No dia 18 de fevereiro, um longo relacionamento chegou ao fim. O rompimento, como todo acontecimento na era digital, não ficou restrito às partes envolvidas. Os detalhes do fim dessa relação foram publicados na web, seus links foram repassados, os fatos debatidos e os partidários de cada lado se armaram de argumentos.
De um lado, Alexandre Oliva, 36 anos, conselheiro da Fundação Software Livre América Latina, engenheiro de software livre na Red Hat e mestre em Ciências da Computação pela Unicamp.
Do outro, dispensando grandes apresentações, o Google.
Na data do incidente, Oliva postou em seu blog um manifesto explicando que não confiava mais na gigante das buscas. O motivo? Bem, uma série de fatores cuja gota d´água foi o Buzz.
No lançamento da rede social integrada ao Gmail, o Google tornou públicas informações privadas dos usuários. A lista de seguidores era aberta a todos os seus contatos, que podiam ver com quem o usuário se relacionava antes mesmo deste aprovar ou não. O fato causou problemas, por exemplo, a jornalistas que tiveram suas fontes expostas.
A atitude de Oliva, que deletou todas as contas que tinha no Google (inclusive orkut e Gmail), repercutiu na rede e ele passou a receber e-mails e comentários pedindo conselhos de como seguir o mesmo caminho (que ele responde no próprio post) ou criticando seu ‘rompimento’ com a empresa.
Vale ressaltar que, como todo término de relacionamento longo, este não foi completo: Alexandre Oliva ainda usa o serviço de buscas do Google – mas, como qualquer um já desconfiado das atitudes do parceiro, o faz com algumas ressalvas.
À Info, ele explicou melhor sua decisão.
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Qual foi exatamente o motivo?
Alexandre Oliva – A divulgação de informação de forma tão impositiva. Toda a seriedade que eles demonstravam foi por água abaixo. Não tenho certeza se isso não foi feito intencionalmente… Mas se não foi, é preocupante também. Se ninguém pensou nas conseqüências disso, imagine que outros acidentes poderiam acontecer? Independente do que causou isso, não dá mais para confiar.
Por que o Google liberaria intencionalmente essas informações?
A.O. – Questão de mercado. No mundo das aplicações de relacionamento, o Google está muito atrás e vem tentando aumentar sua participação. Se quer conquistar um espaço, ele pensa: ‘Como a gente faz isso, como a gente conquista? Ah, vamos publicar a informação.’ Me parece um pensamento muito natural. Agora, a outra opção é se ninguém pensou ‘Essa informação é pessoal’. Tem muitas pessoas inteligentes trabalhando lá e é assustador concluir que provavelmente alguém pensou, mas as razões mercadológicas prevaleceram.
Você se sentiu prejudicado de alguma forma?
A.O. – Eu não tive prejuízo algum, mas outras pessoas perderam e outras pessoas poderiam ter perdido. Eu não estou reagindo a algo que perdi, estou apenas evitando que possa perder. Eu não tinha um profile no Google, mas tinha uma conta do Gmail que eu acessava só através da interface iMap e, quando fui entrar pela página oficial, já automaticamente entrei no Buzz. Não tinha opção. O Google corrigiu depois parte dos problemas, como a publicação automática, a possibilidade de filtrar, a possibilidade de não entrar no serviço (se entendi direito), mas ainda há problema. Segundo ouvi dizer (pois agora não tenho mais acesso), os contatos que você escolhe publicar são apresentados na ordem que você mais conversa com eles. Por mais que isso não seja um grande problema, é esquisito, é um desrespeito.
É impensável que tenham feito de propósito
Isso te lembra aquele episódio do orkut quando habilitaram a ferramenta que permitia saber quem acessou a sua conta? Liberaram essa ferramenta da noite para o dia e as informações ficaram expostas sem perguntar antes…
A.O. – É um pouco diferente, porque ele expôs uma ação que você tomou. Acho que o que aconteceu agora foi mais sério porque ele publicou algo sem ninguém fazer nada.
Você não usa mais nenhum serviço do Google?
A.O. – Me dei conta outro dia de que meu navegador ainda usa buscador do Google, ele ainda manda os biscoitinhos para o meu navegador, mas isso está bloqueado: ele não vai ser capaz de rastrear. Logo, eu não estou dando informações, ele não sabe quem vai fazer as buscas, o que é uma exposição muito menor… Ainda não tenho porque não usar o buscador Google.
Sua decisão teve a ver com a invasão das contas do Gmail de ativistas chineses?
A.O. – Não teve, mas poderia ter tido. A questão é que um erro pode acontecer. O pessoal atacou o Google nessa ocasião. Acidentes aconteceram, como quando documentos privados do Google Docs apareceram nas buscas. Isso foi um erro, é impensável que tenham feito isso de propósito.
Use, mas entenda
Você tinha muitas informações no Google?
A.O. – A minha relação com o Google não era de confiança absoluta. Eu já tinha cópias de tudo; o calendário, eu já nem usava: tinha uma aplicação livre, no meu computador, e não expostas para sabe Deus quem ver. Já vinha dando passos para não querer depender disso. Agora, para que eu vou correr o risco?
Você recebeu muitos comentários?
A.O. – Tem bastante gente postando, divulgado. Houve muita discussão na lista do projeto Software Livre Brasil, muita gente mandou e-mail pedindo dicas de como dar os mesmos passos… Conheço pessoas que trabalham no Google, ponderando se não foi uma reação exagerada.
E foi exagerada?
A.O. – Eu consigo entender que uma pessoa tome a decisão de continuar usando o Google por achar que não tem problema nenhum. Se você entende o risco, se você está predisposto a correr esse risco… Não estou dizendo a ninguém para deixar de usar o Google. Estou dizendo apenas: ‘Eu deixei de confiar’.
Mas você aconselha as pessoas a fazer o mesmo…
A.O. – Não estou dizendo ‘parem porque é do mal’, mas estou dizendo ‘pesem nisso’. Tudo o que ele oferece eu consigo de outras fontes, ou faço. Mas quem quiser, use o Google. Sou contra algumas aplicações e serviços (como o Google Docs, que usa muitos softwares que não são livres no seu computador e você não tem a menor idéia do que acontece), mas e-mail, comunicação instantânea… Use, mas entenda. Não pense ‘que legal, posso confiar plenamente’, como um monte de gente confia no Facebook e não é bem assim.
Isso não é um cuidado novo
Por que você mencionou o Facebook?
A.O. – Teve um funcionário que deu uma entrevista dizendo que lá era uma zona, que todo funcionário tem acesso à base de dados, que consulta informações pessoais…
Você tem uma formação na área de informática. Acha que é possível para pessoas leigas seguirem esse caminho?
A.O. – Sugeri um monte de alternativas para tudo o que eu fazia. As pessoas podem fazer sozinhas, instalar softwares, aplicativos… Existe todo um mito de que é difícil, mas não é bem assim.
Você já teve algum problema com privacidade exposta na web?
A.O. – Olha, eu tomo cuidado. Outro dia, minha gerente do banco pediu minha declaração de Imposto de Renda. Não mandei e, alguns dias depois, recebi um e-mail dela com documentos particulares de um outro cliente com o mesmo primeiro nome que eu. Não foi de propósito, mas aquilo nem era para sair do banco. O que as pessoas não entendem é que isso não é um cuidado novo: quando era pequeno, meus pais ensinavam a não sair por aí dando o endereço para qualquer um na rua.