‘Just my imagination’. O título e refrão da canção dos ‘The Cranberries’ ilustra, com maestria, o habilidoso trabalho de uma parcela considerável de escritores. A maioria destes profissionais, que se utiliza da rica arte de combinar palavras para expressar os sinuosos contornos de sua imaginação, proporciona, sem sombra de dúvidas, o enriquecimento intelectual de todos nós, ávidos leitores.
Em várias obras da literatura internacional e também nacional, como em Lugares que não conheço, pessoas que nunca vi, Cecília Giannetti conta fascinantes histórias através de um cadenciado jogo de vocábulos que prende a atenção daqueles que se encantam com o título da obra, desde o despretensioso olhar lançado sobre o título ainda nas prateleiras de uma livraria.
Já no jornalismo, os repórteres que atuam em veículos impressos precisam, sem sombras de dúvidas, da singular habilidade de grandes escritores para proporcionar uma leitura agradável àqueles que desejam conhecer seu trabalho, mas, além disto, precisam transmutar a poética afirmação ‘Just my imagination’ para ‘Not my imagination’, uma vez que nós, repórteres, temos de estar capacitados para recontar histórias reais.
‘Imitação’ da notícia
Diante da vertiginosa rapidez com a qual os fatos se tornam públicos, ‘ejaculados na terrível velocidade da queda’, por intermédio das novas tecnologias, os repórteres de jornais impressos têm obrigação de garantir o predomínio do interesse público através do exercício de sua função social.
Em uma grande parcela dos mass media predomina o ‘mimetismo midiático’, conceito criada pelo jornalista espanhol Ignacio Ramonet que, infelizmente, foi forçadamente imposto aos profissionais de comunicação.
‘O mimetismo é aquela febre que se apodera repentinamente da mídia (confundindo todos os suportes), impelindo-a na mais absoluta urgência, a precipitar-se para cobrir um acontecimento (seja qual for) sob pretexto de que os outros meios de comunicação – e principalmente a mídia de referência – lhe atribuam uma grande importância. Essa imitação delirante, levada ao extremo, provoca um efeito bola-de-neve e funciona como uma espécie de auto-intoxicação: quanto mais os meios de comunicação falam de um assunto, mais se persuadem, coletivamente, de que este assunto é indispensável, central, capital, e que é preciso dar-lhe ainda mais cobertura, consagrando-lhe mais tempo, mais recursos, mais jornalistas. Assim os diferentes meios de comunicação se auto-estimulam, superexcitam uns aos outros, multiplicam cada vez mais as ofertas e se deixam arrastar para a superinformação numa espécie de espiral vertiginosa, inebriante, até a náusea’ (RAMONET, 2001, p.20-21 apud TÓFOLI, Luciene, 2010).
Logo, temos a trágica conseqüência deste ‘mimetismo midiático’: manchetes recheadas por informações repetidas à exaustão na maior parte dos portais e jornais on-line, telejornais e programas de rádio. Frente a esta ‘imitação’ da notícia, o repórter do jornal impresso, que irá publicar somente no dia seguinte a sua matéria sobre o mesmo fato, precisa, urgentemente, reinventar sua apuração, pois ele pode cometer o erro de ‘circulação circular da informação’.
Letras garrafais em vermelho e preto
‘Para fazer o programa do jornal televisivo do meio-dia é preciso ter visto as manchetes do 20 horas da véspera e os jornais da manhã e para fazer minhas manchetes do jornal da noite é preciso que tenha lido os jornais da manhã’ (TÓFOLI, Luciene, 2010).
Desde a última quarta-feira, 24/2, o nome de Marcos Antunes Trigueiro tornou-se nacionalmente conhecido a partir das notícias veiculadas pelos meios de comunicação mineiros.
O homem de boa aparência e, até então, acima de qualquer suspeita, transformou-se no principal suspeito da polícia civil de Minas Gerais por ter, como apontam as investigações até o momento, estuprado e matado cinco inocentes mulheres na região metropolitana de Belo Horizonte. Será que a sociedade que acompanha o fato através dos demais meios de comunicação se contentaria somente com uma entrevista concedida pelo delegado e sua equipe de investigação, que seria estampada nas páginas do jornal no dia seguinte?
O jornal Estado de Minas destacou-se perante os demais periódicos na ‘terra do pão de queijo’ ao ir além da publicação de manchetes sensacionalistas com letras garrafais combinadas com as cores vermelho e preto, tradicionais em matérias policiais.
