Existe algo em comum entre Ikaria (na Grécia), Okinawa (no Japão), Ogliastra (na Sardenha), Loma Linda (na Califórnia) e Nicoya (na Costa Rica). Esses lugares são conhecidos como “zonas azuis” (“blue zones”). Nessas regiões encontra-se uma alta concentração de pessoas que atingiram ou se aproximaram dos 100 anos de idade com saúde, especificamente sem doenças cardiovasculares, câncer, diabetes ou obesidade.
O livro “Zonas Azuis. A solução para comer e viver como os povos mais saudáveis do planeta”, escrito por Dan Buettner, explora os lugares mencionados. Dan, repórter da famosa National Geographic, pesquisou publicações científicas relacionadas com as “zonas azuis” e visitou os locais, mergulhando de corpo e alma nos comportamentos e na cultura dos centenários.
O aludido compêndio de Dan Buettner integra uma lista de mais de 30 obras que li antes de escrever o livro “Saúde e bem-estar. Minhas anotações”. Lançado em 2022, o meu modesto escrito destaca justamente os hábitos saudáveis como base para uma vida longa e livre de doenças. Esses hábitos devem ser cultivados em várias áreas da vida. Podem ser resumidos em quatro grandes linhas de atenção e ação: a) alimentação adequada (a mais natural possível, evitando os processados); b) atividade física; c) hábitos saudáveis diversos (relacionados com o sono, consumo de água, exposição ao Sol, meditação etc.) e d) equilíbrios espiritual, emocional e social.
Atualmente, a Netflix, gigante mundial em matéria de streaming, veicula uma série protagonizada por Buettner denominada “Como viver até os 100. Os segredos das zonas azuis”. Com imagens e depoimentos marcantes as cinco “zonas azuis” são visitadas. Trata-se de uma produção de excelência sobre longevidade saudável e também acerca de dimensões importantíssimas do convívio humano, como espiritualidade, propósitos, amizades e tantas outras. A profunda riqueza da simplicidade, longe do consumismo vazio e dos conflitos irracionais, é retratada, com rostos, gestos e relatos, em inúmeras passagens da produção.
O livro e a série, produzidos por Dan Buettner, mostram como lugares com tradições culturais diferentes e geograficamente bem distantes produziram o desejável fenômeno da longevidade saudável. Fica absolutamente claro que não se trata de obra do acaso ou o resultado de alguma loteria genética. São hábitos saudáveis, em várias perspectivas ou dimensões do convívio humano, que produzem, em regra, vidas longas e distantes das doenças, notadamente aquelas mais temidas.
O denominador comum das “zonas azuis” foi explicitado por Dan em nove lições (“power nine”). São elas: a) mexa-se naturalmente; b) propósito; c) desacelere; d) regra dos 80 por cento; e) leguminosas; f) vinho a 5; g) tribo certa; h) comunidade e i) os queridos primeiro.
Mexa-se naturalmente. “As pessoas mais longevas do mundo não puxam ferro, correm maratonas nem frequentam academias, mas vivem em ambientes que os incitam constantemente a se mexer. Elas cultivam jardins e não têm utensílios mecânicos para cuidar da casa nem do quintal. Qualquer ida ao trabalho, à casa de um amigo ou à igreja é uma ocasião para caminhar”. Esse registro consta no referido livro de Dan Buettner.
Propósito. Em todas as “zonas azuis” verificou-se que as pessoas tinham motivos bem definidos para viver, além de apenas trabalhar, comer e respirar.
Desacelere. Mesmo nas “blue zones” existem diferentes estratégias para aliviar o estresse e as várias tensões inevitáveis do convívio em sociedade.
Regra dos 80 por cento. Significa parar de comer quando o estômago está 80 por cento completo. Esse artifício parece estar profundamente ligado à diferença entre ganhar e perder peso. Ademais, as pessoas nas “zonas azuis” costumam realizar a última e mais leve refeição ao final da tarde ou início da noite e só comem novamente no dia seguinte (uma espécie de jejum intermitente).
Leguminosas. A base das dietas dos centenários envolve vários tipos de leguminosas (fava, feijão, soja e lentilha). Carnes são consumidas em porções reduzidas cerca de uma vez por semana.
Vinho a 5. Em todas as “zonas azuis” constatou-se o consumo moderado e regular de álcool, notadamente como algo vinculado a confraternizações familiares e sociais.
Tribo certa. A participação ativa dos centenários em círculos sociais, de diferentes formatos, que incentivam comportamentos saudáveis foi observada em todas as “blue zones”.
Comunidade espiritual. Praticamente todos os entrevistados por Dan Buettner integravam comunidades voltadas para o exercício de alguma fé (espiritualidade). Foi apurado que a frequência semanal a cultos ou práticas espirituais aumenta consideravelmente a expectativa de vida.
Os queridos primeiro. Observou-se, nas “zonas azuis”, um cuidado especial com parentes e amigos mais próximos. Proximidade e relações intensas com os “queridos” parecem fazer uma grande diferença na longevidade saudável.
Vários “ajustes” de eficiência, em relação ao “power nine”, podem ser cogitados, tais como: a) atividade física mais intensa, por conta da necessidade de manutenção dos músculos; b) redução drástica ou eliminação do consumo de álcool (por não existir nenhum nível de consumo saudável); c) maior diversidade da dieta para contemplar todos os macro e micronutrientes; d) exposição adequada ao Sol (para produção de “vitamina” D); e) necessidade de sono suficiente e reparador e f) adequada atenção para a saúde bucal.
É inegável, entretanto, que a base dos hábitos dos centenários aponta o caminho para uma vida longa e saudável. A inexorável realidade observada nas “zonas azuis” deixa margens mínimas, ou praticamente inexistentes, para contestações significativas sobre os grandes rumos a serem seguidos.
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Aldemario Araujo Castro é advogado, mestre em Direito e procurador da Fazenda Nacional