O jornalista José Ramos Tinhorão é autor do livro A imprensa carnavalesca no Brasil, um panorama da linguagem cômica. Sua entrevista.
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Como você chegou ao tema da imprensa carnavalesca?
José Ramos Tinhorão – Como eu tenho muito material sobre a imprensa, eu vi um volume do Instituto Histórico, um levantamento feito sobre a imprensa em Pernambuco. Dando uma olhada, era só assim: título do jornal, o normal do jornal, pequenas informações, de tanto a tanto. E aqueles títulos – recenseei muitos no livro –, você via logo, se referiam ao Carnaval, pelo próprio título. Eu dizia: mas que coisa interessante! Ia ver a data: saiu em fevereiro… Depois eu fui ver que os clubes carnavalescos constituíam pequenas sociedades em que os sócios se conheciam, era quase uma coisa de curtição entre os amigos que saíam juntos no Carnaval; e que, por muitos dos componentes dessas sociedades carnavalescas serem jornalistas, algum deles sempre teria uma idéia. ‘Vamos fazer um jornalzinho para sair no Carnaval, para colocar umas brincadeiras, umas coisas?’ E virou uma tradição. Então, você vê: até o final do século 20 havia um tipo de imprensa caracterizada por só sair em dias de Carnaval.
Havia um até que era uma espécie de espelho de um jornal sério, não é? A redação soltava, no Carnaval, uma edição pândega.
J.R.T. – É. Porque os próprios jornais tinham as suas seções de Carnaval. E faziam gracinhas. Os clubes carnavalescos, no Rio de Janeiro, pagavam – era matéria paga. Eles pagavam os seus ‘pufes’: eram versos de brincadeira carnavalesca patrocinadas pelos clubes. Aí é outra coisa do meu livro: como, para fazer um jornal de Carnaval, ele não pode ser um jornal sério, porque não teria sentido, sempre se supôs que era para brincar, e a linguagem teve que ser brincalhona. Quando eu vi que esses jornais adotavam essa linguagem, usavam trocadilhos, gozavam os caras da outra associação e tudo, eu resolvi fazer um estudo: essa linguagem que o jornal carnavalesco usa, me perguntei, tem tradição? Aí descobri que tem. É por isso que o livro se chama ‘um panorama da linguagem cômica’.
Enquanto nas escolas de samba do Rio de Janeiro as figuras eram feitas pelos próprios artesãos, eram aqueles bonecos tremendos, os carros eram emprestados pela prefeitura – eram antigos carros de lixo puxados por burros que a prefeitura emprestava para os clubes e eles penduravam aqueles negócios de papel machê, aquelas figuras que vinham tremendo, ninguém queria fotografar, porque não era [notícia], do ponto de vista da classe média, que lê o jornal… [Isto] porque o jornalista reflete o público do seu jornal. Então, como era um espetáculo, vamos dizer assim, feio para o leitor do jornal, não era fotografado. Quando começa a ser glamurizado, então você vê que a própria pessoa da comunidade é jogada para fora e vem a vedete de fora que tem uma curvas bonitas e sai na frente da bateria.
Nesse ponto você considera que a introdução da publicidade é um ponto de mudança?
J.R.T. – O Carnaval entra mesmo na esfera da indústria do consumo, da indústria cultural, a partir da década de 1960.
Com a televisão.
J.R.T. – Vai surgir no Rio de Janeiro o Arlindo Rodrigues… Aqueles cenógrafos, um cara que aprendeu em escola e entra para a escola de samba e diz como é que vai ser a fantasia, entendeu?
Começa a organizar aquilo que era espontâneo.
J.R.T. – Isso. Aí viram os chamados ‘barracões’ em que o sujeito trabalha com carteira assinada; em que termina o Carnaval e já começam as preparações do outro. Então desmontam as alegorias deste ano; já no mês de março começam a ser desmontadas para aproveitar muito material para o Carnaval de 2011.
Existe alguma herança dessa linguagem, dessa dessacralização da palavra escrita?
J.R.T. – A linguagem engraçada existe. No Carnaval, praticamente nos blocos mais populares e talvez nas letras de certas coisas modernas, de tendências modernas da música popular, se fazem esculhambativas, uns raps mais irreverentes e tal. Mas, não. Virou tudo muito caretão, muito press release.
Você acha que a imprensa se leva sério demais?
J.R.T. – Não. Ela reflete. Não é que ela não se leve a sério. Ela se leva a sério porque reflete coisas assim: é um produto que você tem que vender e você não pode ficar, ao mesmo tempo, esculhambando o produto com certas brincadeiras. Então, pronto: é mulher nua e estamos conversados.