Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como se preparar para uma carreira no jornalismo internacional

Em visita ao Labjor, a jornalista Meghie Rodrigues falou sobre suas dificuldades em entrar no mercado de trabalho brasileiro – e como isso abriu portas para uma carreira internacional.

“Por que não existe primeira-feira?”

Foi assim, reproduzindo a fala de uma criança, que a jornalista Meghie Rodrigues começou a conversar com os integrantes do Labjor, no dia 4 de setembro. Demonstrando seu interesse pelas ciências e o comprometimento com a clareza na divulgação da informação, a mineira de fala firme e assertiva contou sobre sua carreira e o laborioso passo a passo para se tornar repórter colaboradora da Nature.

Meghie iniciou sua trajetória de divulgação científica no projeto Universidade das Crianças, iniciativa vinculada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que existe, segundo Meghie, como uma forma de suprir a carência de museus no entorno de Belo Horizonte. A então recém-formada jornalista trabalhou no projeto por dois anos, enquanto cursava a faculdade de ciências sociais. Ao longo de seu período por lá, trabalhou de maneira multidisciplinar com pessoas das artes, medicina e biologia, fazendo a mediação das ciências com as crianças por meio de formatos variados, como animações e “pílulas de áudio” – o que hoje chamaríamos de mini podcasts.

Após sua experiência na UFMG, Meghie queria prosseguir na seara da divulgação científica, mas percebeu que sua formação como jornalista era generalista demais. Foi, então, que ela entrou no Labjor para ter “aulas cabeçudas”. Fez seu mestrado sob a orientação do professor Rafael Evangelista, que resultou na dissertação “Modelos de Divulgação Científica e Internet no Brasil: Que Caminhos?

Ao longo de seu período no Labjor, Meghie se aproximou das áreas de ciências da terra e mudanças climáticas por ter trabalhado na revista ClimaCom, que trata de mudanças climáticas sob perspectivas multidisciplinares, englobando, ainda, as artes como meio de comunicar e se conectar com pesquisadores e público em geral. “Tem ali [na revista ClimaCom] um pensamento teórico muito interessante. Eu tinha tempo, então podia ler bastante, e tinha acesso aos pesquisadores da Rede Clima. Eles tinham paciência para explicar os temas”, conta Meghie.

“Não estou cobrindo pelo hype, surfando na onda”

A aproximação da jornalista com o grupo de pesquisa do Labjor foi, segundo ela, fundamental para embasar sua carreira e pensamento crítico dali em diante. Muito mais do que surfar na onda de notícias sobre mudanças climáticas (que cada vez mais assola o mundo), Meghie enfatiza a importância de debater temas ambientais, sociais e culturais que permeiam o assunto. 

Esse repertório garantiu a ela uma vaga no Museu do Amanhã, logo após a inauguração da instituição, em 2015. Meghie foi pesquisadora de conteúdo, mantendo as exposições atualizadas no site.

Já que ninguém me quer no Brasil…

Logo que terminou seu mestrado, Meghie fez a peregrinação de envio de pautas.

“Eu mandava, pelo menos, para cinco veículos [jornalísticos], assim, todos os dias”, conta Meghie. 

Mas não recebia respostas. Diante de inúmeras negativas em redações brasileiras, a jornalista seguiu um desejo antigo e resolveu se aventurar por redações estrangeiras. Meghie produziu pautas em inglês para a revista Chemical Engineering News, conciliando com seu trabalho no Museu do Amanhã. Nesse primeiro momento, foi colaboradora também no SciDev.net, um site mundial de notícias, opiniões e análises confiáveis sobre ciência e tecnologia para o desenvolvimento global.

A importância de ter um portfólio e uma comunidade de colegas

Após sair do Museu do Amanhã, Meghie teve uma breve experiência com o professor e astrônomo João Steiner (1950-2020) coordenando a reestruturação da produção audiovisual do Giant Magellan Telescope Brazil Office como bolsista sênior de jornalismo científico. Depois, Meghie resolveu focar naquilo que sempre fora sua real vocação: apurar e escrever matérias.

Durante a pandemia de covid-19, e com seu robusto portfólio em mãos, Meghie decidiu mandar uma pauta para a revista Nature. Tendo o contato da editora da revista por meio de um colega jornalista, Meghie iniciou sua trajetória em uma das revistas de maior renome internacional.

“O trabalho tem que falar por si. Por isso eu disse que o Labjor foi importante, porque eu já tinha a técnica jornalística. Você tem que saber fazer muito bem a apuração. No caso da Nature, mais especificamente, o processo de fact checking é demoradíssimo, então, tem que ter um certo fôlego”.

