Esta é uma tendência em ascensão nas duas plataformas sociais cujas audiências, somadas, alcançam quase 3,3 bilhões de pessoas em todo mundo (41% da população do planeta). Mostra, principalmente, que a informação está sendo intencionalmente degradada em benefício de memes, fofocas, fatos e eventos chocantes ou escandalosos.
Há dias, Elon Musk, o dono da X, mandou eliminar a publicação de manchetes ou chamadas nos posts para dar mais espaço para fotos, vídeos e ilustrações. A mudança recebeu uma saraivada de críticas, em sua maioria de jornalistas, porque esconde um deliberado esforço da plataforma de sufocar o debate gerado por notícias jornalísticas para beneficiar conteúdos produzidos sobretudo por influenciadores e integrantes de grupos radicais, como o “gabinete do ódio”.
O movimento da rede X ocorre simultaneamente à divulgação de dados sobre uma queda de 80% no Facebook no número de postagens baseadas em jornais e revistas de conteúdo jornalístico. Segundo dados coletados pela empresa Similarweb, de monitoramento da internet, e publicados pelo site Axios, o número de menções a grandes jornais internacionais caiu de 120 milhões em agosto de 2020 para meros 20 milhões em agosto passado (veja gráfico abaixo, reproduzido do Axios).
A perda de espaço das notícias e debates nas principais plataformas sociais na internet é uma reação ao movimento dos maiores órgãos de imprensa dos Estados Unidos, Canadá, Europa e Austrália que passaram a cobrar pela reprodução de material jornalístico em jornais e telejornais. É a quebra de braço entre as big techs, entre as quais se inclui também a Google (YouTube), e a imprensa convencional em torno da cobrança de direitos autorais. Uma disputa que envolve quantias milionárias, tanto para um lado como para o outro, mas os grandes perdedores são os 46% dos brasileiros e 52% dos norte-americanos que dependem das redes sociais para obter notícias, segundo o site Mediatalk.
O boletim Garbage Intelligence Report, de agosto deste ano, mostra que a perda de espaço dos principais jornais mundiais na agenda do Facebook passou a ser ocupado por notícias como a de uma mulher ex-viciada em drogas pesadas na adolescência que chegou aos 55 anos sóbria, e a norte-americana negra que completou 114 anos. Ambas as notícias foram publicadas originalmente em jornais populares que não cobram nada do Facebook.
O esvaziamento jornalístico da agenda diária das grandes plataformas digitais aconteceu de forma acelerada. Em junho último, os órgãos da imprensa mundial mais referenciados pela rede de Mark Zuckerberg eram os cinco maiores jornais norte-americanos. A notícia jornalística mais mencionada pelos usuários do Facebook no mês recebeu 12 mil compartilhamentos, um índice baixíssimo comparado aos do período anterior à epidemia de Covid 19. O monitoramento do Garbage Intelligence indicou que apenas uma grande publicação estava entre as 10 mais referenciadas pelo Facebook , tanto em agosto como em setembro últimos.
A lógica da degradação informativa
O site Axios mediu o declínio nos acessos de usuários da internet às plataformas X e Facebook em 123 países pesquisados, entre eles o Brasil. A maior queda foi do Facebook que foi de 42% dos acessos medidos em 2015 para 28% em 2023. Neste mesmo período, as únicas plataformas que conquistaram novos usuários foram a TikTok e Instagram, ambas focadas em postagens com um mínimo de texto e o máximo de imagens.
Isto tudo nos mostra uma deterioração crescente na qualidade das informações fornecidas aos usuários de internet, o que gera reflexos imediatos no comportamento individual e coletivo. A imprensa já está degradada pela crise do seu modelo de sustentabilidade responsável pelo fechamento de quase 60% das publicações impressas existentes na virada do século em todo o planeta. Agora, as redes sociais intensificam o empobrecimento da capacidade analítica e reflexiva do público ao disseminar conteúdos superficiais, descontextualizados e sem checagem de confiabilidade.
Neste contexto fica muito difícil identificar o real significado, relevância, exatidão e pertinência do que nos é oferecido como notícia. Estamos ingressando numa espécie de vácuo informativo, como afirmam os pesquisadores suecos Jutta Heidder e Olof Sundin, autores de uma série de trabalhos apontando para a necessidade dos profissionais se preocuparem com o que está por trás da notícia, muito mais do que com a descrição de fatos, dados e eventos. É o que ambos os professores chamam de produção infra estrutural de significado, um recurso que ajudaria a combater o crescimento da desinformação nos ecossistemas informativos contemporâneos.
A crescente tendência ao “infotainment” (entretenimento informativo) e à superficialidade noticiosa tanto na imprensa como nas plataformas digitais segue a lógica da busca de sustentabilidade financeira a qualquer preço nas grandes mídias de comunicação pública. Isto indica que aumenta a necessidade de termos que repensar os valores que orientam a forma como lidamos com a informação. Tudo leva a crer que a alternativa mais viável parece ser a de recomeçar de baixo, a partir do jornalismo local, mas isto é tema para outro artigo.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.