Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Agência Carta Maior

MÍDIA ALTERNATIVA
Flávio Aguiar

A boa hora da comunicação alternativa

‘Uma boa parte da mídia alternativa no Brasil se faz com organizações do tipo empresarial, ainda que, em geral, sejam pequenas ou médias empresas (ou cooperativas), por oposição às grandes corporações que dominam os mercados privados publicitários e/ou de concessão de verbas públicas. Está mais do que na hora de se buscar regras de financiamento que, para além das visões mercadológicas estreitas, garantam uma verdadeira pluralidade na construção da informação no Brasil. O artigo é de Flávio Aguiar.

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Surge em boa hora a proposta de criação de uma Associação Brasileira de Empresários da Comunicação Alternativa. Ela vem maré montante da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que se realizará de 14 a 17 de dezembro próximo, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília. A proposta é pertinente, inclusive, a partir do uso da palavra ‘Alternativa’ para qualificar o empreendimento e, por tabela, seus empreendedores.

A expressão não vem sem controvérsia. Há quem a repudie, por várias razões. Primeiro, vamos a um pouco de história. A expressão ‘Imprensa alternativa’ (então se falava muito pouco em ‘mídia’) ganhou ímpeto no Brasil dos anos 70 (1) . Ela surgiu de várias fontes (entre elas esse escriba), como uma resposta ao carinhoso apelido que o escritor João Antonio deu aos jornais, em geral pequenos, que se contrapunham à censura da ditadura militar e à auto-censura praticada no jornalismo convencional brasileiro: ‘imprensa nanica’.

O termo ‘nanica’ não ofendia nem desqualificava. Pelo contrário, trazia à tona a metáfora de Davi contra Golias. Pitoresco, dava o sabor de um certo heroísmo, quixotesco ou não, à atividade dos grupos de jornalistas e intelectuais que se reuniam em cooperativas ou com outras formas de organização para se opor à hegemonia que a ditadura e a auto-proclamada ‘grande imprensa’ construíam diariamente no campo da informação – não sem conflitos entre si, como atestam os casos de censura, por exemplo, ao Estadão e em outros episódios.

Mas se ele não desqualificava, tampouco qualificava muito. Não me refiro ao campo moral, mas sim ao conceitual. Deixava brechas importantes. Por exemplo: como qualificar o gigantesco empreendimento de Última Hora, de Samuel Wayner, de quem nos considerávamos herdeiros? Esse empreendimento nada tivera de ‘nanico’. Mas fora sim alternativo. Alternativo a quê? À busca de hegemonia pela então ‘grande imprensa’ na sua luta (sanha, talvez) para derrubar Getúlio Vargas. O Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, era, na verdade, um ‘nanico’ que só cresceu com o manto protetor de Roberto Marinho, com seu O Globo, e de outros órgãos da imprensa conservadora.

Assim, ‘na história brasileira os freqüentes alternativos seriam jornais [ou mídia, no sentido atual, mais amplo] que se oporiam ou se desviariam das tendências hegemônicas na imprensa convencional brasileira, que esta pretende [cartelizando-se] tornar hegemônicas no país’ (2).

Além de ter profundidade histórica, a expressão ‘alternativa (o)’ ganhou ampla aceitação acadêmica. O exemplo mais conspícuo disso é o clássico Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa, de Bernardo Kucinski (3), tese de doutorado defendida pelo autor em 1991, na ECA/USP. Também deve-se citar que o termo ‘alternativa (o)’ tem larga aceitação internacional, em várias línguas, na esteira do pensamento de Noam Chomsky, Edward S. Herman, Mike Gunderloy e outros, em contraposição ao que denominam, em inglês, a ‘mainstream mídia’, que, valendo-se do ‘propaganda model’, definido pelo primeiro, perseguiriam a construção de um ‘manufactured consent’.

