Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Assédio judicial em pauta no STF: quando o acesso à Justiça pretende silenciar o exercício da liberdade de expressão e de imprensa

(Foto: Agência Brasil)

No dia 22/09/2023, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) 6792 e 7055, propostas, respectivamente, pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), tendo como relatora a Min. Rosa Weber. 

Em ambas as ações o tema central gira em torno da fixação de respostas constitucionalmente adequadas ao chamado assédio judicial. Este fenômeno, conhecido como “SLAPP” (demanda estratégica contra a participação pública) consiste no uso abusivo de ações judiciais para perseguir e intimidar comunicadores, jornalistas, e veículos de imprensa. Nesse ponto, a  Corte Interamericana de Direitos Humanos, no julgamento do caso Palacio Urrutia Y Otros vs Ecuador [1], reconheceu o uso abusivo dos mecanismos judiciais por funcionários públicos que recorrem a instâncias judiciais para propor processos por delitos de calúnia ou injúria, não com o objetivo de obter uma retificação, mas de silenciar as críticas realizadas a respeito de suas atuações na esfera pública, constituindo uma ameaça à liberdade de expressão e, consequentemente, dever do Estado regulamentar e controlar tais práticas.

Como explicado nas iniciais das referidas ADIs, no Brasil, são propostas ações de forma abusiva com o intuito de constranger e silenciar desafetos, sendo utilizadas, geralmente, as Varas dos Juizados Especiais Cíveis (JEC) em ações que pedem condenações penais por crimes contra a honra – injúria, calúnia e difamação, bem como fixação de danos morais e materiais. As demandas são orquestradas para impedir a atuação livre de jornalistas e órgãos de imprensa. As ações são fundadas, geralmente, nos mesmos fatos e ajuizadas em locais diferentes para dificultar a defesa e aumentar os custos para os Réus.

A pretexto de exercer um direito legítimo de defesa e de acesso à Justiça, há o abuso deliberado e que produz como resultado um indesejado “efeito silenciador da crítica pública”, em afronta à liberdade de expressão, de informação jornalística e ao direito à informação. Sustentam, ainda, que as indenizações fixadas judicialmente interrompem ou prejudicam gravemente o funcionamento de órgãos de imprensa, além de ameaçarem a subsistência de profissionais de comunicação. 

Para a ABI, ao publicarem de boa-fé matérias sobre casos de corrupção ou atos de improbidade que não foram definitivamente comprovados, jornalistas e veículos de imprensa não devem sofrer risco de retaliações impostas pelo ajuizamento de ações cíveis. Apenas a divulgação dolosa ou gravemente negligente de notícia falsa poderia legitimar condenações.

Já na ADI 7055 há o pedido para que o STF fixe a interpretação para que, nas ações em que for verificado o abuso de ação envolvendo o exercício da liberdade de expressão e de imprensa, o foro competente para a proposição da respectiva ação judicial seja o domicílio do réu e também que seja possível a centralização de todos os processos repetitivos perante um juízo para processamento e julgamento conjunto, resguardando-se a liberdade de imprensa, comunicação e expressão do pensamento e as garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da razoável duração do processo, evitando a pulverização de processos quando configurado o assédio judicial.

Até o momento, houve a apresentação do voto da Min. Rosa Weber que julga parcialmente procedente o pedido deduzido na ADI 6792 a fim de assentar que a configuração do ato ilícito ensejador da obrigação de reparar dano moral decorrente da publicação ou disseminação de opinião, notícia, informação ou ideia, em veículo de imprensa ou de mídia social, tem como pressuposto fático a veiculação de conteúdo correspondente a ameaça, intimidação, incitação ou comando à discriminação, à hostilidade ou à violência, ainda que psicológica ou moral, disseminação deliberada de desinformação, manipulação de grupos vulneráveis, ataque doloso à reputação de alguém ou apuração negligente dos fatos, risco à segurança nacional, à ordem, à saúde ou à moral públicas, ou, ainda, quando configurar propaganda em favor da guerra, guerra civil, ou insurreição armada ou violenta, ou apologia ao ódio nacional, racial ou religioso. Por outro lado, a Ministra não reconheceu a possibilidade de alteração de regra de foro para fixar como competente aquele do domicílio do réu, tampouco a determinação de reunião de todos os processos para processamento e julgamento conjunto, julgando improcedente a ADI 7055 [2].

O julgamento foi suspenso por pedido de vista do Min. Roberto Barroso. Ressalte-se a importância das duas ações diretas de inconstitucionalidade e, sobretudo, a forma como demonstram a seriedade da prática do assédio judicial que implica no desvirtuamento do direito constitucional de acesso à justiça para somar às táticas que visam afetar e minar a atividade jornalística e a liberdade de expressão.

 

Notas

[1]  Caso Palacio Urrutia e outros Vs. Equador. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 24 de novembro de 2021. Série C Nº 446, par. 95.

[2]  Como salientado por Taís Gasparian,  o Conselho Nacional de Justica editou um Ato Normativo 0000092-36.2022.2.00.0000 com o objetivo justamente de fazer frente as situações de assédio judicial. Cf.  GASPARIAN, Taís. Falta consistência à liberdade de expressão no país. In: Gasparian, Taís (et. Al.). Liberdade de expressão: um conceito em disputa”, Jota/Google, 2022.

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Deborah Cunha Teodoro é jornalista, advogada, mestra e doutora em comunicação pela Unesp-Bauru.

Tatiana Stroppa é professora universitária, advogada, doutora em direito pelo CEUB-ITE-Bauru, coordenadora do GT Políticas e Governança da Comunicação da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (Compolítica).