De uma eleição a outra, de norte a sul, os eleitores latino-americanos votam à direita ou à esquerda. Atualmente, mais à esquerda. Há alguns anos, mais à direita. Coincidências conjunturais dão o que comentar. A cada estação, as cédulas eleitorais privilegiam uma onda da direita, precedida ou subsequente a uma onda progressista. Mas o que significam estes ciclos, com os seus ritmos obscuros? Por que são conservadores durante algum tempo? Por que se desviam para a esquerda três ou quatro anos mais tarde?
Os vencedores, aqui à direita, lá à esquerda, celebram os seus candidatos e os seus programas e descrevem com grande pormenor os erros, ou mesmo as falhas dos adversários derrotados. O que falta compreender, para além de qualquer situação excepcional, são as razões de sua derrota, o próximo golpe eleitoral? Na Argentina, a extrema-direita, com Javier Milei, venceu as primárias presidenciais obrigatórias de 13 de agosto de 2023. No dia 20 de agosto seguinte, um candidato de centro-esquerda, Bernardo Arévalo, venceu em primeiro turno na Guatemala. No Equador, Luisa González, também de centro-esquerda, ficou à frente de sete outros candidatos à magistratura suprema.
Estaríamos, por dois pontos a um, na presença de uma onda de esquerda nascente, consolidando os resultados das eleições de 2019 a 2022 na Argentina (2019), Bolívia (2020), Chile (2021), Honduras (2021), Colômbia e Brasil (2022)? Em 2019, Alberto Fernández ganhou com uma vitória esmagadora na Argentina, sob as cores do partido justicialista de centro-esquerda. Depois, Gabriel Boric, no Chile, Xiomara Castro, em Honduras, em 2021, Gustavo Petro, na Colômbia, e Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil, em 2022, ganharam as eleições presidenciais em seus respectivos países, em nome das forças de esquerda.
No entanto, no Uruguai e em El Salvador (2019), no Equador (2020), na Costa Rica (2022) e no Paraguai (2023), a direita venceu. O resultado obtido pela esquerda na Argentina em 2019 foi contestado pelos eleitores nas eleições legislativas de 2022 e nas primárias de 2023. Um referendo constitucional foi perdido no Chile em 2022 por Gabriel Boric. Em 7 de maio de 2023, a direita chilena obteve a maioria dos 50 membros do Conselho Constitucional encarregado de retomar a elaboração de uma nova Lei Fundamental.
Estes resultados que simulam o movimento de abertura e fechamento de um acordeom partidário levantam questões. Tal como as sondagens que confirmam, mês a mês, a perda de popularidade do chefe de Estado chileno e do seu colega colombiano, Gustavo Petro. No Barômetro Latino 2023, ambos têm avaliações negativas, de 50% para o chileno e 51% para o colombiano. O salvadorenho Nayib Bukele, que se baseou nas liberdades públicas para esmagar a criminalidade, ficou em primeiro lugar com 90% de opiniões positivas.
Se olharmos mais atentamente para as últimas votações na Argentina, no Equador e na Guatemala, duas coisas se tornam claras. Há razões objetivas para a mudança. Os eleitores viraram a mesa para assinalar a sua expectativa de uma política diferente. Na Argentina, no Equador e na Guatemala, a vida cotidiana das populações não foi tida em conta, ou não o foi suficientemente, pelos governos no poder. Os votos expressos em Buenos Aires, Quito e Cidade da Guatemala puniram as autoridades que deixavam o poder, considerando o seu balanço de resultados insuficiente.
O argentino Alberto Fernández, um peronista de centro-esquerda, venceu em 2019. Mauricio Macri, o chefe de Estado de direita que então estava na presidência, facilitou-lhe as coisas. Naquela altura, a Argentina estava atolada econômica, financeira e socialmente. Mais de 40% dos argentinos viviam abaixo do limiar da pobreza. O país estava mais uma vez fortemente endividado. Quatro anos depois, nada mudou realmente para os argentinos. Mais de 40% dos argentinos continuam a viver abaixo do limiar de pobreza e o país continua fortemente endividado. A inflação está fora de controle. No final de julho, a taxa de inflação era de 113,4%. O peso foi desvalorizado em 18,3% em meados de agosto, acelerando a alta dos preços.
No Equador, Guillermo Lasso legou ao seu sucessor um país em maus lençóis. A situação econômica e social não é nada favorável. A insegurança, por si só, deu um salto espetacular, a ponto de lançar o país no círculo pouco invejável dos países mais perigosos da América Latina. Em 2023, a taxa de homicídios por 100.000 habitantes ultrapassará as do Brasil e do México. O assassinato, em 9 de agosto, de um candidato conhecido pelas suas investigações anticorrupção, as guerras entre grupos mafiosos até nas prisões, o assassinato de políticos eleitos e de seus colaboradores em localidades situadas em corredores disputados pelos narcotraficantes, sobrecarregaram a polícia e a capacidade de resposta do Presidente e do seu governo. A frustração era esperada, e se fez sentir de maneira inconfundível.
“A Guatemala estava de mal a pior”, diz Guatepeor. 24% das receitas do país provêm de remessas enviadas pelos guatemaltecos que saíram do seu país devido à pobreza. 52% da população vive abaixo do limiar da pobreza. 25% dos guatemaltecos são analfabetos. As “elites” sociais dirigem o Estado para si, bem como a a Justiça e a polícia. Transformaram o país num lugar onde os que podem não pagam impostos. A campanha eleitoral foi marcada por irregularidades grosseiras, denunciadas pelas Nações Unidas, pelos Estados Unidos, pela União Europeia e por várias organizações de defesa dos direitos humanos. No final, um tsunami de protestos levou o mais improvável dos candidatos, Bernardo Arévalo, ao poder, com vistas a dar novo rumo à vida.
Neste contexto, é difícil enxergar qualquer coerência partidária, e muito menos ideológica, nos últimos resultados eleitorais e nos anteriores. Há muito mais um sentimento de exasperação coletiva, que leva à censura e a alternâncias politicamente cegas. Os votos vão de um extremo a outro da oferta eleitoral, por falta de respostas concretas e eficazes a questões sociais e de segurança urgentes. Mas até quando e até onde isso vai continuar? Os partidos políticos vêm sendo desafiados, ou deveriam estar sendo desafiados, por essa constatação, sobretudo os de esquerda que pretendem representar as esperanças das camadas mais vulneráveis da população. Os outros, à direita, tradicionalmente na América Latina, fecham as urnas quando a situação fica fora de controle. Ontem através de golpes de Estado, hoje através da manipulação da Justiça, dos meios de comunicação social e das redes sociais.
Notas
Texto publicado originalmente em francês, em 24 de agosto de 2023, no site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “Alternances électorales en question: Argentine, Équateur, Guatemala…”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/114193. Tradução de Andrei Cezar da Silva e Luzmara Curcino.
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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura, ambos da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos.