No Brasil, a mídia exerce um poder superlativo e desproporcional, bem típico de república de bananas. Nesses países, quem pauta as decisões políticas são os grandes conglomerados de comunicação. Os jornalistas, por sua vez, levam ao papel os acordos de alcova e os interesses corporativos de seus chefes sem, obviamente, explicitar a razão de suas motivações.
Ultimamente, a coisa anda tão séria por aqui que alguns deputados chegaram a afirmar o seguinte: pretendem aguardar a ‘pressão’ da imprensa para, aí sim, pedir o impeachment do presidente Lula. Pode parecer estranho, mas, por estas plagas, a instituição responsável pelas resoluções de Estado não atende nem pelo título de parlamento nem pelo título de tribunal.
Neste sentido, a última capa da Veja (‘As cores da crise’) é lapidar, conforme o oportuno vocabulário ventilado pela revista. No entanto, a associação entre o nome do presidente e a famosa ‘marca’ de Collor pode ser chamada de tudo, menos de jornalismo. Na já clássica edição do semanário, a palavra ‘Lulla’ (os dois eles em verde e amarelo) cintila sobre um fundo negro. A imagem é bem semelhante a um famoso ícone da década de 90. Ainda que a Veja procure relacioná-la à causa nobre das ‘Diretas’, a representação certamente servirá de leitmotiv para os oportunistas de plantão e também para os incautos que mal sabem o que é uma CPI. A própria Veja, no corpo da matéria, se encarrega de incitar os ‘caras-pintadas’ que, segundo afirma, já começam a aparecer.
Proposta poderosa
Comparações são sempre arriscadas. Todavia, seguindo-se essa lógica, é válido ressaltar que Lula não pode ser equiparado a Collor por uma razão simples: até então, o esquema investigado não aponta para o enriquecimento pessoal do presidente. O mensalão pode ser mais caudaloso do que o ‘esquema PC’, mas a sua perspectiva é diversa. Hoje, não se está falando dos Jardins da Casa da Dinda, mas de caixa 2 de campanha e de aliciamento de deputados em prol de um projeto de poder. É sórdido, só que, goste-se ou não, é diferente.
Portanto, utilizar uma alegoria tão cara e simbólica ao imaginário brasileiro é, no mínimo, perigoso. Que se considere o presidente despreparado, parlapatão ou mesmo populista é uma coisa, mas compará-lo a Collor é algo absolutamente excessivo. Principalmente quando quem o faz é um veículo pertencente a uma editora que, segundo o próprio TSE, contribuiu para a campanha de deputados do PSDB. O tucanato, diga-se de passagem, é quem mais almeja retomar a presidência da República, mas, como foi divulgado, também usufruiu do valerioduto em 1998.
É importante a imprensa aventar a possibilidade de o presidente saber do mensalão. O que não se admite é insuflar a ‘platéia’, sob o pretexto de ser ‘combativa’ ou ‘de vanguarda’. Lograr, confundir, induzir analogias foi o que fez o Ministério da Propaganda na Alemanha de Hitler. O público da Veja, simpático à causa da revista, certamente será receptivo a sua proposta. Conforme explica o conceito da dissonância cognitiva, manter opiniões contraditórias ao que parece ‘óbvio’ é muito complicado. O melhor mesmo é aderir ao que alguém mais poderoso e com mais ‘informação’ propõe. A Veja, senhores, desfraldou a campanha do impeachment. Agora, cabe ao seu público encampá-la.
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Relações-públicas, Salvador