Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Bolsonaro espera um milagre que derrube a sua inelegibilidade e o salve da cadeia

São pífios os resultados das estratégias para salvar o prestígio do ex-presidente Foto: EBC

Vou abrir a nossa conversa repetindo o que tenho escrito a respeito do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) desde a semana seguinte em que começou a cumprir o seu mandato, em 1º de janeiro de 2019. Ele não é um gênio. Mas é um cara esperto, que sempre soube usar pessoas que o rodeiam e desfrutam do seu prestígio político para fazer o serviço sujo que o mantém competitivo na disputa política. Por enquanto, essa maneira de agir está dando certo. Prova disso é que o presidente do partido de Bolsonaro, Valdemar da Costa Neto, mantém o seu apoio ao ex-presidente e à ex-primeira-dama Michelle. O apoio significa pagar as contas do casal e os milionários honorários dos advogados que os defendem. Costa Neto é considerado uma velha raposa da política brasileira, como os editores nos tempos das barulhentas máquinas de escrever nas redações descreviam uma pessoa calejada na arte da disputa partidária. Ele já teria caído fora se tivesse avaliado que o risco Bolsonaro é grande o suficiente para prejudicar o partido.

As manchetes diárias dos jornais indicam que o risco Bolsonaro cresce todos os dias. Vamos aos fatos. Uma sentença do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o tornou inelegível por oito anos. Os líderes que fazem parte do círculo íntimo do ex-presidente apostam em duas hipóteses para reverter essa sentença. A primeira é encontrar no processo uma falha técnica que derrube a pena. A busca está sendo feita por experientes e caros advogados. A segunda aposta é que Donald Trump (republicano), aliado de Bolsonaro, seja eleito presidente dos Estados Unidos nas eleições de novembro de 2024. Se isso acontecer poderia se criar um ambiente favorável ao revigoramento do bolsonarismo. Esse revigoramento se traduziria em grandes manifestações públicas pedindo a derrubada da sentença do TSE. Antes de seguir a nossa conversa vou dar uma explicação que julgo necessária. Tudo que estou escrevendo não é opinião, são fatos que temos publicado e resultado de apuração que fiz junto a fontes. E o que chamo de líderes do círculo íntimo são pessoas como o general da reserva Braga Netto, candidato a vice na chapa de reeleição, os três filhos parlamentares de Bolsonaro – Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo –, Costa Neto e outros. Eles somam 12 pessoas que têm influência nas decisões do ex-presidente. Voltando a nossa conversa. Na condição de repórter não tenho como avaliar a possibilidade de dar certo ou errado as estratégias para derrubar a sentença do TSE. Porque as coisas na política são muito dinâmicas. O que era impossível se torna possível do dia para a noite. O que vejo são parlamentares bolsonaristas apostarem pesado na tentativa de revigorar as bases do ex-presidente. Por exemplo, na quinta-feira (14/09), o senador Jorge Seif (PL-SC) chorou e xingou, chamando de covarde o general de divisão da ativa do Exército Gustavo Henrique Dutra, durante depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre o 8 de janeiro. Dutra é ex-comandante do Comando Militar do Planalto. Foi demitido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e está sendo investigado por sua participação nos atos terroristas de 8 de janeiro. O senador sabe de toda a história. Por que atacou o general que está sendo investigado por supostamente ter apoiado os bolsonaristas? Não se trata de um racha. É apenas uma estratégia do senador para ganhar espaço nas redes sociais. Nas últimas semanas tenho acompanhado manifestações de seguidores do ex-presidente contra oficiais das Forças Armadas, acusando-os de terem traído a tentativa de golpe.

Essa tentativa de mobilizar as bases feita pelo senador Seif é uma gota de água em um oceano perante a imensa repercussão que vem tendo na opinião pública o julgamento dos quatro primeiros réus dos atentados de 8 de janeiro contra a democracia, que começou no dia 13 de setembro no Supremo Tribunal Federal (STF). Esses são os réus e suas sentenças: Aécio Lúcio Costa Pereira, 51 anos, condenado a 17 anos de prisão, sendo 15 em regime fechado; Thiago de Assis Mathar, 43, sentenciado a 14 anos; Matheus Lima de Carvalho Lázaro, 24, condenado a 17 anos; e Moacir José dos Santos, 52, que deverá ter a data do julgamento marcada durante esta semana – há matéria na internet. Além desses quatro existem outros 1.395 que serão julgados. O resultado do julgamento ocupou todo o espaço nobre da imprensa brasileira e repercutiu em vários cantos do planeta, em especial nos Estados Unidos, onde seguidores do ex-presidente Trump invadiram o Capitólio (prédio do Congresso americano) em 6 de janeiro de 2021 para impedir que Joe Biden (democrata) fosse declarado vencedor das eleições presidenciais – matérias na internet. A avaliação de especialistas é que o resultado do julgamento aumentou a hemorragia do prestígio político do ex-presidente. Costa Neto aposta que o prestígio político de Bolsonaro vai eleger muitos prefeitos e vereadores de grandes, médias e pequenas cidades nas eleições municipais do ano que vem. O julgamento dos envolvidos nos atos terroristas de 8 de janeiro somado com o caso das joias (venda ilegal de presentes recebidos por Bolsonaro de autoridades estrangeiras) estão encurralando o ex-presidente.

Os bastidores desses dois casos foram contados para a Polícia Federal (PF) na delação premiada feita pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Como disse na nossa conversa: as coisas na política acontecem muito rapidamente. Até a delação de Cid nenhuma das pessoas usadas pelo ex-presidente para fazer o serviço sujo tinha aberto a boca e contado a sua versão dos fatos. Seja lá qual for o calibre das revelações feitas pelo tenente-coronel (que precisam ser confirmadas pela investigação policial) a situação do ex-presidente perante a Justiça em nenhum momento da sua carreira política, que soma mais de três décadas, esteve tão complicada como no atual. Como sempre digo, ele é um cara esperto e sabe disso. Também sabe que tudo é possível na disputa política. Até uma situação que parece ser um milagre.

Reportagem publicada originalmente em “Histórias Mal Contadas”

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.