Quem acompanhou a trajetória do político e ex-presidente Bolsonaro, do seu despontar ao seu ocaso (previsto para o dia 22, com sua inelegibilidade), sabe não ter sido nenhuma figura de projeção dentro da história brasileira. Medíocre, sem formação cultural, estava destinado a se aposentar como desconhecido deputado do baixo clero, não tivesse ocorrido a sequência de acontecimentos desencadeada a partir de junho de 2013, atualmente rememorada pela imprensa.
Manifestações de rua desencadeadas pela esquerda, mas tomadas pela direita, impeachment de Dilma, o processo Lava Jato, a prisão de Lula, o surgimento do fenômeno populista de extrema-direita importado dos EUA e enxertado nas seitas evangélicas, tudo isso, bem batido no liquidificador, criou o clima de confusão nos eleitores capaz de permitir a eleição de um tartufo, de um mito ou de um bolha para a presidência.
Apesar disso, Bolsonaro logo surpreendeu por adotar um estilo agressivo inédito, de pretendente a ditador, com uma linguagem chula e maneiras mais próprias de um dono de boteco que de um chefe de Estado. Teria sido sua própria criação, essa de um estilo bolsonariano?
No que se refere à falta de educação, Bolsonaro sem dúvida é autêntico, porém, no estilo ou maneira de exteriorizar sua falta de pedigree, existem dúvidas. Ainda no começo do governo, alguns jornalistas perceberam haver semelhanças de pronunciamentos e comportamentos entre Bolsonaro e o presidente norte-americano Donald Trump. Em outras palavras, Bolsonaro era nosso Trump caboclo. Sem criatividade, sem originalidade, Bolsonaro, que para muitos era o palhaço Bozo, passou a imitar quem para ele servia de líder – Donald Trump, eleito também presidente dois anos antes.
Existe mesmo na Universidade de Brasília, no programa de pós-graduação, uma monografia de Patrícia Pereira Zart, escrita em 2020, sob o título: “Bolsonaro imita Trump? Um estudo sobre a semelhança do polêmico comportamento dos dois presidentes”.
Já em 2019, o jornal O Globo, ao publicar o primeiro encontro entre Bolsonaro e Trump na Casa Branca, revelou haver muitos jornais estrangeiros chamando o presidente brasileiro de Trump dos Trópicos, enquanto o jornal espanhol El País chamava Trump de Bolsonaro norte-americano.
Ambos tinham muitas coisas em comum, além de uma admiração por Steve Bannon, o conhecido disseminador das teorias conspiracionistas de extrema-direita. Eram e são negacionistas, quanto ao Covid e mudanças climáticas, são ultranacionalistas e agressivos nos discursos e nas redes sociais, são líderes populistas, anti-socialistas e anti-comunistas. Poderíamos acrescentar: são desbocados e mal-educados. A CNN também havia enfatizado terem ambos uma convergência nos valores conservadores da nação norte-americana, na oposição à ideologia do gênero e ao politicamente correto.
Outras coincidências ou imitações ocorreram mais tarde: Trump alegou e ainda alega ter havido fraude nas eleições norte-americanas, por votos impressos, que deram a vitória a Joe Biden. Bolsonaro tem repetido a mesma conversa depois da derrota por Lula, mesmo se em lugar de votos impressos foram eletrônicos.
Ambos incentivaram atos antidemocráticos ou claramente golpistas. Nos EUA, houve o ataque ao Capitólio, no dia 6 de janeiro, e, no Brasil, houve o ataque aos prédios da sede do Governo, do Legislativo e do Judiciário na praça dos Três Poderes, dia 8 de janeiro.
Tanto Trump como Bolsonaro são alvos de diversos processos e fica a pergunta: ambos continuarão a ter destinos parecidos? Trump tenta escapar de seus processos sem condenação e aposta numa reeleição em 2024.
Porém, Trump acaba de ser inculpado em Miami, pela justiça federal, por retenção de documentos secretos, falso testemunho e obstrução à Justiça. Entretanto, alguns jornais destacam que Aileen Cannon, a presidente do júri encarregada de conduzir esse processo, foi nomeada por Trump, e que já havia tentado proteger o ex-presidente. Isso poderá ser uma vantagem para ele?
Ao saber da convocação pela Justiça, Trump pediu aos seus seguidores para irem a Miami fazer pressão, e muitos foram, continuam fiéis. Dentro do partido Republicano ninguém tem coragem de abandonar Trump e dizem mesmo que, no caso de Trump não poder ser eleito presidente, o republicano eleito presidente irá agraciá-lo.
Pode parecer incrível, porém, mesmo nessa questão de processos após a derrota nas eleições, ocorre uma nova coincidência: a condenação de Trump antecederia de uma semana a provável decisão do STF de tornar Bolsonaro inelegível.
Seria a última coincidência? Ao contrário de Trump, Bolsonaro parece estar só diante de sua próxima condenação à inelegibilidade, sem um apoio forte de Valdomiro Costa Neto, presidente do PL e sem a convocação de seguidores dia 22.
Trump será eleito presidente? Ou será preso e depois indultado?
Bolsonaro, depois de inelegível, será também preso? Ou tudo acabará em pizza com um dos Bolsonaro no poder?
Quem viver verá!
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro sujo da corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A rebelião romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.