A mais recente edição do Atlas da Notícia indicou uma redução de 8,6% no número de municípios brasileiros sem qualquer jornal ou rádio para atender às necessidades informativas de seus moradores. É um dado animador e que mostra como a multiplicação de projetos online pode contribuir para aumentar a importância do jornalismo local dentro do ecossistema informativo brasileiro.
Apesar da redução dos chamados desertos de notícias no país, cerca de 26,7 milhões de párias da informação vivem em 2.712 municípios (cerca de metade do total nacional) onde a falta de jornais, rádios e acesso precário à internet tornam extremamente difícil o exercício da democracia e geram índices extremamente baixos de desenvolvimento humano.
Nestas condições, quase 1/3 do território nacional vive um estado de marginalidade informativa que leva as pessoas a descrerem na ação do Estado, aceitarem situações à margem da lei e se tornarem vítimas da desinformação e notícias falsas. Além disso, a falta de informação facilita a expansão do coronelismo eleitoral e inviabiliza o compartilhamento de notícias entre as pessoas, comportamento que é capaz de gerar conhecimentos e soluções para os problemas da comunidade.
O jornalismo focado em problemas locais é o antídoto comprovado em todo o mundo para resolver tanto a anemia democrática (ausência de participação política) como o déficit de capital social (conhecimento coletivo). Nós, brasileiros, temos muito a aprender com o trabalho de pesquisadores acadêmicos norte-americanos como Josh Sterns que monitorou a relação entre notícias locais e participação eleitoral desde 2018, em pequenas e médias cidades dos EUA. Seu estudo mostrou como a falta de informação aumenta em até 60% a abstenção eleitoral.
Já o professor Jan-Werner Mueller, da universidade de Princeton e autor do livro Democracy Rules, afirma que o jornalismo comunitário se mostrou o mais eficiente recurso para reduzir a polarização político-ideológica dentro de comunidades com menos de 50 mil habitantes. Ainda no terreno político, um levantamento feito pela escola Medill de Jornalismo, da universidade Northwestern, também nos Estados Unidos, indicou que um terço dos norte-americanos consultados numa pesquisa de opinião acreditam que o jornalismo local consegue reduzir drasticamente a corrupção nas prefeituras.
Desertificação e sustentabilidade
Não temos aqui no Brasil tantos estudos sobre a relação entre as notícias locais e o comportamento político da população em pequenas e médias cidades do interior ou na periferia de grandes cidades. Trata-se de uma lacuna que precisamos preencher para que a tendência de redução dos desertos informáticos detectada pelo Atlas da Notícia 2023 possa ser intensificada, e principalmente, gerar benefícios para os pouco mais de 60 milhões de brasileiros que vivem em cidades com menos de dois ou nenhum jornal local.
A redução de 8,6% no total de municípios brasileiros considerados desertos informativos aconteceu basicamente devido ao crescimento do número de projetos jornalísticos online, o que indica uma forte tendência de profissionais e não profissionais do jornalismo de trocar o impresso pelo digital que, no campo da produção de notícias, exige um investimento inicial muito menor. É um enorme estímulo à rápida multiplicação de iniciativas, mas que embute um desafio futuro ainda não resolvido. Trata-se do dilema da sustentabilidade financeira, fator responsável nos Estados Unidos pelo fechamento de quase 80% dos projetos jornalísticos locais, após uma sobrevida média de dois anos e meio. O Atlas da Notícia 2023 registrou um total de 950 veículos fechados, 326 dos quais eram projetos digitais onde quase um terço estavam na região sul, mas não detalha quantos eram locais e nem porque fecharam.
A sustentabilidade financeira é o grande desafio para o futuro do jornalismo local tanto aqui como nos Estados Unidos, bem como na Europa e no resto de América Latina. O cemitério de projetos comunitários mostra que o problema é complexo e tudo indica que cada iniciativa terá que encontrar a sua própria combinação de ações e estratégias. Isto porque a sobrevivência financeira não depende mais basicamente de publicidade paga, mas de um conjunto de propostas que não têm relação direta com a questão financeira e sim com a confiança entre o público e os jornalistas.
Cada caso é um caso
Esta relação entre as pessoas e os profissionais surge na medida em que leitores, ouvintes, telespectadores e usuários da Web percebem valor e utilidade nas informações publicadas. Para que isto seja alcançado, o jornalista deve estar plenamente engajado na comunidade para poder identificar o que ela realmente deseja, necessita e propõe, podendo, a partir deste conhecimento, produzir notícias que consolidem no público a convicção de que vale a pena pagar por elas.
Isto, é claro, não surge da noite para o dia e nem ao acaso. Cada projeto jornalístico está inserido numa realidade específica que precisa ser estudada em detalhe, o que só se consegue com a ajuda de profissionais com experiência neste tipo de iniciativa. Daí a necessidade de criação de centros de pesquisa sobre jornalismo local nas várias regiões do Brasil. Algo que entidades como o PROJOR, Observatório da Imprensa e Atlas da Notícia têm plenas condições de levar adiante graças à experiência, autoridade e conhecimentos acumulados ao longo dos anos.
Aqui no Brasil, não disponho de dados sobre o percentual de publicações locais no conjunto da imprensa nacional, mas nos Estados Unidos, nada menos que 80% das publicações jornalísticas cobrem assuntos comunitários. A esmagadora maioria delas vê o futuro com pessimismo e acredita que não sobrevive mais de cinco anos, mantidas as condições atuais, segundo a pesquisa da universidade Northwestern.
Isto significa que um em cada cinco norte-americanos corre o risco de se tornar um pária informativo até 2030, o que significa perda de poder político, alta vulnerabilidade à desinformação, risco de envolvimento na radicalização ideológica e cultural, sem falar no aumento do déficit de capital social responsável pelo desenvolvimento econômico local. Por isto, existem nada menos do que 75 organizações governamentais, não governamentais, filantrópicas e acadêmicas norte-americanas buscando soluções para a sustentabilidade financeira do jornalismo local no país deles.
O público brasileiro ainda não despertou para o desafio urgente da “localização” no exercício do jornalismo. O Atlas da Notícia poderia agora mergulhar mais profundamente no universo da informação em pequenas e médias cidades, para produzir dados sobre o estado desta modalidade jornalística. Estes dados serão fundamentais para o público exercer seu direito a notícias que garantam a saúde democrática e o aumento do capital social nas comunidades onde vive.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.