essa associação, eu vou explicar o motivo. Nos anos 70 e 80, os agricultores gaúchos e seus descendentes espalhados pelos estados do Sul do Brasil povoaram as chamadas fronteiras agrícolas, vastas áreas até então escassamente povoadas nos estados do Norte e Centro-Oeste, cobertas pelo cerrado e pela Floresta Amazônica. Devastaram uma imensa área para fazer lavouras e pasto para o gado, financiados por bancos internacionais e pelo governo brasileiro. O sindicalista, seringueiro e ambientalista Chico Mendes foi um dos primeiros no Brasil a se levantar e lutar contra essa situação. E, por esse motivo, em 22 de dezembro de 1988 ele foi executado a tiros na sua casa em Xapuri, uma cidadezinha no meio da Floresta Amazônica, no interior do Acre – a história toda está disponível na internet. Nos últimos 40 anos, a pressão dos movimentos ambientalistas mudou e aperfeiçoou a legislação ambiental no Brasil. Em decorrência dessa nova realidade, o agronegócio se profissionalizou, usando tecnológica de última geração. Atualmente, não precisa avançar nas áreas de floresta para aumentar as lavouras ou pastagens. Os agricultores estrangeiros sabem disso. Mas então por que insistem nessa associação?

Insistem na ligação do agronegócio com a destruição ambiental por dois motivos. O primeiro é que, durante do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), houve um desmonte da máquina de fiscalização do meio ambiente que possibilitou a invasão das áreas indígenas por garimpeiros. O símbolo dessa situação são os indígenas yanomami reduzidos a pele e osso pelos garimpos ilegais nas suas terras, uma vasta área na fronteira de Roraima com a Venezuela, e os incêndios provocados na floresta pelos madeireiros ilegais. O segundo motivo é que o agronegócio não tem uma direção central. E não pode ter porque, ao contrário do que nós jornalistas escrevemos, o setor não se resume a grandes produtores de carnes e grãos. Mas, além dos grandes, envolve também pequenos e médios produtores espalhados pela vastidão do país, produzindo carnes, grãos e outros produtos agrícolas. Dentro dessa realidade, qualquer pessoa ou organização pode dizer que fala pelo agronegócio. A bancada ruralista no Congresso, até a legislatura anterior, era formada por proprietários rurais, profissionais liberais e comerciantes de insumos agrícolas. Isso mudou. Nas últimas eleições (2022), candidatos comprometidos com os financiadores dos garimpos ilegais nas terras indígenas, grileiros de terras e madeireiros ilegais foram eleitos por todos os estados do Centro-Oeste e do Norte. Mais ainda: investigações da Polícia Federal (PF) têm mostrado que organizações criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, estão operando nos garimpos. Como explicou um agente federal: “A situação está muito complicada na região”. O pessoal do PCC está atuando no financiamento de áreas de garimpo. Ainda não se sabe quem é quem entre novos os parlamentares eleitos pela região.

O fato é que não se sabe qual é o perfil da bancada ruralista nos dias atuais. Só sabemos que ele mudou. Dentro dessa realidade, os agricultores estrangeiros que disputam mercados com os brasileiros estão defendendo seus interesses ao atirar pedras no agronegócio brasileiro. Faz parte do jogo. É assim que os mercados internacionais funcionam: que pode mais, chora menos, como diz o dito popular. Tudo que escrevi não é opinião ou conhecimento que obtive lendo livros. Comecei a trabalhar em redação em 1979, e desde então tenho acompanhado o povoamento das fronteiras agrícolas, o crime organizado nas fronteiras e os conflitos agrários pelos sertões do Brasil. Transformei todo esse conhecimento em reportagens e livros. Afastado da redação desde 2014, me mantenho informado sobre a situação nos rincões por onde ando de tempos em tempos, em busca de boas histórias para contar. A última vez foi em 2019. Fiz todo esse relato para facilitar a vida dos jovens repórteres nas redações envolvidos com a correria da cobertura diária. E também porque fui provocado por um grupo de jovens estudantes de história. O que acontece nesses rincões não faz parte dos livros escolares. Mas deveria, eu defendo. Porque os pioneiros do povoamento das fronteiras agrícolas estão velhos, e quando se forem, a história vai com eles.

 

Publicado originalmente em Histórias Mal Contadas