O “fôlego” que ela menciona pode ser até de um mês, como foi no caso da reportagem “Brazilian road proposal threatens famed biodiversity hotspot”. De acordo com a jornalista, o texto levou esse tempo para ser concluído. 

A fala forte e assertiva de Meghie se revela também na sua escrita. A jornalista reforça que seu trabalho em publicações internacionais, falando sobre assuntos brasileiros, não poderia ser feito por outra pessoa senão ela, que é mulher e brasileira. No entanto, ela reforça que é fundamental para um jornalista não nativo na língua fazer cursos de formação – como, no caso dela, o que foi oferecido em 2020 pelo Climate Tracker, uma organização internacional sem fins lucrativos que tem o objetivo de apoiar, treinar e incentivar um melhor jornalismo sobre clima no mundo..

Como publicar em revistas internacionais

Inglês avançado é uma das primeiras condições para começar uma carreira internacional no jornalismo de ciência, diz Rodrigues. “Não precisa ser um inglês perfeito, mas precisa ser profissional porque, além de escrever a reportagem, você vai precisar se comunicar com os editores sobre a pauta”. 

Com o domínio do idioma, o passo seguinte é construir um portfólio para o exterior. Segundo a jornalista, reportagens de ciência em inglês servem para atestar sua capacidade de cobrir um determinado tema. 

O ideal é começar pequeno. Como mencionado, Rodrigues iniciou trabalhando para revistas de nicho – como a Chemical and Engineering News, que cobre pesquisas, negócios e políticas públicas relativas à química. 

No início da criação do portfólio, a jornalista chegou a escrever de graça, apenas como exercício profissional. A experiência lhe rendeu conhecimentos de edição e escrita que foram valiosos no próximo salto da carreira: as revistas maiores. 

Antes de sugerir pautas, o repórter deve fazer uma prospecção dos temas abordados pela revista e como eles são tratados. “Você precisa entender o que cada revista publica para aumentar as chances de publicação. Nem toda pauta vai funcionar em todo lugar”.

Rodrigues afirma que a Nature, por exemplo, costuma ter interesse em pautas mais reflexivas, como política ambiental na Amazônia e o impacto na pesquisa da região – temas que a jornalista tem escrito com frequência no periódico. Uma pauta mais factual, porém, não teria espaço lá. 

Além de entender em que as revistas estão interessadas, os jovens jornalistas precisam acreditar no próprio potencial e abandonar a síndrome do impostor. “Principalmente para jornalistas mulheres”, diz, “que são desencorajadas a mostrar seu trabalho. Hoje eu sei que sou uma brasileira falando do Brasil e ninguém cobriria melhor do que eu”. 

Labjor: “Um acerto que eu fiz na minha vida“.

Quem quiser cobrir a área científica precisa aprender o funcionamento da ciência e como se constrói o conhecimento científico. Segundo a jornalista, o entendimento amplo da linguagem científica é algo que se constrói com uma formação teórica robusta.

Por isso, Meghie diz que seu Mestrado em Divulgação Científica e Cultural no Labjor foi uma decisão “muito acertada”. “No mestrado a gente tem que ler muito artigo. Então você aprende a ler. Você aprende a interpretar a construção da ciência”, diz a jornalista.

Meghie também lamenta que muitos jornalistas que cobrem ciência no Brasil não sejam especializados na área. “Um dia eles estão cobrindo ciência. No outro dia, estão cobrindo um buraco na rua”, diz ela. Isso promove manchetes sensacionalistas que não refletem a real construção do conhecimento científico.

Além da situação normalmente atribulada nas redações, Meghie lembra que a graduação em jornalismo é um tanto generalista, e não se aprofunda em outras áreas do conhecimento. “Temos pouco de economia, um pouco de sociologia, um pouco de filosofia, mas você não se aprofunda muito em nada. Infelizmente. Somos especialistas em generalidades, né?”, brinca. 

As disciplinas e a produção no Mestrado, no entanto, ofereceram uma base sólida para a cobertura da área científica – e principalmente das mudanças climáticas. “Eu entendi como o fato científico é gerado, como se constrói um consenso científico. Então acho que essa base teórica foi fundamental para mim. Porque eu me senti muito mais preparada para poder ir para minha área e cobrir qualquer área da ciência”.

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Maria Clara Rossini, Pedro de Belo, Matheus Ferreira e Jennifer Nagy.