Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crítica interna




’01/08/2005


‘No SÁBADO, as manchetes foram parecidas: ‘Valério pagou cúpula do PP, diz assessor’ (Folha), ‘Assessor diz que pegava dinheiro para o PP’ (‘Estado’) e ‘Assessor confessa que levava malas de dinheiro para o PP’. São referências ao depoimento de João Genu à Polícia Federal na sexta-feira.


No DOMINGO, o foco dos jornais e da ‘Veja’ foi o deputado José Dirceu. A Folha teve uma informação importante, a declaração da diretora da SMPB, Simone Reis de Vasconcelos, de que autorizou Roberto Marques, assessor de Dirceu, a sacar R$ 50 mil na conta da agência no Banco Rural: ‘SMPB liga Valério a assessor de Dirceu’. A informação confirmaria uma das reportagens de ‘Veja’. A capa da revista informa que o ex-ministro está ameaçando o governo e que seu assessor teve autorização para o saque: ‘O risco Dirceu’. O ‘Globo’ também considerou relevante a informação de ‘Veja’ e repercutiu com petistas: ‘Após nova denúncia, PT já defende ida de Dirceu à CPI’. O ‘Estado’ optou por dar destaque à reportagem que consolida o resultado das investigações e depoimentos até agora: ‘Investigação já ameaça 12 mandatos na Câmara’. As cassações são o assunto da capa da ‘Época’: ‘O povo pede cabeças’, resultado de uma pesquisa de opinião.


Na falta de fatos novos relevantes sobre o ‘mensalão’, as edições de HOJE, SEGUNDA, dos três grandes jornais apelam, em suas manchetes, para a agenda da semana. As manchetes do ‘Estado’ e do ‘Globo’ fazem menção ao depoimento hoje, na Polícia Federal de Minas, da diretora da SMPB: ‘Assessora de Valério promete dar lista de 52 beneficiados’ (‘Estado’) e ‘Gerente de Valério depõe hoje e deve dar novos nomes’. A Folha, que no domingo antecipara uma das informações importantes da diretora da SMPB, hoje ignorou o depoimento na PF e priorizou a agenda da CPI dos Correios: ‘Para relator, depoimento de Dirceu é inevitável’. Como o próprio jornal já noticiou exaustivamente que o ex-ministro depõe amanhã na Comissão de Ética, a avaliação do relator da CPI não tem tanta importância e parece notícia velha. Ou falta de notícia.


A revista ‘Carta Capital’ aponta o foco para o empresário Daniel Dantas: ‘Na mira da CPI’. E a ‘IstoÉ’ foi ouvir os filhos dos que viraram alvo das CPIs: ‘O drama dos inocentes’.


Outras manchetes de hoje:


‘A Tarde’, de Salvador: ‘Planalto abandona José Dirceu’.


‘Estado de Minas’: ‘Artilharia de Marcos Valério – BMG empregou ex-mulher de Dirceu e Rural financiou apartamento em SP’.


Escândalo do ‘mensalão’


Faltou Minas na edição de hoje da Folha.


Os jornais ‘Estado de Minas’ e ‘Correio Braziliense’ antecipam o que podem ser algumas munições que a diretora da SMPB oferecerá hoje à PF contra José Dirceu: ‘A interlocutores, o publicitário afirma que Dirceu solicitou dois favores às instituições financeiras. Primeiro, pediu à cúpula do BMG um emprego para a ex-mulher, Ângela Saragosa. E conseguiu um empréstimo de R$ 200 mil no banco Rural para comprar um apartamento em São Paulo, também para a ex-mulher’.


Para o ‘Globo’, o advogado da diretora da SMPB adiantou que ela deve divulgar novos nomes de destinatários do dinheiro. Para o ‘Estado’, deu até um número: ‘Assessora de Valério apresentará lista com 52 que fizeram saques’. Segundo o advogado, ela ‘vai contar tudo o que sabe’. A ver.