Os que se opõem ao termo preferem, em geral, outras expressões, mas elas padecem de particularismo (como no caso de ‘mídia de esquerda’, ‘dos trabalhadores’, ‘popular’, etc.) ou vão ao encontro de palavras que os próprios próceres da mídia convencional (também chamada de corporativa ou conservadora) usam para se qualificar: ‘livre’, ‘independente’, por exemplo. Pode-se perguntar: ‘livre’ ou ‘independente’ do quê? Essas últimas expressões recendem a uma visão também convencional, aquela mesma que quer vender o peixe de que é possível um jornalismo ‘isento’, ‘neutro’, e outros pingentes da coroa liberal com que a mídia tradicional quer se cingir.

Quanto ao fato da proposta ser para a formação de uma associação de empresários, também isso vem em boa hora. É inegável que uma boa parte da mídia alternativa no Brasil se faz com organizações do tipo empresarial, ainda que, em geral, sejam pequenas ou médias empresas (ou cooperativas), por oposição às grandes corporações que dominam os mercados privados publicitários e/ou de concessão de verbas públicas, mediante publicidade ou outros meios (isenção de impostos, etc.). Está mais do que na hora de se buscar regras de financiamento que, para além das visões mercadológicas estreitas, garantam uma verdadeira pluralidade na construção da informação no Brasil, para que, ao invés do ‘manufactured consent’ que a ‘grande mídia’ quer impor cotidianamente, se dêem asas a possibilidade da dissensão, do contraditório, do múltiplo, em larga escala.

Esperemos que a iniciativa se concretize, já a partir da 1ª Confecom.

Notas

(1) V. Aguiar, Flávio – ‘Imprensa alternativa: Opinião, Movimento, Em Tempo’. Em Martins, Ana Luiza e De Luca, Tânia Regina (orgs.) – História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.

(2) V. Aguiar, Flávio – op. cit., nota 1, p. 236.

(3) São Paulo: Edusp, 2003. 2a. ed.’

 

MONOPÓLIO
Marco Aurélio Weissheimer

Prática de monopólio midiático em debate no sul do Brasil

‘Depois da ação movida contra a RBS por procuradores do Ministério Público Federal em Santa Catarina, possível prática de monopólio pelo maior grupo de comunicação do sul do país é tema de uma inédita audiência pública no Rio Grande do Sul. Procurador da República Pedro Antonio Roso solicitou à direção da empresa informações sobre o número de veículos de TV e rádio que o grupo possui no Estado. Na resposta, a RBS diz ter apenas duas concessões de TV no RS. Já o site institucional da empresa fala em 18 emissoras de TV aberta (12 no RS e 6 em SC).

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No dia 5 de outubro deste ano, o procurador da República em Canoas (RS), Pedro Antonio Roso, solicitou ao presidente do Grupo RBS, Nelson Pacheco Sirotsky, entre outras informações, o número de veículos de TV e rádio que a empresa possui no Rio Grande do Sul, ‘bem como suas afiliadas, emissoras e repetidoras’. O pedido faz parte de um procedimento administrativo instaurado pelo Ministério Público Federal para ‘apurar ocorrência de possível prática de monopólio e irregularidades nas concessões de Rádio e Televisão por parte do Grupo RBS no Rio Grande do Sul’. Em uma iniciativa inédita, o MP Federal no Rio Grande do Sul promoveu uma audiência pública para discutir o tema com representantes da sociedade

Na audiência realizada na tarde de quarta-feira (25), na Câmara de Vereadores de Canoas, foi divulgada a resposta da RBS ao requerimento. O documento assinado pela advogada Fernanda Gutheil, afirma que a RBS Participações S.A. detém apenas duas concessões de serviços de radiodifusão de som e imagem (TV) – Canal 12, em Porto Alegre; e Canal 8, em Caxias do Sul. Além disso, informa que a RBS Rádios Participações S.A. tem três permissões indiretas, duas FM e uma Ondas Médias (OM).

