O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, 73 anos, deveria dar ouvidos ao conselho do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, 80 (democrata), e não ocupar com as tropas a Faixa de Gaza para tentar destruir o Hamas, o grupo terrorista que no último dia 7 de outubro, em um ataque surpresa, invadiu o território israelense, matou 1,3 mil pessoas e sequestrou 120. O motivo pelo qual Netanyahu deve dar atenção a Biden é porque ninguém no mundo entende mais de atoleiro do que os americanos. Vou citar os mais conhecidos. A Guerra do Vietnã (1965 a 1973), também conhecida como o atoleiro vietnamita, onde morreram e desapareceram 58 mil soldados americanos. A Guerra do Iraque (2003 a 2011), quando, alegando que os iraquianos tinham armas de destruição em massa, os Estados Unidos invadiram o país e acabaram semeando movimentos islâmicos fundamentalistas por todo o Golfo Pérsico. E, por último, a Guerra do Afeganistão (2001 a 2023), contra o regime dos talibãs que governava o país e apoiaram a Al-Qaeda, a organização liderada pelo terrorista saudita Osama Bin Laden, responsável pelos ataques de 11 de setembro de 2001 contra as Torres Gêmeas, em Nova York. A retirada das tropas americanas do Afeganistão foi caótica – há material na internet.
Biden deu o conselho a Netanyahu durante uma entrevista ao prestigiado programa da CBS News 60 Minutes, que virou manchete nos principais jornais do mundo. Na mesma entrevista, o presidente americano concordou com o primeiro-ministro israelense sobre a destruição do Hamas. Trocando em miúdos, Biden concorda com a destruição do alvo, mas discorda da estratégia. Ele não é o único. Antes de seguir em frente na nossa conversa vou dar uma explicação que considero importante para o leitor e os colegas repórteres, especialmente os jovens que estão na cobertura do dia a dia das redações. Cristalizou-se entre os jornalistas que fazem a cobertura de conflitos envolvendo tropas militares a palavra atoleiro para descrever uma operação malsucedida, que resultou em perdas inúteis de vidas e de material. Voltando a nossa conversa. Biden não o único a desaconselhar o envio de tropas para Gaza. Os noticiários estão cheios de especialistas em estratégias militares fazendo a mesma afirmação: de que o plano do primeiro-ministro de ocupar Gaza com tropas terrestres é suicídio. Tem mais: neutralizar todos os principais líderes e milicianos do Hamas não significa acabar com a organização. Das cinzas do Hamas pode brotar algo bem pior, como foi o caso do Estado Islâmico, também conhecido como ISIS, que nasceu nos escombros da destruição causada pela Guerra do Iraque – há material na internet. Biden tem afirmado, em várias ocasiões, que apoia a criação do estado da Palestina. O fato é o seguinte: o presidente dos Estados Unidos é um político calejado e vai tentar a reeleição em 2024. O seu principal adversário é o ex-presidente Donald Trump (republicano), que durante o seu governo apoiou Netanyahu, inclusive reconhecendo Jerusalém como capital de Israel. A cidade é disputada por israelitas e palestinos. O então presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PL), também ensaiou o reconhecimento. Lembro que o primeiro-ministro de Israel esteve na posse de Bolsonaro. Para concorrer, Trump depende da indicação pelos republicanos. Nos dias atuais ele é o republicano que teria mais chances de enfrentar Biden.
Biden nunca deixou dúvidas de que os americanos apoiam Israel. O que ele está fazendo é colocar a política na conversa e mostrar que existem outras opções para resolver o problema. A invasão do Hamas interrompeu uma série de protestos que a população israelense vinha fazendo contra a tentativa de Netanyahu de mudar as leis do país para escapar de processos aos quais está respondendo. Ou seja, assim que essa história do Hamas for encaminhada, ele terá um encontro com a justiça, pelo menos é o que dizem os analistas e os principais líderes políticos de Israel. Aqui tem mais uma questão. Assim como os massacres de inocentes pelos terroristas do Hamas foram documentados e transmitidos pelos celulares para as redes sociais ao redor do mundo, o sofrimento da população civil de Gaza com os bombardeios da artilharia e da aviação israelense está sendo contando pelas crianças, idosos e mães palestinas pelas mesmas redes sociais. Como jornalista, temos visto e ouvido os fatos que estão acontecendo no campo de batalha. E também as narrativas das vítimas civis, israelitas e palestinas, disponíveis na internet. Esta é a nova realidade das guerras na era das modernas tecnologias de comunicação que o núcleo duro dos religiosos de extrema direita do governo de Netanyahu não tem interesse em conhecer. Mas ela existe, basta apertar um botão no teclado do celular para ver e ouvir.
Éimpossível ter a mínima ideia de como essa história vai terminar porque existem muitas pontas soltas. Há muito mais perguntas do que respostas, incluindo como os milicianos do Hamas conseguiram entrar no território israelense sem serem notados. Como sempre digo, viajei muito pelo Brasil fazendo cobertura de conflitos. E lembro que em acontecimentos como o confronto entre israelitas e palestinos a imprensa do interior fica de fora ou se limita a reproduzir as reportagens publicadas nos grandes jornais. Desta vez, a imprensa do interior tem a oportunidade de pegar os depoimentos nas redes sociais e montar matérias interessantes para os seus leitores. Claro que é necessário tomar cuidado com as fake news. Mas a oportunidade existe.
Reportagem originalmente publicada em “Histórias Mal Contada”
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.