Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A primeira lealdade

O que sei, conto. O que aprendo, ensino. Tem sido assim, na vida de repórter e de professor. Vem dando certo. Faço como me ensinou o ‘turquinho’ Flamarion Mossri, colega jornalista e amigo querido que sabia como ninguém preservar as amizades, inclusive as dos políticos de quem recolhia as informações do dia-a-dia. Mas sempre preservando a isenção. Uma vez recomendaram-lhe que não noticiasse que o deputado Souto Maior havia dado um soco em Nelson Carneiro, porque Nelson poderia reagir de forma violenta ao ver o fato estampado em jornal. Noticiou tudo. No dia seguinte, Nelson chegou armado ao Congresso, para acertar contas com o desafeto. Flamarion, amigo dos dois, fez o papel de deixa-disso e evitou uma tragédia.


Fernando Collor, recém-empossado presidente, declarou – e a Globo botou no ar – que eu era o jornalista que mais gostava de Brasília. ‘Aquele barbudinho é a cara de Brasília’, disse aos repórteres, descendo de um jet-ski. Embora não o apreciasse politicamente, envaideci-me com o elogio. Recentemente eu entrevistava o jornalista Wilson Ibiapina quando ele se lembrou do episódio. Comentei que o elogio de Collor era bom, a fonte é que não ajudava. Um amigo do ex-presidente subiu nas tamancas, mandou dizer que eu estava cuspindo no prato em que comi.


Dormir bem


Quando Arruda era sei-lá-o-quê no governo Roriz fiz uma matéria pra Globo sobre os canteiros floridos da cidade. Terminava em tom de poesia, falando da renovação da vida representada no trabalho da abelha que, ao recolher o néctar, espalha o pólen, que gera uma nova flor, que outra abelha um dia irá beijar, e novamente espalhar o pólen… E seguia por aí. Arruda gostou tanto que mandou bilhete de próprio punho dizendo que naquela noite Brasília tinha ido dormir mais feliz. Envaideci-me com o elogio, saí mostrando o bilhete dele a todo mundo. Agora, depois da publicação do artigo ‘Chega’, em que defendi sua saída do governo por corrupção, amigos dele mandam mensagens dizendo que estou ‘chutando cachorro morto’.


Na condição de cidadão e jornalista, nunca me senti cuspindo no prato em que comi nem chutando cachorro morto. Apenas preservo a isenção. Como me ensinou o ‘turquinho’, conceito depois repetido por Franklin Martins, em seu Jornalismo Político, ‘a primeira lealdade de um jornalista é com a sociedade’. Ser fiel a esse conceito ajuda inclusive a conciliar o sono.


Talvez nem Arruda nem Collor me elogiem mais. Que pena. Mas é a vida.

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Professor, jornalista e pesquisador em Comunicação