A afirmação é propositalmente desafiadora porque cresce a certeza de que o futuro da informação jornalística depende da descoberta de novos modelos de sustentabilidade financeira de publicações impressas e digitais, sejam elas em texto ou audiovisuais. Se não acharmos fórmulas que garantam a sobrevivência econômica do jornalismo, ele tende a perder importância no meio do caos noticioso gerado pelo avanço da degradação informativa e do infotainment. (1)
De nada adianta pensar em novos projetos jornalísticos visando combater a desinformação, a polarização informativa e as notícias falsas se a maioria destas iniciativas tende a desaparecer em três ou quatro anos por falta de recursos financeiros, segundo a média das pesquisas sobre jornalismo regional e local. Cada projeto fracassado aumenta o nível da frustração tanto de quem tentou inovar no campo jornalístico, como das pessoas que acreditaram na possibilidade de acesso a notícias minimamente confiáveis.
É um problema muito sério porque o nosso futuro como cidadãos e como sociedade democrática depende de fluxos informativos que alimentem nossa capacidade de tomar decisões adequadas às nossas necessidades, problemas e desejos. Sem o acesso a notícias e informações confiáveis ficamos vulneráveis aos efeitos da polarização informativa em curso aqui e na maior parte dos demais países, onde os fatos, dados e eventos passam a ser formatados pela ideologia de quem os produz e não pelo seu significado social.
A sustentabilidade de jornais, revistas, rádios e até de TVs não figura há décadas na lista das preocupações das pessoas comuns. No máximo, é objeto de curiosidade. Isto porque o insucesso de um projeto jornalístico é geralmente atribuído a uma mera questão de má gestão. Depois fomos embalados pelo sonho da notícia grátis distribuída pela internet. Toda esta carga cultural, formada por hábitos e valores, esbarra agora na realidade dura de que qualquer notícia tem custo financeiro e alguém terá que pagá-lo. Só que este alguém não será o empreendedor capitalista clássico porque a notícia não dá mais o lucro esperado, embora continue dando prestígio político.
Resultado: nós jornalistas, e pouco a pouco também o público, começamos a nos dar conta de que a sustentabilidade também é um componente essencial na produção de notícias. E mais do que isto, já fica claro que o público é parte obrigatória na solução do problema, pois ele não é mais um mero comprador de jornais. São as pessoas que dirão aos profissionais da comunicação como e quando estarão dispostas a contribuir para a manutenção de um projeto jornalístico que as ajude a sobreviver em meio ao processo de desertificação noticiosa (2) em curso no mundo inteiro.
A degradação informativa
Estamos em pleno processo de degradação informativa na medida em que as principais plataformas digitais estimulam a polarização ideológica como já é visível no caso do X, ex-Twitter, e da perda de independência noticiosa pela maior parte da imprensa tradicional, cada vez mais empurrada para o infotainment e enviesamento do noticiário na busca de receitas para sobreviver à crise do seu modelo de negócios.
A informação é um gênero de primeira necessidade para todos nós. Logo, precisamos de organizações que nos entreguem informações confiáveis, o que cria um novo tipo de relação entre as mídias e o público. A imprensa tradicional precisava das pessoas para obter anunciantes que viabilizassem receitas para a publicação de notícias. Hoje, o jornalismo precisa de receitas para atender às necessidades informativas das pessoas.
Esta inédita inversão de prioridades sinaliza também uma mudança na lista de tarefas obrigatórias no exercício do jornalismo. Assim como os profissionais tiveram que alterar condutas, regras e valores para lidar com programadores digitais para se adaptar às novas tecnologias de informação e comunicação, ambos terão agora que criar uma nova relação com as pessoas comuns na busca de uma parceria sustentável financeiramente.
Poucos se aventuraram neste terreno até agora, mas a análise de experiências, como as do Center for Media Engagement, da Universidade do Texas, em Austin, mostra que a busca de resultados será longa e muito complicada porque as pessoas ainda têm uma visão comercial do jornalismo. Elas ainda não se sentem parte do problema, e sim meras espectadoras de um desafio alheio.
Os modelos existentes não garantem mais a sustentabilidade porque estão baseados na lógica do lucro na comercialização da notícia. A busca de um novo modelo implica explorar uma realidade inteiramente nova, o que vai exigir muito esforço, criatividade e inovação. O principal desafio será como incluir o público nesta busca.
[1] Infotainment – anglicismo usado para definir notícias formatadas segundo normas jornalísticas, mas com conteúdo voltado para a promoção do entretenimento comercial.
[2] Desertos noticiosos – expressão que indica cidades com menos de um jornal, rádio, revista ou TV.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.