Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Brasil tem redução de 8,6% nos desertos de notícias em 2023, mas o jornalismo local precisa de incentivo

A sexta edição do Atlas da Notícia, o censo realizado pelo Projor para mapear a presença do jornalismo local no Brasil, exibe como resultado uma virada no jogo da ocupação dos desertos de notícias no país. Pela primeira vez desde que a pesquisa começou a ser realizada, em 2017, é menor o número de municípios considerados desertos do que o de cidades que contam com ao menos um veículo de comunicação jornalística servindo a sua população.

O resultado do censo realizado em 2023 mostrou uma redução de 8,6% no total de desertos de notícias. São 256 municípios a menos na conta, mas, ainda assim, restam 2.712 cidades e 26,7 milhões de brasileiros que nelas habitam sem acesso a notícias sobre o lugar onde vivem.

A redução dos desertos foi identificada num esforço coordenado com 303 colaboradores voluntários e estudantes de 80 organizações e universidades que se dedicaram nos últimos meses a encontrar veículos de comunicação em lugares onde não havia registro de atividade jornalística e a atualizar um banco de dados de 14.444 organizações e iniciativas jornalísticas.

A expansão do digital e a identificação de rádios comunitárias que produzem conteúdo noticioso impulsionou a redução dos desertos. Em comparação com o mapeamento anterior, de 2022, o Atlas da Notícia acrescentou mais 575 iniciativas nativas digitais e 239 rádios a sua base de dados. Agora, há 5.245 veículos digitais e 4.836 rádios oferecendo notícias em seus canais. Juntos, os dois meios representam 70% do total de veículos mapeados pelo Atlas em 2023.

Há boas notícias vindas também do Norte, onde 95 municípios deixaram de ser desertos de notícias, e do Nordeste, que tem agora 87 municípios a menos nessa lista. As duas regiões também foram as que menos perderam cidades para a lista de desertos. No Nordeste, somente duas cidades perderam seu único veículo de comunicação local, no Norte, nenhuma.

Mesmo assim, é o Nordeste que tem o maior número de desertos. Nesta edição do censo, o Piauí ultrapassou o Rio Grande do Norte como a unidade da federação com mais desertos em proporção ao número de cidades. O estado tem 224 municípios e os habitantes de 172 deles, 76,8%, não têm nenhum veículo de comunicação local a seu serviço. No Rio Grande do Norte, 9 cidades deixaram de ser desertos. Ainda assim, dos 167 municípios, 128 são desertos de notícias, o que representa 76,6% do total de municípios.

Pará e Pernambuco foram os estados com mais municípios deixando a lista dos desertos de notícias. Em 36 cidades de cada um desses estados, o Atlas identificou veículos de comunicação em atividade que não constavam na sua base. O Rio de Janeiro é ainda o estado com menor número de desertos, embora esse número tenha quase dobrado desde o último levantamento. Em 2022 eram 4 os desertos de notícias no estado fluminense, hoje são 7.

Site do Atlas

O site do Atlas da Notícia traz novidades nesta edição. Agora será possível ver todos os principais dados em uma única página, facilitando a pesquisa para todos. Acadêmicos, pesquisadores e jornalistas terão acesso exclusivo a uma plataforma que possibilitará o cruzamento com diversas bases de dados. A solicitação pode ser feita nesta página e a ferramenta estará disponível a partir de 14 de agosto de 2023.

Fechamentos

O Atlas da Notícia também acompanha o fechamento de veículos. Neste ano foram identificadas mais 39 organizações que encerraram as suas atividades. Com essas, são 942 as organizações registradas na base de dados e que foram fechadas nos últimos anos. Os veículos impressos lideram essa triste estatística, com 532 fechamentos, mas há também na lista 317 iniciativas online, o que demonstra a fragilidade de parte desses empreendimentos.

Dos veículos digitais mapeados, 1.671 são blogs ou operam diretamente em plataformas de redes sociais. Esse número representa 32% dos veículos digitais mapeados pelo Atlas. Ainda que o tamanho do empreendimento não determine a qualidade de seu conteúdo, o jornalismo feito por empreendedores individuais tem alguns desafios a mais para sustentabilidade num ambiente em que a busca por diversidade de fontes de financiamento parece ser a regra.

Capacitação para gestão, experimentação de novos modelos de financiamento e políticas públicas que incentivem o surgimento e a sobrevivência de veículos de comunicação local são necessárias e urgentes para a garantia de um ambiente de boa oferta de informação de interesse público. Sobretudo numa sociedade tão castigada pela desinformação, a sobrevivência do jornalismo local é a sobrevivência da própria democracia. O mapeamento dos desertos de notícias é também o mapa dos lugares onde a democracia corre mais riscos.

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Sérgio Lüdtke é presidente do Projor e coordenador da equipe de pesquisadores
Sérgio Spagnuolo é diretor do Núcleo Jornalismo e coordenador de dados do Atlas da Notícia.