Não é exatamente isso que diz o site institucional da RBS, onde somos informados que a empresa possui 18 emissoras de TV aberta (12 no Rio Grande do Sul e 6 em Santa Catarina), além de 2 emissoras de ‘tv comunitária’ e uma emissora segmentada focada no agronegócio (21 no total, portanto, nos dois Estados). A RBS apresenta-se como ‘a maior rede regional de TV do país com 18 emissoras distribuídas no RS e em SC, com 85% da programação da Rede Globo e 15% voltada ao público local’. Além disso, possui ainda:

25 emissoras de rádio, 8 jornais diários, 4 portais na internet, uma editora, uma gráfica, uma gravadora, uma empresa de logística, uma empresa de marketing e relacionamento com o público jovem, participação em uma empresa de móbile marketing e uma Fundação de Responsabilidade Social.

Diante destes números, uma pergunta repetiu-se na audiência pública: Se a RBS afirma ter apenas duas concessões de TV no Rio Grande do Sul, a quem pertencem as outras 10 emissoras de TV aberta que são mencionadas no site institucional da empresa? Emissoras como a RBS TV Passo Fundo, RBS TV Santa Maria, RBS TV Santa Rosa, entre outras. Formalmente, essas emissoras estão abrigadas sob outro CNPJ e a RBS tem usado esse argumento para afirmar que não está infringindo a lei que estabelece no máximo duas emissoras por titular. Argumento, aliás, repetido por outras empresas em outros Estados do Brasil. O Decreto-lei 236/67, em seu artigo 12, cabe lembrar, limita em duas concessões no máximo por proprietário dentro do mesmo Estado.

A audiência realizada em Canoas contou com representantes do Ministério Público Federal, do Ministério das Comunicações, da Agência Nacional de Telecomunicações, da Advocacia Geral da União e da sociedade civil. Álvaro Augusto de Souza Neto, coordenador de renovação e revisão de outorga do Ministério das Comunicações, e Marcos Augusto do Nascimento Ferreira, da AGU, disseram que as concessões da RBS estão de acordo com a legislação atual e, em tese, não se pode afirmar a prática de monopólio pela empresa no Rio Grande do Sul. Sobre esse tema, o procurador da República Celso Três, que move, junto com dois colegas do MP Federal, uma ação contra a RBS em Santa Catarina, tem um entendimento diferente, conforme afirmou a propósito da ação que move contra a empresa naquele estado:

Quando a lei diz que tu não podes ser titular de mais de dois veículos, qual é o objetivo dela? É evitar concentração. Se é da mesma família, se tem a mesma programação, está concentrado, é evidente. É uma fraude clara ao objetivo da lei. Não teria sentido proibir que alguém seja proprietário de mais de dois meios de comunicação e permitir que esse meio de comunicação transmita a mesma programação, tenha a mesma linha editorial etc. É a mesma coisa que nada.

Em cada estado, um titular só pode ter no máximo duas emissoras – emissoras, não retransmissoras. Este é outro vício: as emissoras têm outorgas de emissão, ou seja, elas deveriam produzir programação, mas não produzem ou fazem uma programação local ínfima, como é o caso da RBS. Existem várias ‘emissoras’, em Florianópolis, Criciúma, Lages, Xanxerê, Blumenau, Joinville. Mas, na verdade, elas só produzem um noticiário local.

A radiodifusão – emissora de rádio e TV – deve estar em nome de pessoa física, não de pessoa jurídica, e cada pessoa só pode ter duas por estado. Daí, o que eles fazem é colocar em nome de pessoas da família (em Santa Catarina, no caso). E isso tudo está demonstrado claramente na ação. Inclusive a questão da retransmissão.

Ao final da audiência em Canoas, o procurador Pedro Antonio Roso decidiu solicitar maiores informações ao Grupo RBS para esclarecer qual a relação mantida entre a empresa e as emissoras de TV do interior do Estado, que tem o mesmo nome, transmitem a mesma programação e integram a vida institucional do grupo, conforme é dito no site institucional do mesmo. Reconhecendo os limites que a legislação brasileira atual oferece para a caracterização da prática de monopólio no setor, o procurador pretende reunir maiores informações sobre o caso para definir se está ocorrendo ‘monopólio de fato’ no Rio Grande do Sul, seguindo entendimento de colegas seus em Santa Catarina.’

 

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