Tenho insistido na necessidade de o jornal juntar as informações, evitar o retalhamento, aquele varejo que não permite ao leitor entender bem a importância dos dados apresentados. Dois exemplos de como a falta de consolidação das informações (ou seja, falta de edição dos textos) pode trazer mais confusões do que esclarecimentos.


Hoje, segunda, páginas A8 e A9 – A reportagem ‘PT, PL e PP registram sobra de dinheiro em caixa no fim de 2004’ informa que a prestação de contas das campanhas municipais do PT em 2004 apresenta uma sobre de R$ 51,2 mil. É o dado que o PT teria encaminhado ao TSE. A reportagem da página seguinte (‘PT se opôs a medidas de controle do TSE’), no entanto, informa que nas contas de 2004, o PT apresentou um déficit de R$ 20,480 milhões. Imagino – ou seja, estou deduzindo – que sejam contas diferentes, que os dois dados estejam certos. Mas o jornal não se preocupa em informar as diferenças, não edita as reportagens de uma forma que o leitor perceba que elas têm ligação uma com a outra, que os números não são contraditórios. O PT teve sobra ou déficit?


Ontem, domingo, na página A13, o jornal noticiou que a CPI ainda não conseguiu identificar todos os repasses feitos por Marcos Valério com o dinheiro dos empréstimos bancários: ‘CPI vê rombo de R$ 16,4 mi na versão Delúbio-Valério’. Na página A15 (‘CPI descobre cheques em série com o mesmo valor’), o jornal faz referência ao total de saída de dinheiro das empresas de Valério, R$ 75,9 milhões.


E hoje ainda, a coluna ‘Mercado aberto’ (pág. B2) informa que ‘Saques no Rural somam R$ 36 milhões’, um total ‘bem próximo dos empréstimos de R$ 39 milhões contraídos nos bancos BMG e Rural’.


Não consigo acreditar que os leitores estejam conseguindo fixar tantos valores. Assim como tenho a impressão de que nesta altura ele já não sabe mais distinguir, entre as dezenas de fatos novos diários, o que é importante e o que é detalhe, o que está comprovado e o que é apenas suposição, o que é crime e o que é irregularidade.


O jornal gastou tanto espaço no domingo com entrevistas, sides e memórias, que poderia ter destinado algum espaço para a arrumação dos fatos. A Folha está desatenta para este trabalho de edição.


O ‘Globo’ de domingo traz um grande infográfico que ajuda o leitor a se situar melhor nesta avalanche de denúncias e investigações: ali estão os crimes que surgiram até agora (19) e os personagens investigados por cada crime. Outro infográfico explora os esquemas de corrupção que surgiram (‘mensalão’, caixa dois, empréstimos e corrupção nas estatais). E um terceiro aponta todos os parlamentares que estão ameaçados de cassação. O ‘Estado’ faz um esforço semelhante, mas sem o mesmo investimento do ‘Globo’.


O ‘Valor’ informa hoje que o governo federal vem liberando mais recursos para as emendas de parlamentares que não assinaram o pedido da CPI dos Correios do que para os que assinaram: ‘Governo libera recursos para quem foi contra investigação’.


Entrevistas de domingo:


Acho mais do que apropriado o jornal entrevistar o prefeito José Serra a respeito da crise, afinal ele é um dos presidenciáveis e aparece bem nas pesquisas eleitorais. Mas não considero apropriado o jornal não encaminhar uma só pergunta crítica, um questionamento sequer em relação à sua gestão na Prefeitura ou à administração do governo FHC, a que serviu como ministro. O caso de Eduardo Azeredo, ex-ministro de FHC e presidente do PSDB, é apenas mencionado, sem pergunta e sem questionamento. São duas páginas apenas com o intuito de deixar José Serra analisar a crise sem qualquer contraponto, sem explorar as contradições.


Também achei condescendente a entrevista com Ricardo Berzoini, secretário-geral do PT (‘Berzoini culpa Delúbio e Genoino pela crise’). O jornal não explora, por exemplo, o papel de José Dirceu no esquema e nem detalha as acusações contra Lula.


