Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalistas, abracem esta imagem

(Imagem de Steve Buissinne por Pixabay)

Quando você se depara com uma cena completamente bagunçada, o que você faz? Cada um de nós tem um jeito diferente de enfrentar o desafio de compreender e organizar o que temos à frente. Pois eu gostaria de dividir uma estratégia diante do desafiador cenário em que o jornalismo está posto.

Há dez anos, quando ainda trabalhava na redação, eu comecei uma jornada acadêmica para compreender por que o comportamento da audiência era tão imprevisível. Queria compreender que chance teriam os assuntos “sérios”, como políticas públicas, economia e educação, diante de tantos memes e notícias sobre celebridades. Atualmente, meus estudos apontam um caminho. E é isso que vou tentar arranhar neste texto.

Há tanta informação circulando pelas telas que compõem nossas vidas que fica cada vez mais difícil saber de tudo e, principalmente, entender o que importa saber. É um desafio que atinge tanto as pessoas que consomem notícias quanto aquelas que as produzem nas redações ou fora delas. E é uma questão que ultrapassa a quantidade de dados e imagens que jorram à nossa frente, a velocidade com que isso acontece é assustadora. Ubiquidade e instantaneidade dão as cartas na contemporaneidade. 

Diante do desafio, que os jornalistas podem fazer? Abafados, sufocados e aterrados por uma avalanche de dados e informações para analisar veracidade e importância, os jornalistas tentam sobreviver nas redações e, sempre que possível, cavar uma boa manchete. Sim, quem é jornalista sabe o quanto o cotidiano é puxado. 

E, para quem já está na profissão há mais de uma década, sabe o quanto o fazer jornalístico mudou. Os profissionais ampliaram suas ferramentas e estratégias de buscar o que pode ser notícia, passaram a ter uma nova categoria de pauta (a verificação das notícias fraudulentas), tornaram-se responsáveis também pela distribuição do material produzido, buscam novas maneiras de olhar o negócio e, por último, mergulham nos mecanismos da inteligência artificial para buscar outros caminhos para dinamizar as redações. 

Alcançar a saída desse labirinto é uma tarefa hercúlea, sem reposta única. 

Uma delas é estabelecer uma relação mais estreita entre redação e universidade, aproximar achados acadêmicos do cotidiano da redação. Trazer questões do dia a dia para as discussões acadêmicas. É o que tentamos fazer no nosso grupo de pesquisa, “Jornalismo, Direito e Liberdade” (JDL), ligado à Universidade de São Paulo. 

Meu ponto de partida: estamos em um contexto comunicacional inundado por imagens – não apenas fotos, vídeos e memes, mas também de imagens que são um elemento teórico. Trata-se da imagem técnica, como elaborada por um filósofo tcheco-brasileiro chamado Vilém Flusser nos anos 1980. E essas imagens técnicas são base da Superindústria do Imaginário, conceito cunhado pelo pesquisador brasileiro e jornalista Eugênio Bucci que originou um livro de mesmo nome. O terreno descrito por Bucci é essa balburdia na qual temos sobreviver como seres racionais e com senso crítico.

Compreender os conceitos teóricos podem servir para que os profissionais da informação comecem a achar suas próprias soluções. Comecemos pela maneira como a transformação do estatuto da imagem tem afetado as relações dos jornalistas com a aceleração do tempo de produção da notícia e dos fatos que possam a vir a ser notícia. Tudo acontece em quantidade e a todo momento. 

Um repórter de veículo online, por exemplo, começa a apuração de um acidente já atrasado, pois a informação sobre o ocorrido já está distribuída, ainda que se saiba nada sobre quem estava no local ou os motivos do evento. Essa aceleração pode prejudicar a avaliação das descobertas sobre esta pauta, assim como pode propiciar a difusão de notícias fraudulentas, que se tornarão outro gatilho para novos esforços desses repórteres. De saída, temos a questão dos prazos, cada vez mais exíguos.

A situação também interfere na relação com a audiência, porque a abundância de dados inflaciona o mercado das informações, que são, muitas vezes, de baixa qualidade. Além disso, o jornalista perdeu o monopólio da produção de notícias. As pessoas consumidoras passaram a produzir também relatos de fatos e despejar opiniões pelas redes sociais – sentem-se jornalistas e questionam os profissionais, mas sem a correspondente responsabilização pelos seus atos noticiosos. 

Não há como escapar desta imagem onipresente. O que fazer? Abraçá-la.

Jornalista como tecelão do Simbólico

Uma das ideias que desenvolvo na minha tese, é que cabe à imprensa agir conscientemente como um tecelão do espaço do Simbólico – deixo aqui o link do trabalho “A escritura da imprensa: um estudo sobre a primazia da palavra no jornalismo em plena era da imagem digital”, para quem se interessar em conhecer um pouco mais sobre este registro do Inconsciente e o desenvolvimento teórico que me trouxe até aqui. Trata-se de uma disputa que vai além das narrativas, que coloca em questão a maneira como entendemos a vida em sociedade. 

E o profissional do jornalismo precisa encarar sua responsabilidade nesse contexto, precisa subir nesse palco não como a vedete da notícia, mas como um construtor de sentidos, agir de maneira ativa e diligente em nome do fortalecimento dos espaços e das linguagens do Simbólico. Ou seja, precisa compreender seu papel como organizador do discurso da sociedade sobre ela mesma no que se refere a política, economia, justiça e cultura. Entre imprensa e estes campos é preciso construir uma aliança tácita em nome de manter os fios que unem a democracia e sustentam a convivência com base do que definimos como direitos humanos. Parece-nos que não há mais tempo de virar o rosto para essa urgência de engajar a imprensa em um movimento que defende sua própria existência nas bases do ideário da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade). 

Esta é a imagem que convido todos a abraçar: já que não temos como escapar desta imagem técnica onipresente, tratemos de abraçá-la, compreendê-la e usá-la como um recurso para informar e conscientizar os públicos, os leitores, os espectadores, a audiência. Usar as palavras para formar imagens é uma tática conhecida, mas que ganha outros contornos, tons e texturas nesse momento em que vivemos. Elaborar imagens para oferecer sínteses e análises do que se passa no mundo pode ser uma saída nobre para nossa tão combalida profissão.

Alguns links:

https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2021/06/11/%E2%80%98A-superind%C3%BAstria-do-imagin%C3%A1rio%E2%80%99-e-o-valor-da-comunica%C3%A7%C3%A3o

https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27164/tde-28062023-140537/pt-br.php

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Karina Yamamoto é jornalista, comunicadora e pesquisadora do grupo Jornalismo, Direito e Liberdade (JDL), vinculado à Escola de Comunicações e Artes (ECA) e ao Instituto de Estudos Avançados (IEA), ambas instituições da Universidade de São Paulo.