Indícios do crime
Embora não tenha dispensado tal mensagem subliminar, o ‘grande jornal dos mineiros’ colocou em xeque a atuação do Poder Judiciário na matéria intitulada ‘Impunidade deixou maníaco livre para matar’, veiculada em sua edição do último sábado, 26/2.
‘Marcos Antunes Trigueiro, o serial killer preso na manhã de quarta-feira, não deveria ter cruzado o caminho das cinco mulheres que violentou e estrangulou em 2009. Desde setembro de 2004, quando foi detido por cometer um latrocínio – matar para roubar – contra o taxista Odilon Eustáquio Ribeiro, deveria ter sido mantido atrás das grades, pois para esse tipo de crime é prevista pena de 20 a 30 anos’ (Estado de Minas, 2010).
Mas antes de destacar a importante afirmação em um dos jornais mais lidos de Minas Gerais (segundo o Índice de Verificação de Circulação, IVC, o periódico manteve, no ano passado, uma venda média, no estado, de 75 mil exemplares por dia), sua equipe de repórteres precisou investigar minuciosos detalhes deste caso policial, evitando, assim:
‘o declínio da veracidade da informação e a falta de polifonia na práxis do discurso jornalístico. Uma equação que vai contribuir para a desvalorização da profissão e para o desrespeito ao receptor’ (TOFÓLI, Luciene, 2010).
Com a investigação jornalística realizada por sua equipe de repórteres, o Estado de Minas cravou ainda, no dia 2 de fevereiro, um furo de reportagem com evidências sobre a possível existência de um serial killer na região metropolitana de Belo Horizonte:
‘Desde 11 de novembro, quando foi morta a contadora Edna Cordeiro de Oliveira Freitas, os policiais tinham reunido indícios de que esse crime era do mesmo autor dos assassinatos da empresária Ana Carolina Assunção, morta em 16 de abril, e o da comerciante Maria Helena Lopes Aguiar, em 17 de setembro. As evidências apontavam não apenas para a ação de um maníaco, como também para a certeza de que ele voltaria a agir’ (Estado de Minas, 2010).
Provas parecem convincentes
Assim como o consagrado periódico Washington Post ‘prestou um serviço à sociedade norte-americana, em 1974, com a divulgação de reportagens sobre o caso Watergate, estopim de investigação que resultou na queda do presidente Richard Nixon’ (TOFÓLI, Luciene, 2010), o jornal Estado de Minas ‘compreendeu que lhe cabia cobrar a prioridade da polícia e manter acesa a atenção das pessoas para a gravidade de ter à solta um monstro calculista, meticuloso e até então bem-sucedido em seu propósito de violentar e silenciar para sempre as vítimas de sua mente corrompida’.
O acerto da escolha veio antes mesmo da prisão do acusado. Foi graças à incansável cobertura do caso que se elucidou um dos mais intrigantes desaparecimentos da história recente de BH. Ao ler as reportagens, um policial percebeu que o corpo de uma jovem desconhecida, encontrado em 29 de outubro e enterrado no cemitério de Ribeiro das Neves, poderia ser de mais uma vítima do maníaco. Era da universitária Natália Cristina de Almeida Paiva, desaparecida em 7 de outubro e de quem o celular foi encontrado com o homem agora preso.
As provas científicas, com base no DNA do preso e no do material colhido das vítimas, somadas às evidências da apreensão na casa do bandido de aparelhos celulares que pertenciam a três das assassinadas, além do depoimento de um rapaz que ajudou o criminoso a empurrar um carro com defeito, identificado como sendo da estudante Natália, parecem convincentes.
Símbolo da democracia
A polícia pode ter dado fim a essa novela macabra. É justo reconhecer o mérito de quem, 22 dias depois de o EM ter revelado o perigo que rondava as famílias, conseguiu tirar o bandido de circulação e, certamente, vai garantir sua integridade até levá-lo à Justiça. Mas nem por isso as autoridades podem baixar a guarda ou a imprensa relaxar sua vigilância. Ambos têm responsabilidades com a sociedade. O Estado de Minas, como ficou demonstrado, não pretende abrir mão de cumprir sua parte’ (Estado de Minas, 2010).
‘O grande jornal dos mineiros’, assim como os repórteres, irá cumprir seu papel social em sua plenitude quando se conscientizar da importância de prezar pela garantia do interesse público no desempenho diário de suas atividades, pois ao fiscalizar a atuação dos três poderes – Legislativo, Executivo e Judiciário –, o ‘jornal, mais antiga, tradicional e consistente das mídias, a que teve função mais relevante nas transformações sociais, econômicas e políticas, se tornará símbolo da própria democracia’ (BRITO, Judith, 2010).
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Jornalista, Pedro Leopoldo, MG