Nos dois casos, de Serra e Berzoini, o jornal ligou o gravador e deixou que falassem o que quisessem. Não sei se isto está de acordo com o jornalismo crítico e questionador que apregoa.


Aviso


Viajo amanhã para São Paulo para participar do júri do Prêmio Folha. Por esta razão não haverá Crítica Interna.




29/07/2005


O ‘Estado’ consegue um título melhor do que o da Folha ao juntar duas informações importantes que se complementam: ‘Lula faz alerta sobre economia; Congresso já discute trégua’. A Folha ignora os movimentos de conversação para esfriar a crise e edita o discurso de Lula na economia. Pela primeira vez a crise vem com a principal remissão para o caderno ‘Dinheiro’: ‘Economia do país é vulnerável, diz Lula’. O ‘Globo’ dá manchete para o discurso presidencial –’Lula descarta mágicas na economia e pede cautela’ –e chamada para as conversas –’Governo tenta pacto anticrise econômica’.


O ‘Valor’ avança algumas medidas que o Banco Central começa a elaborar a partir dos problemas surgidos na CPI dos Correios: ‘BC quer fechar brechas na vigilância bancária’.


Escândalo do ‘mensalão’


É incompreensível que o jornal não tenha uma só reportagem com informações e bastidores sobre as negociações, conversas e tentativas de pactos ou tréguas que correm paralelas à crise e que o editorial de hoje chama de ‘acordão’.


O texto ‘Sinais de ‘acordão’, na pág. A2, observa: ‘Os sinais de que se ensaia um pacto acomodatício já são nítidos’.


Menos na Folha.


O jornal sequer repercute a informação de que houve uma sondagem do PL para retirar o pedido de cassação do deputado Roberto Jefferson em troca de uma versão comum para os saques do esquema Marcos Valério. Nem as articulações do ministro Nélson Jobim.


A edição continua retalhada, sem a preocupação de associar as novidades às informações já conhecidas, consolidar os dados, contextualizá-los, apontar nexos, deixar claro a relevância do que publica. A edição continua privilegiando o varejo. Tenho a impressão que isso vai cansando. Os leitores já não sabem o que é importante e o que é detalhe, o que é indício e o que é prova, o que é imoral, o que é ilegal e o que é crime.


O ‘Estado’ dá destaque ao papel do ministro Márcio Thomas Bastos nas conversas de bastidores.


Entrevista


‘Valor’ traz longa entrevista com Chico Lopes, ex-presidente do Banco Central preso e algemado durante uma CPI. ‘Chico Lopes quebra o sigilo’, é o título da entrevista.




27/07/2005


As manchetes da Folha, ‘Estado’, ‘Globo’ e dos principais jornais brasileiros são praticamente as mesmas: a afirmação da mulher de Marcos Valério, Renilda, na CPI dos Correios, de que o ex-ministro José Dirceu sabia dos empréstimos tomados em bancos pelas agências de publicidade para repassar para o PT e partidos aliados. Dirceu nega, mas só o ‘Estado’ registra a defesa do ex-ministro no título principal.


O ‘Valor’dá pouca importância ao depoimento e noticia o ‘mensalão’ com outra perspectiva: ‘Governo se move para atenuar efeitos da crise’.


A notícia de que o esquema de Marcos Valério já funcionava em 98 e a favor do PSDB de Minas, revelada ontem pelo ‘Globo’, está nas capas da Folha e do ‘Estado’.


A Folha destaca ainda mais um subproduto da última pesquisa Datafolha: ‘Lula é político mais honesto do país para 19%, diz Datafolha’. Não sei se o título mais apropriado não seria o escolhido para o texto interno: ‘Para 49% da população, não existe político honesto’. Refletiria melhor o descrédito que se generaliza.


