Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Informar, alcançar, mobilizar

Em reportagem publicada na revista Imprensa, a secretária nacional de comunicação da CUT, Rosane Bertotti, disse que a ‘imprensa brasileira tradicional não tem cumprido o papel de informar a realidade aos brasileiros’. Pressupõe-se que por ‘tradicional’ a secretária tenha se referido aos meios como TV, rádio e jornal. Mas há na mesma reportagem crítica às redes sociais como os blogs e o Twitter, quando estes se travestem de jornalismo. Alguém se lembra do movimento ‘Fora Sarney’, do ano passado? Por uma hora, no auge da campanha, chegou a gerar pelo Twitter 10 mil mensagens de apoio. Pois bem, quando chegou o momento do virtual virar real, poucas centenas compareceram aos atos de protesto. O que houve?


Em ampla e detalhada cobertura, o jornal A Gazeta tem mostrado o escândalo (parece até fraco este substantivo ‘escândalo’) da Operação Naufrágio, no Espírito Santo, envolvendo juízes e desembargadores com a venda de sentenças e enriquecimento ilícito. O fim do sigilo nas investigações trouxe a público as gravações que enojam qualquer pessoa de boa fé. Também A Gazeta – numa oportuna série – identificou a insatisfação de boa parte da população quanto ao trabalho que os prefeitos têm (ou não têm?) feito nos municípios.


Pergunto: a imprensa informou bem aos leitores sobre um e o outro caso? Acredito que sim. Mas alguém se sentiu tocado, mobilizado e decidido a ir ao Tribunal de Justiça ou à prefeitura revelar sua indignação? Não. Encontraram outra forma de protestar? Não.


Tempo e atenção


Então, o problema é informar ou alcançar e mobilizar? Na campanha ‘Fora Sarney’ o Twitter alcançou, mas não mobilizou. No caso da Operação Naufrágio, a informação foi dada, mas terá alcançado? No caso das prefeituras, a falta de entusiasmo do cidadão é ainda mais flagrante. Se havia insatisfação não seria de se esperar um sinal de protesto antes mesmo da reportagem? Pois nem antes, nem depois!


Em Brasília o povo pediu o afastamento do governador José Roberto Arruda que foi preso. Mas convenhamos que se trata de um quase isolado caso diante do volume de denúncias e escândalos pelo país. Alguém, por exemplo, conseguiu mobilizar a população a protestar contra a censura imposta pela Justiça ao jornal Estado de S.Paulo? E a decisão da de manter o prefeito de São Paulo no cargo após ter sido cassado? Não pode ele, agora, interferir na investigação? Vamos aguardar os protestos…


Há uma grande diferença entre o poder da imprensa como agente mobilizador hoje e no passado recente do país.


O tempo e a atenção do público estão mais dispersos diante da pluralidade de plataformas e de novos agentes que disputam a atenção. Nem todas as mídias estão interessadas em fornecer notícias – e notícias sérias – aos seus ‘clientes’.


O papa e o diabo


O jornalista não é mais o único mediador entre os interesses da população e as fontes da informação. Muitas ‘autoridades’ usam as redes sociais para entrar em contato direto com o cidadão, excluindo o jornalista, seus questionamentos e a checagem do que lhe é dito. Participa-se do fórum, ou da rede, ouve-se MP3 e no mesmo saco entram as notícias, sem hierarquia. E assim o entretenimento ocupa o espaço do jornalismo e confunde. A notícia perde força. Vai-se a credibilidade! E, sem ela, não se mobiliza nem uma mosca a se lambuzar no açúcar.


Isto pode acontecer na internet, no jornal, na TV ou no rádio. A questão é que o modelo de negócio da comunicação mudou, o gosto do público se transformou e o jornalismo –este sim – não pode mudar o seu contrato com a sociedade. Terá de inovar sem mudar.


Por que é importante que a informação continue alcançando e mobilizando? Guardo uma frase de Sidnei Basile, diretor do Grupo Abril: ‘Uma das responsabilidades e, ao mesmo tempo, oportunidades da mídia é a de não deixar de exercer a influência sobre o seu público’. Este parece ser um bom caminho para garantir a sobrevivência das empresas de comunicação e o papel da imprensa na democracia. Só assim continuaremos sabendo que o papa era o diabo.


[Em tempo: ‘Papa’ era a forma como os envolvidos na Operação Naufrágio se referiam ao presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, desembargador Frederico Pimentel, preso e afastado do cargo.]

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Jornalista, chefe de reportagem da TV Gazeta, autor de Inovação no Telejornalismo