Painel do Leitor


A carta da assessoria de imprensa da Caixa (‘Caixa Econômica Federal’, publicada no ‘Painel do Leitor’ de ontem) exigia uma resposta do jornal. O assessor afirma que o jornal tergiversou, omitiu informações e ‘faltou com a verdade’ na reportagem ‘Relatório denuncia desvio da Caixa para campanhas do PT’. Das duas, uma: o assessor tem razão e o jornal deveria reconhecer seus erros explicitamente; o jornal tem razão, e seus leitores deveriam ficar cientes de que não errou.


A propósito, esta carta, como tantas outras com versões de empresas ou organismos públicos a respeito de reportagens publicadas pelo jornal, estaria melhor fora do ‘Painel do Leitor’, no corpo do jornal, como continuidade da apuração jornalística.


O mesmo argumento vale para duas cartas de hoje que, além de trazerem a defesa de seus signatários, contém notícias. ‘Mensalão’, assinada pelo ex-ministro Luiz Gushiken, e ‘Transporte’, do secretário municipal de Transportes, Frederico Bussinger, trazem informações, e não opiniões ou comentários, e como tal deveriam ser tratadas. Dar um tratamento jornalístico a estas correspondências (legítimas) valorizaria os temas abordados e abriria mais espaço no ‘PL’ para os comentários dos leitores. A edição de hoje, por exemplo, não tem um comentário sobre o depoimento prestado pela mulher de Marcos Valério ontem na CPI. O que acharam os leitores da Folha? Ela foi convincente? Mentiu? O ‘Globo’, por exemplo, teve espaço para 16 mensagens enviadas ontem mesmo, no correr do depoimento, por e-mail. É claro que o jornal fica mais quente e oxigenado com a participação dos leitores.


Escândalo do ‘mensalão’


O que faz a foto do presidente de Botsuana perdida entre três textos da página A7 relativos ao escândalo do ‘mensalão’? Descuido? Calhau?


Por que a Folha não detalhou para os seus leitores a transação comercial que a levou a depositar R$ 223 mil na conta da DNA? O texto ‘DNA recebeu de empresas de comunicação’ (pág. A7 da Edição SP) é genérico.


Imagino que uma explicação do jornal seria algo simples, do tipo: o depósito da Folha na conta da DNA foi feito no dia tal para pagar à agência pelo anúncio tal que fez publicar no jornal no dia tal. Perdeu uma ótima oportunidade de se mostrar transparente e de se exigir o mesmo tratamento que está dispensando às outras empresas que tiveram transações comerciais com as agências de publicidade de Marcos Valério, como as telefônicas instadas a se explicar no texto ‘Empresas afirmam que pagaram por serviços de agência de Valério’ (A7).


A propósito do relato ‘CPI não recebe lista de parlamentares’ (pág. A8 da Ed. SP), daqui a pouco será necessário a abertura de uma CPI da CPI dos Correios, tantos são os documentos dados como sumidos.


A edição do depoimento de Renilda de Souza está mais caprichada (comentários de um psicanalista, crônica de Mônica Bergamo)do que as anteriores. Mas:


1 – O jornal não explora as contradições do depoimento.


2 – A edição estaria melhor se o jornal se preocupasse em deixar mais explícitas as razões pelas quais considerou importantes os trechos do depoimento em que Renilda fala do envolvimento de José Dirceu nos empréstimos bancários (o fato de ter conhecimento piora a sua situação? Por que?), no responsabilidade dos outros sócios nas assinaturas dos cheques (diminui a responsabilidade do seu marido?) e no que o ‘Painel’ chamou de ‘sinais de alerta’ para o PSDB (quais foram? Por que podem ajudá-la no correr das investigações?).


‘Mundo’


É quase impossível a leitura da tira ‘Doonesbury’ reproduzida pela Folha na página A13 (‘A flor de Karl Rove’).


‘Ilustrada’


Leitor reclama, aparentemente com razão, da reportagem ‘Marlene Mattos troca TV pelo rádio’, na pág. E6. Em que rádio Globo a empresária vai lançar o novo programa? Na de São Paulo, na do Rio, na de BH? Ou será em cadeia nacional?’